Revista Exame

Quem vai pagar a conta nos EUA?

Com uma dívida que supera o PIB, o próximo presidente americano terá de ajustar a fatura sem levar o país e, de quebra, o mundo ladeira abaixo


	 Obama (à esq.) e Romney: divergências podem levar o país para uma nova recessão
 (Getty Images / Scott Olson)

 Obama (à esq.) e Romney: divergências podem levar o país para uma nova recessão (Getty Images / Scott Olson)

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2012 às 10h58.

Nova York - Às vésperas das eleições presidenciais nos Estados Unidos, que devem levar cerca de 120 milhões de americanos às urnas no próximo dia 6 de novembro, existe pelo menos uma certeza. O vencedor, seja o atual presidente Barack Obama, seja o candidato republicano Mitt Romney, terá nas mãos uma bomba ajustada para explodir nos primeiros minutos de janeiro.

A imagem resume os efeitos potencialmente arrasadores do fiscal cliff (em português, algo como “despenhadeiro fiscal”), o pacote de corte de custos e aumento de impostos que deve entrar em vigor na virada do ano para controlar o monstruoso déficit do governo federal.

Por um lado, o plano tenta colocar ordem nas contas, cujo buraco anual é de 1,3 trilhão de dólares. Por outro, pode jogar o país numa recessão. O corte de gastos previsto é de 100 bilhões de dólares; e o aumento de impostos, de 380 bilhões.

O risco é retirar o gás da frágil recuperação econômica americana — e, de quebra, atingir a economia mundial como um todo. Segundo um relatório da agência de avaliação de risco Fitch, o ajuste fiscal americano pode contribuir para reduzir à metade a estimativa de crescimento mundial para 2013, de 2,6% para 1,3%.

Muitos economistas acreditam que a carga do ajuste proposto pode ser pesada demais para uma economia longe de recuperar o pleno vigor. Mas não está fácil chegar a um consenso sobre qual seria a alternativa. Com visões opostas e pouca disposição para ceder, os políticos dos partidos Democrata e Republicano já se engalfinharam nessa disputa em agosto de 2011, quando — sob o risco de levar o país ao calote — conceberam na marra o plano atual.

Naquele momento, decidiu-se ampliar o teto da dívida e postergar o ajuste para janeiro de 2013. Essa data está cada vez mais próxima. Até agora, porém, os detalhes do plano não foram definidos. “Com tantos pontos controversos, dificilmente se chegará a um acordo com a rapidez necessária”, afirma Ricardo Reis, professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York.

Sem acordo

O plano atual prevê cortes de gastos lineares, e, nesse caso, estabelecer prioridades significará amarrar divergências aparentemente inconciliáveis. Enquanto democratas apoiam a manutenção de investimentos em programas sociais, republicanos defendem reforços em áreas como Defesa.

Sobre impostos, o plano prevê o fim dos descontos tributários feitos nos tempos do ex-presidente George W. Bush, o que aumentaria os gastos com impostos em até 3 500 dólares por domicílio. Novamente há disparidade de opiniões entre democratas e republicanos. Os primeiros pretendem que a isenção seja mantida, exceção feita aos mais ricos, com renda anual acima de 250 000 dólares. Os republicanos, por sua vez, querem manter os descontos para todos — ricos incluídos.


A discussão sobre impostos e investimentos sociais tomou boa parte do primeiro debate entre os dois candidatos, no dia 3 de outubro. Amplamente dominado por Romney, o debate pode ter servido para recolocá-lo na disputa. Mas não ajudou em nada a esclarecer como ambos pretendem lidar com o nó fiscal.

A indefinição já atrapalha a recuperação na economia. Sem clareza sobre a saúde financeira do governo, muitos empresários permanecem paralisados. Os sinais são perceptíveis na lenta recuperação dos empregos, por exemplo. O governo Obama comemorou no início de outubro a menor taxa de desemprego de sua administração, 7,8%. Mas é um índice ainda alto historicamente para os Estados Unidos.

Com 114 000 vagas criadas em setembro, o contingente de desempregados chegou a 12 milhões de pessoas. O impasse também não estimula a retomada dos gastos privados. A compra de bens duráveis no país caiu 13,2% em agosto. 

E o problema fiscal só aumenta. A dívida americana cresce ao ritmo de 3,8 bilhões de dólares por dia. Boa parte do desequilíbrio atual tem origem nos cortes de impostos realizados pelo então presidente Bush, em 2001 e 2003. Eles permaneceram em vigor em seus dois mandatos e foram estendidos durante o governo Obama.

Mais recentemente, pacotes de salvação de empresas e estímulos para a retomada da economia tam­bém inflaram o déficit. E isso reduz o ímpeto econômico. Os economistas da Universidade Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff estimam que uma dívida pública acima de 90% do PIB diminua a taxa de crescimento de um país em mais de 1 ponto percentual. Hoje, a dívida é de 105% do PIB.

Não bastassem essas adversidades, há fatores fora do controle do próximo presidente. Um deles é o esfriamento da economia mundial, sobretudo na Europa. Outro é a demografia. No início dos anos 80, a idade média do trabalhador americano era de 35 anos. Hoje é de 42, a maior da história. O contingente de aposentados aumenta a cada ano — e, com isso, disparam despesas com previdência e saúde. 

Com tantas indefinições, muitos analistas acreditam que o novo presidente deverá adiar o plano em alguns meses. Mas não há margem para postergá-lo por muito tempo. Num relatório do fundo de private equity Carlyle, economistas argumentam que o ajuste fiscal pode esfriar a economia no curto prazo, mas deixar tudo como está seria muito pior.

Segundo o jornal The New York Times, um acordo começa a ser costurado no meio político, no qual democratas concordariam com o corte de gastos sociais. “Seria uma traição ao eleitorado”, escreveu o economista Paul Krugman em seu blog. Ninguém acredita que será possível chegar a uma solução sem perdas. Só ainda não está claro quais serão — e o tamanho do estrago.

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