Revista Exame

Um só mundo - para o bem e o mal

A erupção de um vulcão na longínqua Islândia bagunça da produção agrícola do Quênia ao funcionamento dos aeroportos por toda a Europa. Globalização é isso

O vulcão Eyjafjallajökull em ação: de novo, a Islândia assuta o mundo (Wikimedia Commons)

O vulcão Eyjafjallajökull em ação: de novo, a Islândia assuta o mundo (Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2011 às 16h49.

Um obscuro vulcão que estava quieto há quase 200 anos entra de repente em atividade na Islândia, nas brumas remotas do Atlântico Norte - e a milhares de quilômetros dali, em pleno coração da África, a horticultura do Quênia sofre de um momento para outro prejuízos calamitosos; cerca de 100 000 voos são cancelados através dos aeroportos da Europa nos cinco dias seguintes; a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, se vê subitamente reduzida aos desconfortos reservados aos cidadãos comuns, obrigada a andar de automóvel e de ônibus de Roma até Berlim, último trecho da viagem que fazia aos Estados Unidos. Nenhuma dessas coisas deveria ter nada a ver com outra. Mas na vida cotidiana deste nosso mundo, tal como ele é em 2010, tudo se conecta cada vez mais, e o resultado é que ninguém pode se considerar realmente seguro só porque está tudo em paz no seu pedaço. Basta acontecer alguma perturbação grave em outro pedaço do globo para se abrir a possibilidade de um tumulto de proporções planetárias. Ouvimos dizer, quase todo dia, que os países e as pessoas tornaram-se interdependentes. Eis aí uma bela demonstração disso. Hoje em dia qualquer coisa pode afetar qualquer um, em qualquer lugar, por causa da globalização, da internet, do iPhone, do Twitter, do tráfego instantâneo de capitais, da livre circulação de ideias, de produtos e de gente - e das cinzas de vulcões com temperamento difícil, como acaba de acontecer.

Erupções dessa natureza, segundo as autoridades internacionais que governam o espaço aéreo, colocam graves riscos para a segurança dos voos nas áreas afetadas por elas. Pronto: eis aí o pobre Quênia, por exemplo, metido em pleno tumulto global. Criouse ali nos últimos anos, com grande esforço, uma crescente indústria de verduras, flores e legumes destinados à exportação - uma atividade, enfim, na qual o país pode efetivamente competir no mercado mundial e que lhe rende 1 bilhão de dólares em divisas por ano. Mas as cenouras, as rosas e as ervilhas do Quênia só se transformam em dinheiro se puderem ser embarcadas diariamente de avião para os compradores da Europa; com a suspensão dos voos, centenas de toneladas de produtos foram simplesmente para o lixo. Da mesma forma, sem nenhum aviso prévio, as companhias aéreas engoliram em menos de uma semana cerca de 1,7 bilhão de dólares de prejuízo, soma que deve passar dos 2 bilhões até o fechamento final da conta; o balanço promete ser pior que o do pânico ocorrido depois do ataque aéreo terrorista ao World Trade Center de Nova York. Que planejamento estratégico poderia prever uma coisa dessas? Linhas de montagem que dependem de peças transportadas de avião, sobretudo na indústria de alta tecnologia, viram-se paralisadas - uma lição sobre os perigos do outsourcing global. Toneladas de mercadorias se amontoam nos armazéns dos aeroportos, enquanto a primeira-ministra Merkel, obrigada a gastar três dias para voltar dos Estados Unidos à Alemanha, teve a oportunidade de meditar sobre as incertezas a que estão sujeitas hoje em dia até pessoas como ela. Histórias de perda, de desordem e de frustração como essas se repetiram pelo mundo inteiro.

Não se sabe, é claro, de onde virá a próxima confusão - mas não seria conveniente, talvez, prestar um pouco mais de atenção nessa Islândia? Raros países, na história mundial, criaram tão poucos problemas para os outros como a Islândia, simpática república do extremo norte da Europa que vive há séculos em paz, ordem e harmonia. Mas, nas duas últimas vezes em que se falou dela, não foi para o bem. Foi de lá, para a Europa, que vieram no final de 2008 os primeiros relâmpagos da tempestade financeira originada pelo subprime americano. Ela exporta, agora, os problemas do Eyjafjallajökull - um nome tão difícil de escrever ou pronunciar que os jornalistas, prudentemente, logo passaram a chamá-lo apenas de "vulcão da Islândia". Mera coincidência, sem dúvida. Mas neste mundo conectado não se pode garantir mais nada.

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