A atriz Helen Mirren: garota propaganda (©afp.com / Joe Klamar)
Da Redação
Publicado em 5 de fevereiro de 2015 às 05h00.
São Paulo - A cantora canadense Joni Mitchell, musa hippie nos anos 70, acaba de emprestar sua imagem para a empresa francesa de produtos de luxo Yves Saint Laurent. Aos 71 anos, a artista de cabelos brancos estampa anúncios globais da marca. Também no início de janeiro, a fabricante de bolsas Céline divulgou que a romancista americana Joan Didion, de 80 anos, seria o rosto da coleção da primavera de 2015.
Em outubro, a marca de cosméticos L’Oréal contratou a atriz britânica Helen Mirren, de 69 anos, para estrelar suas campanhas. O universo da moda e da beleza sempre orbitou em torno da juventude — ou, pelo menos, do desejo de se manter jovem. Agora rende-se às evidências da demografia: o mundo está ficando mais velho e, portanto, é preciso começar a se comunicar melhor com os consumidores maduros.
O interesse da indústria da moda por mulheres maduras explica-se pela crescente importância econômica do mercado de consumidores com mais de 50 anos. Eles somam 1,5 bilhão de pessoas globalmente e gastam 7 trilhões de dólares por ano, segundo a empresa inglesa de análise Oxford Economics.
O valor é superior ao do produto interno bruto da maioria dos países — só perde para o PIB da China e o dos Estados Unidos. Até 2020 o consumo dos grisalhos deverá alcançar 15 trilhões de dólares.
À medida que as mulheres decidem ter menos filhos e a expectativa de vida aumenta — sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, mas também na China e no Brasil —, cresce o peso dos consumidores mais velhos. Os países terão de descobrir uma forma de financiar tantos idosos. Contudo, terão uma população madura com nível educacional e poder aquisitivo jamais vistos.
Americanos e europeus os chamam de baby boomers — gente nascida no pós-guerra, entre 1946 e 1964. Agora, ao se aposentar, eles estão determinados a continuar produzindo e consumindo.
“Há uma diferença qualitativa entre as pessoas com 50 anos atualmente e as que tinham essa idade no passado, o que faz com que esse grupo seja um consumidor potencial muito atrativo”, afirma Beijia Ma, estrategista de investimentos do banco americano Merrill Lynch. “A maioria dos boomers não está inutilizada pela idade e mantém o mesmo padrão de consumo que sempre teve.”
A riqueza dos boomers parece ainda mais superlativa em uma economia global, cuja demanda ainda não se recuperou da crise financeira de 2008 e na qual os jovens têm dificuldade para se estabelecer no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego entre pessoas de 18 a 24 anos foi de 12,3% em 2014, ante a de 6,2% para toda a população.
Nos países da zona do euro, um a cada quatro trabalhadores com menos de 25 anos que procuraram emprego em dezembro não teve sucesso. A população com mais de 50 anos detém 80% dos bens particulares nos Estados Unidos.
Lá, os domicílios liderados por pessoas acima dessa idade têm ativos que somam, em média, 765 000 dólares — ante 225 000 dólares no grupo das famílias chefiadas por pessoas de 25 a 50 anos. Já no Reino Unido a riqueza média estimada dos lares mais velhos é de 818 000 dólares.
Com mais dinheiro no banco e tempo para o lazer, a terceira idade de hoje gasta cada vez menos com itens básicos em proveito de artigos outrora considerados supérfluos. A análise da Oxford Economics mostra que, de 1990 a 2010, o gasto dessas pessoas com alimentação caiu 35% em valores corrigidos. No mesmo período, as despesas com lazer subiram 23%.
“A geração anterior foi criada em meio às guerras mundiais e acostumou-se a economizar para o futuro”, diz Stephanie Jacklin, analista sênior da consultoria Euromonitor para tendências de consumo. “Os baby boomers cresceram durante anos de otimismo e querem aproveitar a vida enquanto podem.”
A indústria da beleza tampouco será a única beneficiada pela economia da longevidade, expressão cunhada para batizar o processo de envelhecimento do mercado consumidor. A despeito do estereótipo do idoso como um analfabeto digital, fabricantes de eletrônicos também lucrarão com um consumidor mais maduro e endinheirado.
Nos Estados Unidos, eles formam o estrato que mais assiste à televisão — 174 horas por mês, na média dos telespectadores de 50 a 64 anos, chegando a 205 horas entre aqueles com mais de 65 anos. O consumo de rádio, jornais e revistas também é maior entre o público mais velho. A idade média de um leitor de jornal é 48 anos, número que continua subindo.
Na internet, a turma que está se aposentando é a segunda faixa etária que mais passa tempo online, atrás dos que têm de 18 a 30 anos. E a tecnologia pode ser um presente para os mais velhos à medida que as telas de celular aumentam e mais aplicativos permitem regular o tamanho da letra, para os que têm dificuldade de visão, ou subir o volume, para quem não escuta como antes.
“Quando o Samsung Galaxy S4 foi lançado, de forma alguma a estratégia de marketing mirava o consumidor idoso. Ainda assim, havia uma opção para simplificar a tela inicial, com ícones maiores e mais contraste”, diz Stephanie, da Euromonitor. “O mesmo pode ser dito de tablets e e-readers: as telas e a personalização da fonte tornam a leitura fácil para quem é mais velho.”
Consumidor de Alto Padrão
A tecnologia também permite que idosos dirijam por mais tempo. Os maiores de 65 anos são ávidos compradores de carros de alto padrão e deverão ser responsáveis por mais de um quarto das vendas de automóveis nos Estados Unidos até 2020, segundo a Euromonitor.
“Esses senhores e senhoras querem continuar dirigindo seu carro mesmo após a aposentadoria”, diz Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault-Nissan. “Eles valorizam a automação dos veículos, particularmente itens como gerenciamento de tráfego e assistência de estacionamento.”
De olho sobretudo no poder de compra da terceira idade, a Nissan pretende colocar à venda, em 2020, o primeiro carro autônomo — capaz de trafegar sem motorista.
No Brasil, já são mais de 40 milhões de homens e mulheres acima de 50 anos. No mercado de consumo, eles têm uma presença ainda mais expressiva: respondem por 34% do que é gasto, o equivalente a 1 trilhão de reais por ano. E a tendência é esse grupo se tornar ainda mais relevante. Sua participação no consumo total dos brasileiros deverá alcançar 41% em 2017, de acordo com a consultoria Escopo.
No mercado de higiene e beleza, a fatia poderá chegar a 55%, ante os 47% registrados em 2013. No ramo do vestuário, deverá alcançar 48%. Isso ocorre mesmo considerando o fato de que 10 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivem apenas da aposentadoria pública, com compras limitadas a alimentos e remédios.
É um retrato do país que, em boa medida, envelhece antes de enriquecer. Mas, pelo que mostram os dados gerais, o prolongamento da vida dos brasileiros segue no mesmo rumo de americanos e europeus: uma maturidade mais ativa — e mais consumista.