Revista Exame

Preparados para a retomada

Uma pesquisa exclusiva mostra que a crise mudou profundamente a gestão das empresas brasileiras. Parte delas oferece valiosas lições de como fortalecer os negócios para o novo ciclo econômico que virá

Cavalieri, da Ale Combustíveis: Duas grandes aquisições e crescimento de 15% em 2009

Cavalieri, da Ale Combustíveis: Duas grandes aquisições e crescimento de 15% em 2009

DR

Da Redação

Publicado em 21 de fevereiro de 2011 às 19h27.

Frente ao perigo, à ameaça de desaparecimento, o corpo humano e as empresas reagem de maneira muito semelhante. Em maior ou menor grau, um poderoso instinto de preservação se revela, quase sempre fazendo com que todo o organismo se retraia, evitando o risco e buscando a sobrevivência. Mas há as exceções. Acuada por algum agressor, uma parcela das pessoas simplesmente deixa a opção mais segura de lado e parte para o ataque. A quebra do banco Lehman Brothers, no dia 15 de setembro de 2008, representou para o mundo dos negócios um desses momentos decisivos, em que as corporações precisam definir rapidamente qual caminho seguir: defesa ou ataque. Trata-se de uma escolha das mais complexas.

Recuar num momento como o que estamos vivendo pode significar perda de mercado hoje, de rentabilidade mais à frente e, eventualmente, um futuro comprometido. Avançar, como se as dificuldades não existissem, pode ser apenas demonstração de falta de foco ou arrivismo. Hoje, ninguém sabe ao certo quanto tempo a crise global vai durar. Todas as previsões para o Brasil, uma economia que se mostrou resistente e que já dá sinais de retomada, são questionáveis. Mas até o mais pessimista dos economistas sabe que, mais cedo ou mais tarde, a retomada virá. Estar preparado para esse momento - e saber o que fazer para aproveitá-lo ao máximo - é desafio presente para qualquer homem ou mulher de negócios. "Não existe uma resposta única. A solução vai variar de setor para setor, de empresa para empresa", diz Betânia Tanure, professora da Fundação Dom Cabral e da PUC de Minas Gerais. "O certo é que os negócios não podem ser dirigidos pela crise."

 
Havia dinheiro em caixa para bancar as compras - e havia a oportunidade. Com a mudança no cenário da economia, a Ale seguiu em frente - pagando um preço menor por seus alvos. Ao investir na expansão, Cavalieri e seus executivos esperam estar mais bem posicionados quando o mercado retomar todo o seu vigor. Com as duas aquisições, a Ale chegou a 1 800 postos, um crescimento de cerca de 60% em relação a 2008. Com isso, ultrapassou a Esso e tornou-se a quarta maior distribuidora do país em número de postos. Nos primeiros cinco meses do ano, enquanto o mercado ficou praticamente estagnado, a Ale cresceu 15%. "Mesmo com a incerteza em relação à economia não reduzimos investimentos nem pessoal", diz Cavalieri.


Tempos de bonança são sempre períodos de euforia para países, empresas e pessoas. Grandes negócios são anunciados, milhares de empregos são gerados e o consumo cresce. Tudo isso junto, e ao mesmo tempo, faz com que a produção de riqueza aumente, numa espécie de círculo virtuoso em que todos são vencedores. Mas os períodos de euforia também mascaram uma série de imperfeições. Com o mercado aquecido, desperdícios são cometidos, contratações são realizadas em excesso e os processos dão lugar ao desleixo. Foco, disciplina e, às vezes, bom senso tornam-se supérfluos.

O (sempre perigoso) sentimento de onipotência toma conta de muitos executivos. Nos momentos de crise, essa dinâmica se inverte. Antes relegada ao segundo plano, a gestão ganha nova importância. Não por acaso, sete dos 11 mais importantes modelos de gestão do século 20 foram criados após recessões mundiais . Frente aos desafios de um mercado em baixa, as empresas são forçadas a olhar para si próprias com mais atenção.

Uma pesquisa realizada pela consultora Betânia Tanure, e publicada com exclusividade por EXAME, dá uma ideia do tamanho desse desafio. No estudo, foram ouvidos 492 diretores, presidentes e membros de conselho das 500 maiores empresas do Brasil, em duas etapas (a primeira em dezembro de 2008 e a segunda em maio de 2009). Das companhias ouvidas na pesquisa, 90% já fizeram mais de uma versão de orçamento para 2009 e, dessas, 17% chegaram ao extremo de realizar seis ou mais versões. Ou seja: as empresas podem até errar em suas estratégias, mas elas não estão paradas. O estudo também mensura o impacto da crise nas companhias pesquisadas - e a resposta é avassaladora.

Nada menos que 64% delas registraram queda no faturamento e 63% na lucratividade. Como reação, mais da metade adiou projetos de expansão e cortou funcionários (veja essas e outras estatísticas no quadro na pág. ao lado). Foi o caso da Cyrela, maior incorporadora do país. Desde o início da crise, a empresa demitiu 90 empregados e cortou 25% de seus custos fixos. Todos os projetos que seriam lançados foram revistos e os imóveis comerciais de pequeno porte, que hoje têm mais procura, receberam a maior parte dos investimentos. "Hoje, nove meses depois de iniciada a crise, não perdemos dinheiro", diz Ubirajara Freitas, diretor-geral da Cyrela. "Aqui dizemos que negócio não acaba nunca. O que acaba é dinheiro. E o caixa está fortalecido."


De acordo com todos os especialistas ouvidos por EXAME, não existe um manual de gestão que possa ser aplicado a esses novos tempos. Há um conjunto de empresas, porém, que oferecem lições preciosas de austeridade conciliada com crescimento. Para elas, a união desses dois pontos é uma questão de cultura, um comportamento arraigado no dia a dia e que não muda ao sabor dos ventos da economia. São empresas que não paralisam - mas que antes de dar os passos rastreiam o caminho. As companhias desse grupo têm desempenho 20% superior à média do mercado em que atuam e, se não passam ilesas pelas oscilações bruscas da economia, costumam se recuperar mais rapidamente. A AmBev, líder do mercado nacional de cervejas, é parte dele.

Há 11 anos, adota um modelo de planejamento batizado de orçamento base zero, no qual cada despesa é analisada, revista e avaliada constantemente. Esse tipo de orçamento evita desperdícios e faz com que as equipes se esmerem sistematicamente em reduzir custos. Mas só onde, de fato, eles podem ser reduzidos. Cada viagem, cada contratação ou luz acesa no escritório é questionada. O orçamento base zero foi implantado na AmBev na esteira de duas crises com repercussões globais, a asiática e a russa. Desde então, jamais foi abandonado. "Temos obsessão pelo controle de custos", diz João Castro Neves, presidente da AmBev.

"Ainda assim, conseguimos enfrentar o pior desta crise sem precisar demitir." Com a chegada de tempos mais duros, a cervejaria tem mostrado por que se tornou referência em gestão no Brasil e no mundo. Em julho de 2008, a AmBev registrou a menor participação de mercado nos últimos anos: 66,7%. De lá para cá, ganhou quase 2 pontos percentuais. Cada ponto percentual equivale a 100 milhões de reais no faturamento anualizado.

É quase impossível que companhias fracas se transformem em negócios fortes durante períodos de baixa. Mas as crises muitas vezes têm o poder de fortalecer ainda mais empresas saudáveis. Momentos de ruptura como o que estamos vivendo são um terreno fértil para inovações que fazem sentido - e que trazem resultados palpáveis num momento de eventual fragilidade da concorrência. Até o fim deste ano, a subsidiária brasileira da Volkswagen deve fazer 16 lançamentos, entre automóveis e novos equipamentos. Sete deles estavam previstos para 2010, mas foram antecipados com o objetivo de pegar a concorrência no contrapé. A montadora também aumentou seu investimento em marketing e contratou 200 funcionários.

Quando a crise chegou ao auge para o mercado de automóveis, no fim do ano passado, a Volks foi uma das poucas montadoras a não demitir ou desativar linhas. Retomadas as vendas, graças aos incentivos do governo, pode deslanchar enquanto alguns concorrentes enfrentam gargalos provocados pela freada. Hoje, a Volks disputa a liderança do mercado brasileiro, um dos mais importantes do mundo, com a Fiat. "Nossa política é crescer aos poucos, de forma sustentável", diz Thomas Schmall, presidente da Volkswagen do Brasil. "Mas sabemos que é nesta hora que precisamos investir e aparecer."

Um dos executivos mais respeitados do mundo, o presidente mundial da General Electric, Jeffrey Immelt, definiu a atual crise global como um grande "reset" do universo corporativo. Para ele, as relações com consumidores, fornecedores e clientes terão de ser revistas e reiniciadas, como fazemos com um computador travado. Os últimos meses, por exemplo, levaram a mineradora Samarco, uma das maiores exportadoras brasileiras, a estreitar seu relacionamento com os clientes. O executivo José Tadeu de Moraes, presidente da empresa, se envolve diretamente nas principais negociações - e faz o possível para que a transação se concretize. Recentemente, a chinesa Baosteel pediu para que a Samarco mudasse o tipo de produto fornecido - uma espécie de pelota de minério de ferro de alta qualidade - com apenas dez dias de antecedência.

Em tempos de bonança, essa alteração só seria realizada em um prazo de um mês. Mas o cenário mudou - e fechar negócio ganhou um novo significado. Hoje, significa, por exemplo, não demitir pessoas que fazem e farão a diferença para o negócio - não importando se há crise ou crescimento à vista. Significa manter mercados num momento de extrema competição. Significa fortalecer o caixa. Pode significar mais força e poder num momento crucial para os negócios: o início de um novo período de crescimento e prosperidade. E, tal como esta última crise, ele pode chegar sem aviso.

Acompanhe tudo sobre:AleAmbevAtacadoBebidasComércioConstrução civilCyrelaEmpresasEmpresas abertasEmpresas americanasEmpresas belgasEmpresas brasileirasGE - General Electric

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025