(Gustavo Pedrosa/Exame)
Gabriel Aguiar
Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 05h22.
Última atualização em 7 de janeiro de 2022 às 13h38.
A assinatura de um veículo por longos períodos, sem o compromisso de compra durante o contrato, deve ganhar tração como fonte de negócios para montadoras e locadoras de automóveis. As vendas desse tipo de serviço, semelhante ao de streaming e conhecido pelo termo em inglês carsharing, deverão crescer 8% ao ano até 2026, quando chegarão a 16 bilhões de dólares pelo mundo, segundo projeção do Statista.
A expansão será sobre uma base pequena de comparação — os veículos “assinados” ainda são menos de 1% do total em circulação. Ainda assim, a novidade anima montadoras em busca de novas fontes de receita. Em 2021, três das principais montadoras abraçaram a ideia do carro por assinatura até mesmo em países em desenvolvimento, como o Brasil.
Em julho, o grupo Stellantis, dono das marcas Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot, criou a Flua!, uma plataforma para aluguel de veículos das três marcas disponível atualmente em 16 estados brasileiros. Em setembro, a alemã Volkswagen, segunda maior montadora do mundo em vendas (só atrás da Toyota), ampliou para 470 concessionárias brasileiras o serviço de assinatura Sign&Drive, lançado em 2020 como um teste em São Paulo. Boa parte do investimento de 1,5 bilhão de reais da Caoa Chery no Brasil deve ser empregada num esquema de assinatura de veículos prestes a ser lançado.
Por trás de tantos anúncios está a certeza de que, embora ainda represente uma fração do mercado de venda de veículos, o modelo de assinatura é um caminho sem volta. Parte disso é resultado de uma realidade criada pela pandemia. O abre e fecha de indústrias em meio ao avanço do vírus provocou escassez generalizada de autopeças e, na ponta, paralisou montadoras mundo afora, inclusive no Brasil, mas teve um impacto limitado sobre o setor.
Nas contas da consultoria Bain & Company, 1,5 milhão de veículos deixaram de ser fabricados — 2% da produção anual no mundo. Como consequência, alguns modelos sumiram das concessionárias. Usados ou seminovos valorizaram quase 20% em 2021. (O usual é o preço cair 15% em 12 meses.) A assinatura acabou virando um jeito de as montadoras manterem algum tipo de receita recorrente em meio à paradeira. “Esse é um importante canal para as empresas preservarem a rentabilidade”, diz Cássio Pagliarini, da consultoria automotiva Bright Consulting.
A ideia do carsharing deve se popularizar também por causa de mudanças comportamentais com efeitos de longo prazo. A começar pelo desejo cada vez menor de jovens em gastar recursos com veículos — o apetite vem caindo ano a ano e dando espaço a outros desejos, como viagens e outras experiências. A pressão ESG sobre as montadoras também pesa a favor das assinaturas. Um mesmo veículo pode ser “assinado” por várias pessoas e, dessa maneira, evitar a venda de mais de uma unidade com pouca ou nenhuma serventia dentro da garagem, o que pode economizar recursos minerais como aço e lítio.
Para além de trazer novas receitas às montadoras, o carsharing vem colaborando para uma injeção de ânimo no setor de locação de veículos. Atualmente, o setor registra mais de 80.000 assinantes desse serviço, o que representa cerca de 8% no universo de quase 1 milhão de veículos em locação no Brasil, de acordo com a Abla, a associação que reúne as locadoras. A previsão da entidade é que o número de clientes dobre nos próximos cinco anos com a atração de consumidores dispostos a fugir de custos extras, oriundos da pandemia, na compra de veículo.
A normalização dos estoques de autopeças, com o fim gradual da pandemia, deve baixar os preços dos veículos em breve. Até lá, uma coisa é certa: a escassez não só teve um impacto limitado na economia como abriu os olhos de montadoras, locadoras e clientes sobre outras formas de aproveitar um automóvel.