Fábrica da Volvo na Suécia: meta para 2040 é se tornar uma companhia neutra do ponto de vista climático (Divulgacão/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 19 de novembro de 2021 às 06h00.
O registro de onças-pintadas em meados de outubro no complexo da Rhodia em Paulínia, no interior de São Paulo, soou como uma confirmação da certificação obtida pela companhia um mês antes. Pertencente ao grupo Solvay, foi a primeira empresa do setor químico do país a conquistar o selo ouro de biodiversidade concedido pelo Wildlife Habitat Council (WHC), entidade internacional que milita pelo engajamento da iniciativa privada na preservação do meio ambiente.
Apenas 15% do complexo, cortado pelos rios Atibaia e Ribeirão das Anhumas e do tamanho de dez parques do Ibirapuera, é ocupado pela planta industrial. Mas o que mais enche a empresa de orgulho quando o assunto é sustentabilidade é um marco atingido em 2019, ao completar 100 anos de atividade no Brasil. De lá para cá, 96% das emissões de carbono do complexo têm sido neutralizadas.
“Nosso setor ainda é visto como o vilão do meio ambiente”, diz Daniela Manique, presidente do grupo Solvay na América Latina. “Mas estamos comprometidos a reverter impactos no meio ambiente há muito tempo.” É um compromisso que se deve, em boa parte, a pressões da sociedade, cada vez mais inconformada com empresas que não se interessam pelo futuro do planeta. “A cobrança dos consumidores brasileiros por produtos sustentáveis ainda não é tão forte, mas está crescendo”, acredita a executiva. “Nos Estados Unidos e na Europa certamente já teríamos perdido presença de mercado caso não estivéssemos revendo processos desde 2007.”
Não à toa, agora todo novo produto em desenvolvimento pela Rhodia precisa ter, necessariamente, a menor pegada de carbono possível. Caso se descubra outro no mercado com índice menor, o projeto é imediatamente abortado. Isso porque esse novo produto fatalmente não será, aos olhos da sociedade, o mais atraente, acredita a companhia. Por outro lado, ela se impôs a meta de cortar relações com fornecedores alheios ao advento do ESG. “Alegar que não sabe de onde veio é uma desculpa que já não cola, tanto para empresas quanto para consumidores”, acrescenta Manique, que faz questão de registrar que 37% dos cargos de liderança da Rhodia são ocupados por mulheres. “Atualmente, se uma companhia não é confiável para consumidores e funcionários, ela é menos competitiva e afasta os investidores.”
Líder global em software de gestão corporativa, a Salesforce concluiu que o que torna uma empresa confiável são cinco pilares. O primeiro deles é a confiança em si. “Em um mundo com tanta desconfiança, a confiança precisa ser o valor maior”, explica Dan Farber, vice-presidente sênior de comunicação da multinacional. “Nada é mais importante do que ganhar a confiança de nossos funcionários, clientes, parceiros e das comunidades.” O segundo pilar é o compromisso de colocar os clientes em primeiro lugar. “Eles não querem fazer negócios com empresas em que não confiam e desejam relacionamentos mais diretos”, acrescenta o executivo.
O terceiro pilar demonstra, acima de tudo, a confiança da companhia em seus funcionários. É o que a Salesforce chama de sede digital, em substituição ao QG físico, hoje em baixa por motivos óbvios. “Em um mundo onde todos trabalham em todos os lugares, não faz sentido fechar as portas para quem mora longe”, argumenta Daniel Hoe, head de marketing da Salesforce na América Latina. “Por outro lado, não precisamos vigiar ninguém para que cumpra suas tarefas com empenho. Somos todos adultos.” Hoje a multinacional considera suas instalações físicas menos importantes do que as digitais. Para facilitar a interação entre as equipes, está integrando a plataforma de comunicação Slack, que faz parte de seu portfólio desde julho de 2021, a todos os seus produtos.
O quarto ingrediente para uma empresa confiável, segundo a Salesforce, é a preocupação com a saúde — física e mental — e a segurança dos funcionários. Com isso em mente, ela criou uma espécie de passaporte digital interno que permite conferir quem se vacinou contra a covid-19 e saiu ileso de testes de detecção da doença. A novidade, que integra uma plataforma de saúde, foi utilizada na última conferência anual da empresa, realizada de maneira híbrida em setembro deste ano.
O quinto pilar é a sustentabilidade. “Cada companhia terá de prestar atenção à sua pegada de carbono”, defende Farber. Outra regra é a adesão à chamada Corrida ao Zero, uma campanha da ONU que almeja liquidar as emissões do poluente até no máximo 2050 e que mobiliza 3.067 empresas, 173 dos maiores investidores globais e 622 instituições de ensino superior — em outras palavras, os responsáveis por 25% do CO2 na atmosfera e por mais de 50% do PIB. Carbono neutra, a Salesforce funciona com energia 100% renovável e ajuda clientes a mapear e diminuir suas pegadas ambientais.
Pelo empenho de incontáveis empresas em atenuar os efeitos mais perversos da pandemia — o que a incompetência e a má vontade de alguns governantes deixaram patente —, a iniciativa privada parece ter ganhado pontos com a sociedade. Prova disso é a edição de 2021 da pesquisa Trust Barometer, conduzida pela agência de comunicação Edelman. O levantamento, que ouviu mais de 33.000 pessoas (1.150 delas no Brasil), concluiu que as companhias são entidades mais confiáveis do que governos, órgãos de mídia e ONGs. No Brasil, as primeiras ocupam a dianteira do ranking, com 61 pontos; os demais segmentos obtiveram, respectivamente, 39, 48 e 56 pontos.
“Nos últimos meses, o setor privado elevou sua credibilidade com a proatividade na luta contra a pandemia e com a descoberta de novos jeitos de trabalhar”, acredita Ana Julião, gerente-geral da Edelman Brasil. As ONGs, que perderam três pontos em relação ao ranking de 2020, encontram-se no patamar da neutralidade. Já o setor de mídia, apesar de um acréscimo de quatro pontos e da epidemia de fake news, continua a orbitar a desconfortável zona de desconfiança, assim como os governos, com dois pontos extras. Outra constatação impactante do estudo: só as empresas são consideradas tanto éticas quanto competentes pelos brasileiros.
Preocupado com a natureza a ponto de ter a própria fundação dedicada a ela desde 1990, o Boticário é uma das companhias que não arriscam manchar a própria credibilidade. Ainda mais depois de 2020, quando dois hábitos vitais para o grupo, o de maquiar-se e perfumar-se, deixaram de fazer sentido temporariamente — a empresa encerrou o ano com uma receita líquida 2,6% maior do que em 2019.
Antenado com as preocupações dos consumidores mais jovens, que tendem a dar preferência a companhias comprometidas com causas ambientais e sociais, o Boticário anunciou que até 2025 passará a usar somente matéria-prima vegana. Também vale para as demais marcas pertencentes ao grupo — Vult, Eudora, Beautybox e quem disse, berenice?. Atualmente, cerca de 75% dos ingredientes utilizados não têm origem animal. O que falta substituir são itens como cera de abelha, ainda presente na composição de batons. Tudo para não trair a confiança da clientela.
Outra empresa que tem data estipulada para se transformar é a Volvo. A partir de 2030, ela pretende deixar os carros a combustão no passado. Até 2025, 50% das vendas globais da montadora sueca deverão ser de modelos totalmente elétricos — e os demais serão híbridos. E a meta para 2040 é transformar-se em uma companhia neutra do ponto de vista climático. “Para nós, a sustentabilidade é tão ou mais importante do que a questão da segurança dos veículos”, afirma João Oliveira, diretor-geral de operações e inovação da marca no Brasil, à EXAME CEO.
O braço brasileiro da montadora é um dos que mais aceleraram rumo aos objetivos traçados. Desde maio, não vende mais veículos com motor só a combustão — das concessionárias verde-amarelas saem apenas híbridos ou elétricos. Trata-se de um patamar que só outro país alcançou até agora, a Noruega. Registre-se que a corrida da Volvo em direção à sustentabilidade não se limita à eletrificação. É por isso que ela rastreia até mesmo o cobalto usado na confecção das baterias, com o intuito de se cercar somente de fornecedores comprometidos com o meio ambiente.
Responsável por 15% da rede elétrica do país, a CPFL criou um plano de sustentabilidade que prevê, para o ciclo de 2020 a 2024, 1,8 bilhão de reais em investimentos. É o preço para minimizar impactos e conquistar a confiança de funcionários, shareholders e das comunidades em que ela atua. Uma das iniciativas do plano é a reforma dos transformadores de distribuição, aqueles equipamentos que ficam pendurados nos postes. Desde 2019, todos são recuperados ou ganham destinação adequada — o setor descarta, em conjunto, cerca de 10.000 equipamentos do tipo todos os meses
Em 2020, 9.807 transformadores da CPFL voltaram à ativa e 939 toneladas de materiais foram reaproveitadas, o que se traduziu em uma receita extra de 32,4 milhões de reais. E a iniciativa ainda gerou 128 empregos diretos. No mesmo ano, a distribuidora do grupo localizada no Rio Grande do Sul também aderiu à prática. A iniciativa no estado gaúcho criou 43 empregos diretos e deverá se converter em 2.000 toneladas de materiais reciclados por ano e em 15 milhões de reais a mais de faturamento por ano. A busca pela confiança também pode ser lucrativa.