Revista Exame

A conversa sobre ajuste fiscal será para valer?

Diante da piora fiscal e da subida da inflação, o governo promete cortar o orçamento. Além de aliviar parte da pressão sobre o BC, o ajuste permitirá mais crescimento

A presidente Dilma com sua equipe: na primeira reunião do ministério, o tema do ajuste fiscal ao menos entrou na pauta oficial (Agência Brasil)

A presidente Dilma com sua equipe: na primeira reunião do ministério, o tema do ajuste fiscal ao menos entrou na pauta oficial (Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 14h21.

Há algo de insustentável no reino dos gastos públicos — e a presidente Dilma Rousseff sabe disso. Na primeira reunião que teve com todo o ministério, em 14 de janeiro, Dilma determinou que a equipe apresentasse propostas para cortar despesas. “Teremos de fazer agora um esforço de redução de gastos, principalmente de custeio, para que as contas públicas continuem equilibradas”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, após a reunião.

A conversa sobre ajuste fiscal — termo abominado pela presidente Dilma, que prefere falar em uso mais eficiente do dinheiro público — veio à tona no momento em que o Brasil está na iminência de iniciar novo ciclo de elevação da taxa de juro. Isso porque mais uma vez o Banco Central se vê solitário na árdua tarefa de enfrentar uma inflação que fechou 2010 em 5,9% — a maior em seis anos, bem acima do centro da meta de 4,5%.

O discurso de membros do governo que sempre defenderam os gastos públicos, de que agora haverá esforço de redução, foi interpretado como tentativa de convencer o Comitê de Política Monetária, o órgão do BC que define a taxa básica de juro, de que não precisa ser tão duro.

Já entre os analistas econômicos há consenso de que os juros precisam subir (esta edição foi fechada no dia 17 de janeiro, antes da primeira reunião do Copom sob o comando de Alexandre Tombini, a ser realizada no dia 19). Quanto à contenção de gastos do governo, por ora não passa de uma promessa.

Nos oito anos do governo Lula, as despesas federais sempre subiram em relação ao ano anterior, como mostra um levantamento do economista José Júlio Senna, da consultoria MCM. Em 2009, a ampliação das despesas foi justificada pela necessidade de reavivar a economia em meio à crise internacional.

Mas, no ano passado, mesmo com a atividade econômica já aquecida, parte dos estímulos foi mantida para impulsionar a campanha de Dilma.

“Historicamente, os gastos aumentam mais em ano eleitoral”, diz Senna. Isso contribuiu — com outros fatores, como o aumento dos preços globais de commodities — para jogar lenha na fogueira da inflação. Os gastos cresceram tanto que o superávit primário, a economia feita pela União para pagar os juros da dívida pública e que se manteve acima dos 3% do PIB nos seis primeiros anos da era Lula, caiu para 1,25% em 2010, descontando-se aí a manobra contábil feita pelo Tesouro na operação de capitalização da Petrobras.

Apesar de já ter prometido um ajuste, o governo só deve revelar o total dos cortes em fevereiro. Houve especulação de que o valor ficaria entre 30 bilhões e 40 bilhões de reais — cifra próxima do déficit de 43,5 bilhões previsto para a Previdência ao final do ano com o novo salário mínimo de 545 reais.

Se o corte for concretizado, será o maior ajuste nas contas públicas desde 2003, quando, para conquistar a confiança do mercado, o governo Lula adotou uma política austera. Embora pareça um aperto vigoroso, na verdade, um corte de 40 bilhões de reais em 2011 representa um arranhão num orçamento total próximo de 1 trilhão de reais.

E, pior: o corte refere-se apenas ao orçamento de 2011. Em relação ao que efetivamente o governo gastou no ano passado, haveria um aumento de 0,1 ponto nas despesas. A questão, no fundo, é crônica e está na raiz de um processo de transferência de renda que ocorre por meio do pagamento de juros.

Ao gastar mais, o governo toma mais dinheiro emprestado na praça oferecendo títulos públicos. Os juros altos pagos a quem se dispõe a comprar os títulos são a base do elevadíssimo custo do capital no Brasil. Ninguém com juízo defende o calote, solução que já se mostrou desastrosa no passado. Mas é óbvio que a redução dos gastos públicos diminuiria a necessidade de financiamento do governo e, com isso, permitiria que as taxas de juro fossem menores.


“Para promover de fato uma diminuição de gastos, o governo precisa cortar ao menos 60 bilhões de reais neste ano”, diz o economista Maurício Molan, do banco Santander. “Só assim obteria o superávit primário de 3,1% do PIB prometido para 2011 e os juros não precisariam subir tanto.” A pedido de EXAME, Molan fez projeções para três cenários de política fiscal, com cortes de 60 bilhões de reais, de 40 bilhões e também de corte zero.

A simulação encerra uma preciosa lição: se o governo Dilma demonstrar firmeza agora, brecando a expansão das despesas e coibindo o desperdício, o país irá colher dividendos concretos já no final do ano. No caso do corte de 60 bilhões de reais, as despesas federais cairiam para 17,8% do PIB. Com isso, para conduzir a inflação ao centro da meta — hipótese projetada pelo mercado para 2012 —, o Banco Central precisaria elevar a Selic para 12,5% ao longo de 2011.

Na pior hipótese, de nada ser cortado, a taxa teria de ir para 14%. Outra boa recompensa viria com uma economia de 22 bilhões de reais nos juros da dívida do governo. É um dinheiro que futuramente poderia ser investido em infraestrutura e na melhoria dos serviços públicos. “Se, em vez de apenas tirar o pé do acelerador, o governo começar mesmo a frear os gastos, em alguns anos teremos um ciclo virtuoso, com as contas públicas em ordem e um crescimento maior e mais sustentável do PIB”, diz Maurício Oreng, economista do banco Itaú.

Núcleo de gestão

Durante a reunião no Planalto, Dilma anunciou a criação de um núcleo de gestão para ajudar os ministros a estabelecer e executar metas de cortes de gastos. “Para preservar investimentos em projetos como os de hidrelétricas e aeroportos, o governo deveria concentrar os cortes nos gastos com a manutenção da máquina pública”, diz Flávio Castelo Branco, economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria.

Além de cortar desperdícios, outra premissa de saneamento financeiro deve ser evitar a criação de novos gastos, como é o caso de aumentos de salário para servidores e para o Poder Judiciário que estão em tramitação no Congresso. “Todo começo de ano, o governo promete austeridade, bloqueando parte do orçamento”, diz o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

“Mas, se as previsões de receita começam a subir, o governo volta a abrir as torneiras.” De todo modo, é um bom sinal ver o tema da contenção fiscal ser admitido oficialmente em círculos como o Palácio do Planalto. Resta ver se o palavrório se converterá em atitude concreta, para aliviar o fardo de quem trabalha e produz no país.

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