Revista Exame

Tremei, Obama

O apresentador Glenn Beck chora, mostra a língua, convoca passeata, vende milhões de livros - tudo, diz ele, para impedir que Barack Obama leve os Estados Unidos ao socialismo

Glenn Beck, apresentador e escritor americano (Alex Wong/Getty Images)

Glenn Beck, apresentador e escritor americano (Alex Wong/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Glenn Beck, o sujeito da foto, tem um sonho. No próximo dia 28 de agosto, o apresentador de TV, radialista e escritor americano pretende levar uma multidão às ruas de Washington para, em suas palavras, "restaurar a honra" do país - que, para ele, está sendo levado ao abismo por Barack Obama e seus aliados. Exalcoólatra, ex-viciado em drogas, exfracassado e ex-ateu, Beck se tornou nos últimos dois anos um ídolo da direita americana. Seus ataques diários a Obama na televisão atraem cerca de 2 milhões de telespectadores. No rádio, é ouvido por 9 milhões de pessoas. Além disso, já vendeu mais de 3,5 milhões de livros. Sua popularidade é tão grande que, para financiar o evento, ele está oferecendo a seus seguidores um passeio de helicóptero - basta pagar 75 000 dólares pela honra de sentar ao lado de Beck e jantar em sua casa depois. A data escolhida para o protesto não deve absolutamente nada ao acaso. No dia 28 de agosto de 1963, o reverendo Martin Luther King fez em Washington um dos mais importantes discursos da história americana ("I have a dream"). A data e o discurso acabaram se tornando ícones da luta pelos direitos civis. Para os críticos, a homenagem da direita americana a King é uma provocação equivalente a uma passeata "pela paz" da rede terrorista Al-Qaeda em Nova York no dia 11 de setembro. Beck, claro, está adorando a polêmica. Numa entrevista coletiva recente, o secretário de imprensa de Obama fingiu que nunca tinha ouvido falar na marcha, que acontecerá a alguns metros da Casa Branca. Ninguém acreditou.

A que se deve a popularidade de Glenn Beck? Sua biografia, um emaranhado de episódios trágicos seguidos de momentos de redenção, certamente ajuda. A mãe se suicidou. Ele tem transtorno de déficit de atenção. Adolescente, Beck se entregou ao álcool e às drogas (ele diz que seu mentor espiritual era o "doutor Jack Daniel's"). Sua carreira no rádio estava em plena decadência quando, diz, sua mulher o obrigou a abraçar uma religião. Tornou-se mórmon. No dia seguinte ao batismo, afirma ter recebido a ligação de um empresário que ressuscitou sua carreira. Largou a bebida e foi em frente. A outra grande bênção de sua vida foi mesmo a eleição de Barack Obama. Até 2008, Beck fazia sucesso no rádio, mas seu programa na CNN era irrelevante. Foi quando Roger Ailes, chefão da concorrente Fox News, decidiu juntar Beck ao seu já poderoso time de comentaristas conservadores. Enquanto as estrelas Bill O'Reilly e Sean Hannity brilhavam no horário nobre, Beck assumiu a terra de ninguém das 17 horas. Foi um sucesso.


Ninguém faturou tanto com a fortíssima rejeição a Obama em parcela do eleitorado (até hoje, há quem acredite que ele não nasceu nos Estados Unidos e que sua eleição é, portanto, ilegal). A tese principal de Beck - o governo participa de uma conspiração para rasgar a Constituição e atacar liberdades individuais - provou-se extremamente popular. Para ele, Obama está levando o país ao socialismo. Mas as críticas não param por aí. Sua audiência disparou quando afirmou que o presidente nutria um "profundo ódio" em relação aos brancos. O programa em que pergunta a um pastor evangélico se Obama é o anticristo fez sucesso no YouTube. Quando a General Motors anunciou a instalação de um sistema de rastreamento em seus carros, lá estava Beck vendo o dedo de Obama - como o governo controla a GM, seu objetivo real era espionar americanos indefesos e bisbilhotar suas conversas. Uma suposta conspiração para a criação de um governo mundial é outro de seus temores. Até a Copa do Mundo entrou na mira de Beck. As propostas de Obama são como o futebol, disse ele: o resto do mundo adora, os americanos detestam.

A esquerda americana, claro, espuma com Glenn Beck. O escritor Stephen King o apelidou de "irmãozinho burro de Satanás". Dia sim, dia não, ele vence o concurso de "pior pessoa do mundo" realizado pelo concorrente e antípoda Keith Olbermann, da MSNBC. Louco, mentiroso, racista, paranoico e histérico são adjetivos que a esquerda associa ao apresentador da Fox News. Mas essa reação não tem efeito algum na lealdade de seus fãs - pelo contrário, parece vitaminá-la. Aos 46 anos, Beck está surfando a recente onda de popularidade com desenvoltura de garotão. Seis de seus sete livros estrearam no topo da lista de mais vendidos do jornal The New York Times (seus maiores sucessos são apanhados de seus pensamentos e uma história de Natal). Em junho, Beck decidiu se aventurar no universo dos thrillers ao lançar The Overton Window, romance que descreve uma conspiração entre governo e elites para instaurar a tirania nos Estados Unidos e jogar opositores em campos de concentração. Os críticos destroçaram o romance - que, surpresa!, está vendendo horrores. Hoje, escrever livros é a atividade mais rentável de Beck, que ganhou 32 milhões de dólares no ano passado.


Apesar do sucesso como escritor, Beck é, antes de qualquer coisa, um palhaço. Num programa no ano passado, ele fingiu encharcar de gasolina um figurante para ilustrar aquilo que Obama estaria fazendo com o país. Chorar em frente às câmeras é uma de suas especialidades. "Sou apenas um cara que se importa com seu país", afirmou, levando-se às lágrimas - há quem jure que os ataques de choro não passam de encenação barata. Curiosamente, uma figura como Beck acabou se tornando representante de um movimento político em plena ascensão. O discurso antigoverno é tão antigo nos Estados Unidos quanto a Declaração de Independência - mas vem ganhando força em reação às investidas do governo Obama e ao aumento da dívida pública do país. A musa desse movimento é a republicana Sarah Palin, ex-governadora do Alasca e candidata derrotada a vice-presidente na chapa de John McCain. Palin já confirmou que discursará na marcha de Beck. O apresentador leva jeito para guru de um movimento com ambições políticas? "O objetivo de radialistas como ele é entreter e vender anúncios em seus programas", diz Marc Fisher, autor de um livro sobre a história do rádio. "Eles não têm projeto de poder algum." Beck, porém, já afirmou que, daqui a 100 ou 200 anos, seu comício em Washington será lembrado como o momento em que o país deu a volta por cima. É impossível saber se ele próprio se leva a sério, e sabe-se lá o que vai acontecer em dois séculos - mas, hoje, tudo conspira a seu favor.

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