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A XP aponta o caminho para as corretoras

O sucesso da XP Investimentos impulsionou uma enxurrada de candidatas a querer revolucionar o mercado financeiro no Brasil

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Marcio Cardoso, da corretora Easynvest: "Estamos no estágio inicial de uma grande transformação no mercado de investimentos no Brasil" (Germano Lüders/Exame)

Marcio Cardoso, da corretora Easynvest: "Estamos no estágio inicial de uma grande transformação no mercado de investimentos no Brasil" (Germano Lüders/Exame)

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Naiara Bertão

Publicado em 19 de julho de 2018 às, 05h30.

Última atualização em 19 de julho de 2018 às, 10h23.

A trajetória da corretora Easynvest se confunde com o amadurecimento do mercado de investimentos no Brasil. A companhia foi fundada há 50 anos com o nome de Título Corretora e durante 30 anos atuou como qualquer empresa de seu segmento: recebia ordens de compra e venda de títulos financeiros e ia em busca de quem quisesse fechar negócio. Em 1999, com os primeiros passos da internet no país, a empresa se reinventou pela primeira vez: lançou um home broker, serviço que permite a qualquer pessoa negociar diretamente ações — até então, era preciso ficar pendurado ao telefone com um corretor. A plataforma foi batizada de Easynvest, nome que a corretora adotou mais tarde. Em 2012, no rescaldo da crise financeira americana que derrubou as bolsas mundo afora, a companhia mudou de novo e passou a oferecer nos anos seguintes outras opções de investimento, como títulos públicos e fundos, numa plataforma 100% digital. A Easynvest virou a número 1 na distribuição de títulos do Tesouro e passou a disputar clientes com os bancões.

Nos últimos anos, dezenas de outras empresas nasceram com proposta semelhante: oferecer opções de investimento mais modernas, mais simples e mais baratas para clientes de renda média e alta mal atendidos. Em 2017, o fundo de investimento americano Advent pagou 200 milhões de reais por uma fatia minoritária na Easynvest. Hoje, com 270.000 clientes e 15 bilhões de reais em ativos sob custódia, a corretora é uma das líderes de um mercado em ebulição. “Estamos no estágio inicial de uma grande transformação na indústria de investimentos”, diz Marcio Cardoso, sócio da Easynvest. A companhia mira um público que guarda 715 bilhões de reais em 153 milhões de contas de poupança e outros investimentos pouco rentáveis. A Easynvest e muitas de suas concorrentes querem chegar aonde já chegou uma empresa em especial, que virou o símbolo dessa transformação do mercado de investimentos: a XP.

Evandro Pereira, da corretora Genial

Evandro Pereira, da corretora Genial: "Não precisamos brigar com a XP. Queremos brigar com os bancos. Nossos clientes vêm dos bancos, e não da XP" (Foto: Germano Lüders / EXAME)

Quando fundaram a XP em 2001, numa sala em Porto Alegre, o carioca Guilherme Benchimol e o gaúcho Marcelo Maisonnave eram dois jovens formados em economia que queriam abrir o mercado de investi-mentos. Até então, só quem tinha acesso a produtos sofisticados eram os clientes endinheirados dos bancos. O plano da XP era fazer com que qualquer pessoa pudesse abrir uma conta pela internet, transferir o dinheiro e investir a taxas baixas ou sem custo nenhum. Outra novidade foi a oferta de fundos de outros gestores, e não apenas próprios, como era praxe no mercado.

Hoje, somando as operações das corretoras Clear e Rico, compradas em 2014 e 2016, a XP tem 550.000 clientes e 120 bilhões de reais sob custódia. Estão ligados à sua plataforma 3.200 agentes autônomos — espécie de consultores de investimentos que oferecem as mais de 630 opções disponíveis na prateleira. O rápido crescimento da XP, de dois dígitos por ano, fez da empresa a maior corretora independente do país e chamou a atenção de um grande concorrente. Em maio de 2017, pouco antes de a XP levar a cabo seu plano de abrir o capital na bolsa, o banco Itaú fez uma oferta de 6,3 bilhões de reais para comprar 49,9% de participação na empresa, com a opção de virar dono anos mais tarde. O acordo prevê que o Itaú pode, até 2022, elevar a fatia para 75% e comprar o restante até 2024, mas garante que a operação e a estratégia da corretora continua-riam independentes. A XP topou.

O Conselho de Defesa da Concorrência aprovou o negócio em março, faltando apenas o aval do Banco Central (BC). O problema é que o BC já se manifestou a favor do desenvolvimento de um ecossistema financeiro independente dos bancos no Brasil — e a incorporação da XP pelo Itaú iria no sentido contrário. É a visão defendida por dois ex–presidentes do Banco Central, Armínio Fraga e Gustavo Franco. “Na minha opinião, nem o Cade nem o Banco Central deveriam aprovar o negócio da XP com o Itaú. Ele fere a competição num mercado muito concentrado e que começou a ter mais alternativas”, diz Gustavo Franco. “Quanto mais competição, melhor para o consumidor.” O tema da concentração bancária nunca foi tão debatido, especialmente pela propagação das fintechs, startups que atuam no sistema financeiro. Analistas que acompanham esse mercado preveem que o BC aprovará a compra, mas limitada a 49,9%, o que levaria as empresas a refazer o contrato (procurados, Itaú e XP não deram entrevista). Seja qual for o desfecho do negócio, a bolada do Itaú atiçou ainda mais o mercado: não só dezenas de concorrentes querem alcançar o volume de negócios da XP como todos sonham também com um aporte bilionário.

Algumas dessas candidatas, como a Órama, já nasceram digitais (é o caso ainda da Clear e da Rico, que foram incorporadas pela XP). Mas a maioria, como Genial, Guide, Modalmais e a própria Easynvest, teve de se transformar. Hoje, todas partem do mesmo princípio: uma plataforma digital de autosserviço, rápida e sem custo, com ofertas mais interessantes e baratas do que a dos bancões. A XP foi a primeira a não cobrar a abertura de conta e a isentar taxas em algumas aplicações. Também passou a oferecer fundos de renda fixa com taxas de administração inferiores a 1% a pequenos investidores, algo impensável até então — era comum encontrar fundos de investimento em títulos públicos com taxas de administração de 3% a 4%.

Outra inovação da XP que virou prática de mercado é a evangelização via cursos de finanças pessoais e uma extensa rede de agentes autônomos que aconselham sobre a melhor forma de multiplicar o dinheiro. Algumas dessas plataformas criaram incentivos para atrair planejadores financeiros, ex-bancários ou qualquer um que tenha interesse em estudar para virar um consultor de finanças. A Genial e a Guide são duas delas. Depois da XP, são as duas maiores em ativos sob custódia, 33 bilhões de reais somados, e em número de agentes autônomos, mais de 400 juntas.

Habib Nascif, da Órama Investimentos

Habib Nascif, da Órama Investimentos: "Quero possibilitar aos clientes e aos agentes autônomos o acesso a uma plataforma completa e a todos os serviços" (Foto: Germano Lüders / EXAME)

Tanto a Genial quanto a Guide nasceram da reestruturação da área de distribuição de investimentos de antigas corretoras, antes focadas no público mais endinheirado. A Genial começou a ser criada em 2012, ano em que o banco Brasil Plural comprou a corretora gaúcha Geração Futuro, uma das primeiras a usar agentes autônomos. Nos anos seguintes, 50 milhões de reais foram investidos em tecnologia para unificar as operações da corretora e áreas de gestão de recursos de clientes corporativos e de alta renda do banco, como a Plural Capital.

A Guide, antiga corretora do banco Indusval, reformulou sua estratégia e sua marca um ano depois, em 2013, e desenvolveu do zero uma plataforma similar. Para crescer, partiu para aquisições. Foram várias até agora: as corretoras independentes Geraldo Corrêa, Omar Camargo, SLW e H.H. Picchioni e as firmas de gestão de recursos Simplific Pavarini, AX Capital e DXI. “Se você vai a uma farmácia atrás de um remédio para gripe e lhe oferecem 40 opções, você não vai saber escolher. Com investimento é a mesma coisa. Por isso, ajudamos o cliente a entender o que é melhor para ele”, diz Aline Sun, sócia da Guide, ao lado de Alexandre Atherino e Fernando Cardozo.

Enquanto a Guide focou o serviço de curadoria e assessoria de investimentos, com 20 pessoas fazendo a pré-seleção dos produtos e outras dez atendendo clientes indecisos, a Genial se lançou no mercado corporativo. É ela quem gerencia as plataformas de investimentos do banco digital Original, do grupo J&F, e a do Banco do Estado do Espírito Santo.

Rodrigo Puga, da Modalmais

Rodrigo Puga, da Modalmais: "Atraímos os clientes dos bancos de varejo que querem ter proteção do crédito e praticidade para investir" (Foto: Germano Lüders / EXAME)

A conjuntura econômica ajudou a impulsionar as novatas. O mercado de investimentos no país historicamente sofre de uma combinação de falta de clientes potenciais, em razão da baixa capacidade de poupança, e taxas de juro e de inflação altas, situação que automaticamente levava as pessoas a buscar opções seguras para aplicação do dinheiro. Resultado: somos o país da renda fixa. Segundo a consultoria americana Oliver Wyman, apenas 7% dos quase 3 trilhões de reais em investimentos no país estão alocados em renda variável, como ações e fundos multimercado, ante 64% nos Estados Unidos.

Mas o crescimento econômico na virada do século impulsionou a renda e o mercado de capitais. Em 2007, 64 empresas abriram o capital na bolsa e o índice Ibovespa subiu 44%. Em 2009, um ano após a crise financeira americana, o Ibovespa valorizou 83% e bateu recorde de pontos. O número de pessoas físicas com conta na bolsa superou 600.000 e levou a então BM&F Bovespa a lançar uma audaciosa campanha para popularizar o investimento em ações e tentar chegar a 5 milhões de CPFs em 2014. A crise dos últimos anos segurou o crescimento (a B3, novo nome da bolsa, só bateu os 700.000 CPFs neste ano), mas a semente já estava plantada na cabeça de uma nova geração de investidores. “O crescimento econômico elevou a renda média da população.

Com mais pessoas com poupança razoável, o mercado potencial das corretoras cresceu”, diz o economista Celso Toledo, diretor da LCA Consultores e colunista de EXAME. Uma das corretoras que souberam aproveitar isso foi a sul-coreana Mirae, a maior das estrangeiras no país e a terceira entre as independentes em ativos totais. Ela chegou ao Brasil em 2010 esperando que o mercado aqui decolasse e, mesmo na baixa, não desistiu. “Estamos determinados a crescer e ajudar o mercado a se expandir e se sofisticar”, diz Fernando Lee, presidente da Mirae no Brasil. A empresa tem 250 milhões de reais em caixa para investir na expansão do negócio nos próximos anos.

Raymundo Magliano, da Magliano Corretora

Raymundo Magliano, da Magliano Corretora: "No digital, o tempo de abertura de conta caiu de dois dias para 2 minutos. Isso me permite atender mais clientes com a mesma estrutura" (Foto: Germano Lüders / EXAME)

O empurrão decisivo para a mudança veio mais recentemente. A inflação de 6% em 2016 virou apenas 2,9% em 2017, abaixo dos 3% do piso da meta, algo inédito, e pode ficar abaixo de 5% nos próximos anos — se o bom senso econômico prevalecer nas eleições de outubro. A queda dos juros e a inflação sob controle tiraram o rendimento de aplicações financeiras cujo retorno depende do juro alto. “É natural que as pessoas busquem alternativas mais rentáveis de investimento. A grande sacada é elas perceberem que ficou mais barato e fácil gerir o próprio dinheiro”, diz Toledo.

O cenário atual, de incertezas no curto prazo, de um jeito inusitado acabou impulsionando a mudança ao forçar corretoras tradicionais a ir à luta. “No auge da bolsa, em 2011, éramos 120 pessoas e 1,2 bilhão de reais em custódia. Dois anos depois, tínhamos 35 funcionários e 600 milhões de reais de capital de clientes”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano, primeira corretora do Brasil, fundada em 1927. O jeito foi apostar na digitalização dos negócios e ampliar a gama de produtos. “As corretoras eram muito dependentes da intermediação de ações. Iam do céu ao inferno, dependendo do que acontecia na bolsa”, diz Caio Villares, presidente da Ancord, a associação das corretoras. Empresas como Um Investimentos (ex-Umuarama), Coinvalores, Socopa e Nova Futura passaram a oferecer também ativos de renda fixa e fundos de investimento. A Magliano lançou em janeiro uma plataforma aberta com fundos próprios e de terceiros. “No digital, conseguimos diminuir de dois dias para 2 minutos a abertura de conta e, com a mesma estrutura, atender mais clientes”, diz Magliano Neto.

Empurrão do governo

Duas ações do governo impulsionaram as mudanças no mercado. A primeira foi a criação, em 2002, do Tesouro Direto, um programa do Tesouro Nacional em parceria com a bolsa que possibilitou, a qualquer pessoa que tivesse um CPF e uma conta-corrente numa instituição habilitada, investir diretamente em títulos públicos, a partir de 30 reais. Com a queda do mercado de ações e a alta da taxa básica de juro, muitos investidores migraram para os títulos públicos, menos arriscados. De 2010 a 2017, o número de pessoas cadastradas no programa aumentou de 215.000 para 1,8 milhão. As corretoras digitais começaram campanhas de custo zero para abertura de contas. O segundo ato foi elevar o limite de investimentos cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito de 70 000 para 250 000 -reais por CPF e instituição financeira, em maio de 2013. Com isso, o governo deu mais segurança aos investidores para comprar, por exemplo, títulos de dívida de bancos de pequeno e médio porte, que tinham dificuldade de se financiar.

Agência do Bradesco

Agência do Bradesco: os bancos concentram os investimentos (Foto: Omar Paixão / EXAME)

Bancos como Pine, Sofisa, Agibank (ex-Agiplan) e Inter (antigo Intermedium) passaram, então, a investir mais na captação de clientes, principalmente por canais digitais. A XP e, mais tarde, outras corretoras, aproveitaram o momento para atrair clientes oferecendo esses títulos em suas carteiras. Hoje, cada cliente do Grupo XP tem, em média, 218.000 reais investidos. “A XP foi a precursora de uma verdadeira revolução no mercado de investimentos. Além de atrair os investidores que tinham menos de 50.000 reais, deu opção aos gestores independentes, antes reféns dos grandes bancos na captação de recursos para seus fundos”, diz Ricardo Rochman, professor e coordenador do mestrado profissional em economia da Fundação Getulio Vargas.

Uma das empresas que se beneficiaram foi a plataforma financeira Órama, que distribui fundos. Fundada em 2011 por antigos sócios da corretora Ágora (vendida para o Bradesco em 2008), a empresa democratizou o acesso a fundos mais concorridos, antes só oferecidos a clientes abonados. Para investir em fundos como os das renomadas gestoras Adam ou JGP, era preciso desembolsar de 100.000 a 1  milhão de reais. A Órama oferece, na forma de cotas de fundos, opções a partir de 1.000 reais. “Demos entrada na bolsa para ter registro também de corretora. Quero possibilitar aos clientes e agentes autônomos o acesso a uma plataforma completa e a todos os serviços”, diz Habib Nascif, sócio da Órama.

A desbancarização dos investidores está no início. Mesmo com todas as mudanças dos últimos anos, as principais corretoras independentes não somam nem 2 milhões de clientes. Um estudo da Oliver Wyman mostra que os bancos ainda concentram cerca de 95% dos ativos de investimento do segmento de varejo no Brasil. Nos Estados Unidos, os bancos detêm apenas 13% desses investimentos — os canais independentes representam 87%. A corretora e assessora de investimentos americana Charles Schwab, principal inspiração de Benchimol e Maisonnave para a criação da XP, tem mais de 10 milhões de clientes, 3,4 trilhões de dólares em ativos sob gestão e 7.500 consultores financeiros independentes, figuras similares aos agentes autônomos. Ela domina, sozinha, 10% de seu mercado.

A XP, maior de todas as plataformas não ligadas a bancos, representava, antes da aquisição pelo Itaú, apenas 0,3% do mercado brasileiro de gestão de recursos de terceiros. Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander têm 21%, 16%, 15%, 6,7% e 6,4%, respectivamente. “As instituições financeiras sempre basearam sua posição no mercado pela credibilidade. Isso não é mais o suficiente, na medida em que o consumidor experimenta serviços melhores e mais baratos”, diz Guilherme Horn, diretor de inovação da consultoria Accenture e um dos fundadores da corretora Ágora e da plataforma de investimento Órama.

Estudo divulgado pela consultoria de gestão McKinsey estima que bancos japoneses e americanos possam perder até 45 bilhões de dólares em lucros até 2020 para as soluções digitais. Uma pesquisa da federação dos bancos brasileiros, a Febraban, com apoio da consultoria Deloitte, mostra que mais da metade das transações bancárias já é feita pelos canais digitais. E são poucos os bancos que estão realmente se mexendo na seara de investimentos.

O banco BTG Pactual é um deles. Injetou até agora 200 milhões de reais no BTG Pactual Digital, sua plataforma de investimentos online, que oferece opções antes restritas aos clientes de alta renda. Apesar de ter sido lançada em dezembro de 2016, só agora ela deve crescer de fato. Recentemente, o BTG anunciou a compra da Network Partners, gestora de uma rede de 900 assessores individuais divididos em 300 escritórios independentes. O objetivo é ter uma equipe de autônomos plugados à sua plataforma e oferecendo seus produtos. Como diferencial, o BTG aposta no acesso a outros produtos do banco de investimentos, como lançamentos de ações, ativos de crédito e serviços para o agronegócio. “Se tivermos daqui a alguns anos 10% do varejo de alta renda, teremos atingido nosso objetivo”, diz Marcelo Flora, sócio do banco e responsável pelo BTG Pactual Digital, referindo-se a um mercado de mais de 800 bilhões de reais.

O Itaú é outro banco que começa a se mexer. Em 2017, passou a oferecer fundos de outros gestores a correntistas de alta renda, que fazem parte do segmento Personnalité (até então, apenas os clientes do private bank, que têm alguns milhões disponíveis para investir, tinham acesso). Agora outros correntistas também têm acesso a alguns fundos.

A busca por serviços digitais não é exclusividade do segmento de investimentos. Um estudo da consultoria EY que ouviu 22.000 pessoas em 20 países mostra que, em média, um em cada três consumidores digitais utiliza serviços de fintechs. No Brasil, o setor que mais concentra empresas desse tipo é o de serviços de pagamentos, investimentos e de planejamento financeiro. Nele, as fintechs fazem parte da rotina de 40% dos clientes digitais. É quase o mesmo que a média dos países emergentes, de 46%, e só abaixo de China (69%), Índia (52%) e Reino Unido (42%). O principal motivo apontado pelos brasileiros para adotar serviços de fintechs é a facilidade para abrir e gerir contas e o acesso a novos produtos e serviços.

A maior fintech do país é a empresa de pagamentos Nubank, que já recebeu aportes de mais de 500 milhões de dólares. Com um produto comum (cartões de crédito), o Nubank inovou no atendimento e na experiência do usuário e mais que dobrou o número de clientes em um ano, passando de 1,3 milhão para 3 milhões em 2017. “O Brasil tem potencial para ter 20 vezes mais fintechs do que tem”, diz Rafael Dan Schur, sócio de consultoria para o mercado financeiro da EY.

Uma das inovações mais populares em mercados como Estados Unidos e Alemanha são os robo–advisors, termo em inglês usado para designar os softwares inteligentes que, com algoritmos e inteligência artificial, sugerem carteiras de investimentos para cada perfil de investidor. A consultoria Deloitte estima que, até 2020, de 2,2 trilhões a 3,7 trilhões de dólares deverão estar sob a tutela desses robôs. Em 2025, o volume poderá subir para 16 trilhões, três vezes os investimentos totais da americana BlackRock, maior gestora de ativos do mundo. O crescimento é exponencial, na medida em que as tecnologias se aprimoram e mais pessoas experimentam o serviço, que costuma também ser mais barato do que o dos assessores financeiros.

No mundo, estima-se que existam mais de 100 robo-advisors, grande parte no mercado americano. Além de startups como Wealthfront, Personal Capital e Betterment lançarem o serviço, alguns bancos correram atrás. Em 2015, o banco JP Morgan firmou uma parceria com a Motif Investing, e a BlackRock comprou a FutureAdvisor por 150 milhões de dólares. No ano seguinte, o banco suíço UBS investiu na SigFig. No Brasil, cinco startups desse tipo se destacam, entre elas a Vérios, a Magnetis e a Warren, esta criada em 2017 pelo fundador da XP, Marcelo Maisonnave, com outros três sócios [veja quadro ao lado]. Até agora foram investidos 22 milhões de reais na Warren. Com apenas um ano, ela tem 20 000 clientes ativos e 200 milhões de -reais sob gestão e, recentemente, começou a oferecer investimentos em criptomoedas, fundos de terceiros e títulos de bancos.

O futuro da XP

Se todo mundo quer ser a XP, o que a XP quer ser? Entender como a própria XP se vê daqui a alguns anos pode ajudar a imaginar para onde vai o mercado. Em julho, a XP anunciou a contratação de um time de analistas com experiência em bancos para criar uma divisão de análise de investimento. O objetivo da nova área, que já começou a funcionar, é oferecer recomendações de compra e venda de ações e fundos imobiliários, um dos queridinhos deste ano — a empresa já produzia relatórios sobre renda fixa e conjuntura econômica. A XP já é dona da agência de informações Infomoney. O conteúdo pode ainda servir para municiar de conhecimento seus agentes autônomos. Uma das críticas mais comuns de clientes é o baixo preparo e, algumas vezes, a falta de conhecimento sobre o mercado financeiro. A XP já sofreu alguns processos na Comissão de Valores Mobiliários, a reguladora do mercado financeiro no Brasil, por falhas nos registros de ordens transmitidas por clientes a agentes autônomos. Alguns clientes reclamam ainda do fato de a empresa não ser banco, o que torna as transferências de recursos mais lentas.

Essa é uma vantagem que a concorrente Modalmais está começando a explorar. Lançou recentemente o banco digital, um serviço a mais para seus 180.000 clientes. Desde 2013, quando começou a repensar a estratégia de sua área de distribuição de investimentos, o banco Modal já tinha o serviço na mira. O primeiro passo foi abrir a plataforma de investimentos. O segundo, atrair clientes por meio de agentes autônomos e influenciadores digitais — contratou, por exemplo, a jornalista Nathalia Arcuri, que tem, em seu canal Me Poupe!, no YouTube, mais de 1,8 milhão de seguidores. E, agora em agosto, lança para toda a base o banco, que oferece conta–corrente, cartão de débito e até linha de crédito para quem não quer resgatar o investimento antes do vencimento, mas precisa do dinheiro. “Nosso diferencial são os produtos bancários, que atraem os clientes dos bancos de varejo que querem ter proteção do crédito e praticidade para fazer transferências e pagamentos”, diz Rodrigo Puga, sócio do banco Modal, responsável pela Modalmais. No ano passado, a corretora já deu lucro.

Num mercado com tantas oportunidades, nenhuma das empresas de investimentos independentes encara sua precursora como uma competidora. Pelo contrário. “Não precisamos brigar com a XP, nós queremos brigar com os bancos. Nossos clientes não vêm da XP, mas dos grandes bancos”, diz Evandro Pereira, sócio da corretora Genial. É difícil estimar quantos reais estão migrando todo mês dos balanços das grandes instituições financeiras para as contas dessas novatas.

Mas a própria compra da XP pelo Itaú, o investimento do fundo Advent na Easynvest e a compra de 70% da Guide pela chinesa Fosun, também investidora na gestora Rio Bravo, dão pistas de que esse volume começa a crescer. Ainda não está claro se, com a conclusão da venda, a própria XP continuará independente, mas é inegável que ela teve até agora um papel fundamental para descobrir um novo mundo. Há uma revolução, empurrada pela tecnologia, acontecendo no setor financeiro no Brasil. É um universo de oportunidades para empreendedores — e para a aplicação do dinheiro. 


Eles já foram XP. Onde estão agora?

Dez ex-sócios ou executivos da empresa investiram ou criaram novos negócios na área financeira

Marcelo Maisonnave: um dos fundadores da XP Investimentos

Marcelo Maisonnave: o fundador da XP é sócio de seis novos negócios (Foto: Leandro Fonseca / EXAME)

Como costuma ocorrer com startups inovadoras, a XP virou um celeiro de empreendedores. Pelo menos dez ex-sócios ou funcionários de alto escalão que venderam sua participação na corretora hoje são investidores em novos negócios. Boa parte deles continua na área financeira, investindo ou criando fintechs. O mais conhecido dos ex–XP é Marcelo Maisonnave, fundador da corretora com Guilherme Benchimol, numa sala comercial em Porto Alegre em 2001. Depois de vender sua participação na XP em maio de 2014 e passar dois anos no Vale do Silício, polo americano de inovação, Maisonnave se juntou a ex-colegas de trabalho para desenvolver seis negócios, cinco deles fintechs. “Vivemos no Brasil o momento ideal para empreender. A tecnologia está mais acessível, os consumidores mais informados e exigentes e temos muitas pessoas boas”, afirma Maisonnave.

O maior investimento até agora do grupo de empresários foi no robo-advisor Warren, programa que usa inteligência artificial para sugerir uma carteira de investimentos de acordo com o perfil do investidor. O idealizador do projeto foi Tito Gusmão, sócio da XP durante uma década. Gusmão convidou Maisonnave e Eduardo Glitz, responsável por transformar a corretora num shopping de investimentos, para fazer parte da sociedade. Até agora, 22 milhões de reais foram investidos (o Warren foi lançado em 2017) e, com um ano, a startup tem 20 000 clientes, 200 milhões de reais sob custódia e faturou 8 milhões de reais. Outros 10,4 milhões de reais foram investidos em mais cinco negócios, como a Monkey Exchange, plataforma que encontra financiadores dispostos a antecipar recebíveis de empresas. Ela tem entre os fundadores Gustavo Muller, ex-diretor de mercado de capitais da XP.

Compõem ainda o portfólio a BeeTech, plataforma de compra e venda de moedas estrangeiras, a FitBank, empresa de tecnologia para meios de pagamento, a StartSe, plataforma de negócios e conteúdo sobre inovação, e, a última empreitada, a Yuool Shoes, loja eletrônica que vende tênis e fatura 5 milhões de reais por ano. Pedro Englert, ex-diretor da área de agentes autônomos e presidente da Infomoney, portal de notícias financeiras da XP, é quem lidera a StartSe hoje.

Mas não é só a turma de Maisonnave que está apostando em novas empreitadas. Patrick O’Grady, por exemplo, ex-presidente da XP Gestão de Recursos, está atualmente à frente da Vectis, empresa de investimento que tem também como sócios Alexandre Aoude, ex-presidente do Deutsche Bank no Brasil, Sérgio Campos, fundador da gestora carioca Pollux Capital, e Paulo Lemann, filho do empresário Jorge Paulo Lemman. A Vectis já investiu na Avenue Securities, uma corretora para brasileiros nos Estados Unidos, projeto que está sendo desenvolvido por Roberto Lee, fundador da Clear, que entrou para o time da XP quando sua corretora  foi comprada.

O ex-presidente da XP Securities em Nova York Adriano Cantreva é outro que está de olho em oportunidades. Ele é um dos investidores da Nexoos, plataforma de empréstimos para empresas, e também comprou participação numa gestora de recursos. Todos eles tentam, de certa forma, replicar o sucesso de sua antiga companhia. O difícil vai ser replicar a fortuna conquistada pelo ex-companheiro que ficou à frente da XP. Guilherme Benchimol é dono de 20% de um negócio avaliado em 12 bilhões de reais.

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