Revista Exame

Tecnologia no agronegócio e a nova safra de conhecimento

Expansão das agtechs revela a necessidade da formação acadêmica de produtores e abre oportunidades para o ensino no campo

Para 2023, a Embrapa tem orçamento global de 3,6 bilhões de reais. Despesas discricionárias, como pesquisa e inovação agropecuária e a administração das unidades, totalizam 345,1 milhões de reais, crescimento de 46,5% em relação a 2022 (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Para 2023, a Embrapa tem orçamento global de 3,6 bilhões de reais. Despesas discricionárias, como pesquisa e inovação agropecuária e a administração das unidades, totalizam 345,1 milhões de reais, crescimento de 46,5% em relação a 2022 (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 25 de maio de 2023 às 06h00.

Para alcançar a produtividade de 600 milhões de toneladas de grãos ao ano, almejada por Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola, o Brasil não pode esquecer dois fatores que o fizeram ser o grande produtor agrícola do país até hoje: educação e ciência. O conhecimento está concentrado em poucos locais e, embora o agro seja altamente qualificado, a difusão das melhores práticas é mal distribuída. De 2018 a 2021, nas contas da AgTech Garage, hub de inovação referência do setor, o número de startups do agronegócio mais do que dobrou, o que escancara a demanda do setor por um novo salto de qualidade acadêmica. Essa necessidade não é meramente cosmética. Haverá quase 180.000 vagas abertas no agro até 2025, segundo levantamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com o Senai e a Agência Alemã de Cooperação Internacional.

ESPECIAL SUPER AGRO

O boom de agtechs é sintoma de que a educação precisará de ajustes, na medida em que as grades curriculares não acompanham a tecnologia presente no campo. Há distanciamento entre a formação acadêmica e a necessidade dentro da porteira, por causa da grande velocidade na adoção e na evolução das tecnologias digitais. No ensino técnico, a estimativa é que o Brasil tenha formado aproximadamente 69.000 pessoas em agronegócio em 2019. No entanto, dada a baixa capacitação da mão de obra, estima-se que, no curto prazo, somente cerca de 1.600 profissionais estarão aptos a atuar no setor — número muito aquém do necessário. O estudo da UFRGS também estima que pelo menos 60% das grandes fazendas precisarão ter um técnico em agricultura digital até 2030. Ou seja, o Brasil teria de formar pelo menos 112.000 profissionais nesse ramo para suprir a demanda.

Tecnologia no agronegócio

Sem profissionais da área agrícola capacitados para o mercado de trabalho digital, os investidores sentem dificuldade em aportar nas -agtechs que emergem. Empresas que buscam “solucionar a dor dos produtores” no campo só conseguem atrair capital se demonstrarem nível técnico e administrativo avançados. “O produtor brasileiro é tecnificado, mas para fazer essa democratização do investimento é necessária a construção educacional, para o negócio ganhar maturidade e robustez”, diz Fernando Rodrigues, managing partner da Rural Ventures, fundo de investimentos que pretende alocar 5 milhões de reais em agtechs e foodtechs até o fim de 2023. Por sua vez, ele precisa ser o “Google Tradutor” da parte de investimentos, uma vez que o conhecimento sobre o universo das finanças também é uma carência de grande parte dos produtores. Juntar ambas as pontas é um desafio para escalar ainda mais startups — de onde provavelmente virão as próximas tecnologias disruptivas da agricultura tropical.

Contribuir com o conhecimento técnico digital de produtores rurais também é o que acontece dentro da porteira, com consultores de campo de grandes multinacionais. Everson Zin, head comercial da Climate Corporation, da Bayer, diz que é preciso know-how agronômico para acompanhar as tecnologias que surgem. “O conhecimento técnico precisa ser resgatado, pois o ensino agronômico está raso e isso é um problema”, diz Zin. “A Embrapa tem de resgatar esse espírito técnico no Brasil, assim como outras instituições que precisam voltar a fazer dias de campo para difundir a tecnologia e transferir o conhecimento.” Nesse processo, apoiar instituições de ensino e pesquisa será um dos alicerces para o agronegócio do futuro. Marcos Fava Neves, sócio da consultoria Markestrat, afirma que o surgimento das agtechs e a transformação das fazendas para um perfil mais profissionalizado, de empresas rurais, torna o mercado de trabalho mais exigente. Para acompanhar essa demanda, é necessário estar inserido no setor com cursos técnicos e graduação. Desse racional surgiu a proposta da Harven Agribusiness School, primeira faculdade do Brasil voltada exclusivamente para o agronegócio, criada por Neves, Roberto Fava Scare e o empresário Chaim Zaher, fundador do Grupo SEB. Os cursos de engenharia de produção, administração e agronegócio serão todos voltados para estudos de caso reais do campo. “Nossa proposta é criar um polo do agronegócio onde pessoas virão estudar, se profissionalizar e fazer negócios. Estamos investindo no que há de mais moderno e inovador para a criação dos cursos. Esse é um grande passo não só para a educação no país como para todo o setor do agronegócio”, afirma Zaher. Somados todos os cursos da Harven, a expectativa é atingir 3.500 alunos nos cinco primeiros anos da instituição. O investimento inicial com o projeto é de 100 milhões de reais.

As aulas da nova faculdade acontecem em Ribeirão Preto (SP), e Roberto Fava Scare conta que a grade curricular aprovada pelo MEC inclui atividades nas fazendas, para que os estudantes de engenharia, administração e direito sejam formados com conhecimento in loco. “Teremos cases do setor da cana-de-açúcar, com aulas na [usina] São Martinho, e o mesmo acontecerá nas cooperativas de café, na indústria da laranja. A ideia é que o profissional saia com conhecimento de causa para atuar no mercado”, diz.

Para ser referência no agronegócio do futuro, o Brasil não pode se acomodar com as vitórias conquistadas até aqui. O caminho pela frente passa pela sala de aula com atenção às necessidades -reais do campo, que unirão cada vez mais agronomia com digitalização e inteligência artificial.


EXAME AGRO
Tudo o que move o agronegócio brasileiro, na sua caixa de e-mail. Inscreva-se aqui!

Acompanhe tudo sobre:Revista EXAME

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame