Álvaro de Souza, do conselho da Gol: mais dedicação e dinheiro no bolso (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2013 às 19h18.
O mês de agosto foi especialmente intenso para os membros do conselho de administração da companhia aérea Gol. Na reunião mensal realizada na primeira quinzena, eles dedicaram horas de debate a um assunto desconfortável: os sucessivos atrasos nos voos no início daquele mês que atingiram um terço das decolagens no período de uma semana. Dias depois, os conselheiros da Gol seriam novamente convocados.
Uma reunião extraordinária, na noite do dia 23, teve como tema o impacto para a companhia do recém-anunciado negócio que deverá unir as operações da TAM e da LAN, criando a maior empresa de aviação da América Latina. Conforme o dia a dia dos negócios fi ca mais complexo, mais os conselheiros são chamados a participar dos rumos estratégicos das empresas. E, quanto mais eles aparecem, mais ganham. Os nove membros do conselho de administração da Gol, cinco deles independentes, receberam juntos 1,2 milhão de reais em 2010 — uma variação per capita de 11% em relação a 2009. “Participar ativamente de um conselho demanda cada vez mais trabalho por parte dos conselheiros, e isso requer uma remuneração compatível", afirma Álvaro de Souza, presidente do conselho da Gol e membro de outros três conselhos de administração.
Um levantamento do Hay Group mostra que os conselhos fazem parte da estrutura de apenas metade das empresas brasileiras — e que só 55% desses conselhos têm membros independentes. Mesmo nesse universo restrito, a remuneração dos conselheiros independentes subiu 12% em 2010 em relação ao ano anterior. Ainda segundo a pesquisa, um conselheiro externo que comparece a uma reunião mensal ganha 12 607 reais, em média, por mês. O presidente do conselho leva quase o dobro disso — em média, 23 370 reais mensais —, um patamar 33,6% acima do registrado em 2009. "É compreensível que a remuneração dos conselheiros esteja em curva ascendente", diz Leonardo Salgado, diretor do Hay Group. "Eles não são figurativos e têm um papel cada vez mais ativo nas empresas."
No caso da Gol, essa nova postura não se resume ao comparecimento às reuniões, mas inclui a participação em comitês — instâncias que fazem uma espécie de meio de campo entre o conselho e a diretoria. Atualmente, cinco dos nove conselheiros da empresa participam de um dos três comitês criados a partir de 2008 — auditoria, pessoas e governança corporativa, fi nanceiro e política de risco. O próprio Álvaro de Souza, de 61 anos, participa do comitê de auditoria, o que exige sua presença em reuniões bimestrais — além dos encontros mensais de conselho. A busca por um conselho mais efetivo exigiu que a Gol diversifi casse o perfi l de seus membros. A contratação mais recente ocorreu em janeiro de 2010, com a chegada de Paulo Kakinoff, de 35 anos, presidente da Audi no Brasil. "Kakinoff é jovem como o público da Gol e tem uma experiência em varejo essencial para o nosso negócio", diz Souza.
Além do aumento das atividades, os riscos patrimoniais e jurídicos enfrentados pelo conselho cresceram. Desde 2003, o novo Código Civil brasileiro atribui aos administradores — incluindo os conselheiros — a responsabilida de legal por atos que desrespeitem os interesses e os direitos de fornecedores, funcionários, clientes e acionistas.
Uma série de exemplos recentes mostra o risco real que isso representa. No final de julho, a Comissão de Valores Mobiliários apontou dez executivos da fabricante de celulose Aracruz por responsabilidade no episódio com derivativos que levou a empresa a perder 2,1 bilhões de dólares em 2008. Entre os nomes, três eram de conselheiros — Luiz Aranha Corrêa do Lago, Raul Calfat e Sérgio Pinheiro. A punição aos acusados, caso sejam condenados, ainda não foi divulgada. Mas poderá englobar multas e a suspensão da atuação dos administradores em companhias abertas. "O conselheiro, seja ele independente ou não, coloca em risco seu patrimônio pessoal. Além disso, tem responsabilidade estatutária e grande capacidade de agregar resultado. Tudo isso tem impacto na remuneração", diz Luiz Marcatti, da consultoria Mesa, especializada em governança.
Para seduzir os melhores profissionais a assumir tais riscos, algumas poucas empresas começam a oferecer a conselheiros modelos de remuneração típicos de executivos. Segundo o levantamento do Hay Group, cerca de 6% dos conselheiros recebem bônus de curto ou longo prazo atrelados a resultados, além do salário fi xo. (Nos Estados Unidos, a proporção é de 37%.) Uma das poucas companhias brasileiras que aderiram ao modelo — considerado polêmico por especialistas em governança corporativa — foi a OGX, empresa de exploração de petróleo controlada por Eike Batista. Em 2009, 92% da remuneração de seu conselho, composto de profissionais como o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, foi fei ta em ações. Os dez integrantes levaram ao todo 37,6 milhões de reais. Trata-se do mesmo modelo seguido para o pagamento dos executivos do grupo. (Procurada, a companhia não se pronunciou sobre o assunto.) "Não é desejável que um conselheiro seja atraí do pela remuneração de curto prazo. Ele está ali para zelar pelos interesses dos acionistas, não para ficar milionário ou trabalhar movido a variações da companhia na bolsa", afi rma Gilberto Mifano, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
Disparidades
Até pouco tempo atrás, todas essas discussões ocorriam de maneira discreta, já que os dados das empresas eram invisíveis para o mercado. Com a regra da CVM que entrou em vigor neste ano, obrigando a publicação de salários de conselheiros e executivos, essas e outras questões devem entrar no debate público. Além do modelo de remuneração, outros problemas se tornaram claros — como as disparidades nos valores pagos a profi ssionais do mesmo conselho. No caso do banco Cruzeiro do Sul, por exemplo, o conselheiro mais bem pago tem remuneração anual de 2,5 milhões de reais. No outro extremo, está um conselheiro que recebe 120 000 reais. "Ainda não existem parâmetros para a remuneração do conselho como os usados no pagamento de executivos", diz Leonardo Salgado, diretor do Hay Group. A diferença é que, agora, todo mundo sabe onde estão as distorções.