Revista Exame

Prejuízo todo dia

Com seu quarto presidente no Brasil na última década, o varejista Walmart tenta solucionar velhos problemas que se arrastam e impedem a maior empresa do mundo de ganhar dinheiro no país

Loja do Walmart em São Paulo: dificuldade para vender barato (Germano Lüders/EXAME)

Loja do Walmart em São Paulo: dificuldade para vender barato (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2014 às 10h36.

São Paulo - Numa de suas primeiras reuniões com funcionários como presidente da rede de varejo Walmart no Brasil, no fim de 2013, Guilherme Loureiro falou sobre aquele que era seu grande plano — integrar as operações das varejistas Bompreço (no Nordeste) e Sonae (no Sul), adquiridas pelos americanos na última década.

Estava se explicando quando foi interrompido por um gerente com a paciência esgotada. “Por que temos de acreditar? Ouvimos falar disso há anos e nunca acontece.” A impaciência era mais que justificada. Anos após as ­duas aquisições que deram ao Walmart a terceira posição do varejo brasileiro, atrás de Carrefour e Pão de Açúcar, a rede ainda era no Brasil uma colcha de retalhos.

Suas três operações principais, nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, funcionavam como empresas separadas. Isso significa que o grupo não aproveita seu tamanho para economizar custos: pior, torna a operação ainda mais complexa e cara. Parece um erro amador, e talvez seja mesmo. Mas é como a maior empresa do mundo funcionava no Brasil. 

Em outubro, Loureiro celebrou a entrada da última das 160 lojas do Sonae no sistema do Walmart, e fez questão de ligar para o cético gerente. É o tipo de vitória que se comemora com um sorriso amarelo, já que acontece com quase uma década de atraso.

Três presidentes assumiram e deixaram seu posto sem conseguir executar a tarefa. Falta, ainda, integrar as 230 lojas da rede Bompreço, comprada em 2004 — algo que, se seguir exatamente como o planejado, vai levar mais sete meses. 

O penoso e bizarro processo de integração não é um problema isolado na operação do Walmart no Brasil. Segundo executivos de mercado e profissionais da própria empresa, é consequência de um truncado modelo de gestão que tem prejudicado seus resultados e tornado o processo decisório moroso — um pecado fatal num setor como o varejo.

Maior rede de varejo do mundo, com faturamento de quase 480 bilhões de dólares, o Walmart não divulga números divididos por país, mas executivos que têm acesso aos dados dizem que a companhia deu prejuízo no Brasil de 2009 a 2013. Além disso, suas receitas vêm crescendo menos do que as dos principais concorrentes, e o total de vendas por funcionário é menor.

A origem das dificuldades, segundo esses executivos, são as desavenças entre o comando no Brasil e a matriz do Walmart. Os dois lados levaram quase uma década para decidir que sistema de tecnologia usar nas lojas — o americano original, o americano com modificações para se adaptar ao nosso sistema tributário ou os sistemas que já funcionavam nas redes brasileiras compradas.

É uma discussão que, de tão dura, já resultou na degola de um presidente: uma das razões da saída de Marcos Samaha, que antecedeu Loureiro na presidência da subsidiária, foi defender a adoção de uma tecnologia local. A matriz acabou desenvolvendo uma adaptação do software para o país, que ficou disponível em outubro.

Só então passou a ser possível medir a rentabilidade de cada loja de forma padronizada e repor estoques com agilidade. Por e-mail, a empresa afirmou estar simplificando sua operação no Brasil. “Com uma operação mais eficiente, a companhia estará preparada para um crescimento mais sustentável nos próximos anos.” 

Sem ser mais eficiente, o Walmart dificilmente vai conseguir implementar aqui seu modelo mundial, conhecido como “preço baixo todo dia”. Outras redes adotam o padrão high-low, em que alguns produtos-chave entram em promoção temporária para atrair os consumidores às lojas.

A empresa  anunciou que seguiria o padrão mundial em 2011, mas o próprio Loureiro admitiu, em conversas com fornecedores, que a política nunca foi levada a sério. O modelo era negociar a redução de preços com fornecedores comprando quantidades maiores ou deixando de cobrar deles para expor seus produtos em destaque nas gôndolas.

A premissa do modelo americano é que os preços sejam sempre os mesmos, mais baixos que os da concorrência e sem oscilações repentinas.

Só que, no Brasil, o Walmart desistia sempre que surgia alguma dificuldade para vender: ou deixava de comprar o volume que havia combinado ou acabava aceitando o pagamento de fornecedores para desovar os estoques (prática comum na relação entre indústria e varejo).

Neste ano, a companhia voltou a negociar o “preço baixo todo dia” com os fornecedores — já tem acordos com as empresas de alimentos BRF, JBS Foods e Marfrig — e garantiu que vai manter o combinado. Outra dificuldade é barganhar preços com fornecedores sem ter, no Brasil, a escala que tem em países como Estados Unidos e México, onde é líder de mercado.

Uma forma de resolver isso tem sido fechar mais parcerias com as empresas que vendem para o Walmart no mundo, como as fabricantes de bens de consumo P&G e Unilever, e usar a escala da matriz para comprar mais barato. Esse formato deu certo no segmento de fraldas, por exemplo: a participação do Walmart nas vendas do mercado é de 23% (acima de sua média, de 16%). 

O Walmart abriu sua primeira loja no país em 1995 — e penou até acertar a oferta de produtos. Conseguiu virar o jogo em 2004 e 2005, depois de comprar o Bompreço e o Sonae. Mas criou novos problemas dois anos depois, quando perdeu a compra do Atacadão para o concorrente Carrefour.

Para crescer no segmento de atacado, decidiu expandir o Maxxi, bandeira do Sonae, mas nunca conseguiu concorrer com o Atacadão — segundo especialistas, a maioria de suas 64 lojas era mal localizada. EXAME apurou que Loureiro tentou vender a Maxxi (o Walmart nega), mas não conseguiu e resolveu reformular sua estratégia comercial.

Fechou as 15 lojas com os piores resultados e, em vez de competir diretamente com o Atacadão, vendendo para consumidores que buscam preços baixos, passou a priorizar pequenos comerciantes. 

Naturalmente, a sequência de prejuízos e a lentidão para tomar decisões difíceis acabaram instalando na empresa um clima de desânimo. Enquanto seus executivos recebem bônus baixos (quando recebem), no Pão de Açúcar houve quem ganhasse 23 salários de remuneração variável em 2013.

A empresa espera voltar a crescer no ano que vem. Nas apresentações globais de resultados, a cúpula do Walmart diz que o Brasil continua entre as prioridades de investimento. Mas a história recente mostra que investir é a parte mais fácil, sobretudo para uma empresa do tamanho do Walmart. O difícil mesmo tem sido fazer o dinheiro investido voltar.

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