Jefferson de Paula, CEO da ArcelorMittal (Leandro Fonseca/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 19 de dezembro de 2024 às 06h00.
Uma das maiores siderúrgicas do mundo, a ArcelorMittal deu um voto de confiança às oportunidades da economia brasileira. Maior fabricante de aço do país, com 42% da produção, a companhia está implementando um dos maiores planos de investimento no Brasil, com 25 bilhões de reais a serem aportados entre 2022 e 2026.
Quase 12 bilhões de reais foram desembolsados em 2023 na compra da Companhia Siderúrgica do Pecém, numa transação transformacional que abriu as portas para os mercados do Norte e Nordeste, onde há um hub importante de energia limpa.
A aposta em renováveis é também grande parte do plano, com quase 6 bilhões de reais investidos em plantas de energia solar e eólica — ampliando uma vantagem competitiva do aço brasileiro, além de reduzir gastos com uma das principais linhas de custo da indústria.
Apesar do potencial do Brasil em energia verde, o CEO Jefferson de Paula ressalta que a ascensão do protecionismo no mundo — reforçada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos — é um complicador para a competitividade do país no xadrez mundial. “Exportar esse potencial verde não é tão trivial, porque o protecionismo vai ser cada vez mais forte. A globalização ficou para trás”, afirma.
Além de enxergar a necessidade de mais tarifas de importação no Brasil para conter a enxurrada de aço chinês, o executivo também se mostra preocupado com o cenário fiscal. Neste ano, os investimentos em infraestrutura estão batendo recordes, e o consumo de aço no país cresce 10%, mas a grande questão é a sustentabilidade desse movimento.
“O governo tem de manter as contas em dia para preservar o crescimento sustentável. O pico de consumo de aço no Brasil foi em 2013. Até hoje não voltamos àquele patamar.”
A ArcelorMittal está em meio a um período de investimentos relevante no Brasil. Por que neste momento?
O Brasil tem um déficit enorme de infraestrutura. Para repor a depreciação, teríamos de investir 2% ou mais do PIB, e temos investido em torno de 1% nas últimas décadas. Ou seja, não investimos nem para manter o que temos. É um problema, mas claramente é também uma oportunidade. Nos últimos 40 anos, o consumo per capita de aço no Brasil cresceu apenas 11%, para 110 quilos por habitante. Para ter ideia, é menos do que a metade da média mundial, de 223 quilos.
Dito isso, acreditamos no crescimento do Brasil: compramos uma empresa, estamos investindo em produtos com alto valor agregado, em redução de custo e em energia renovável. Mas estamos considerando que o Brasil vai crescer 2%, 2,5%, de forma consistente. Se isso não acontecer, não vamos recuperar todo o dinheiro.
Os investimentos em infraestrutura cresceram 11% neste ano e devem bater recorde. Estamos em um novo patamar?
Investimos a médio e longo prazo. O grande problema é que o Brasil tem um crescimento errático. Neste ano, o investimento em infraestrutura deve crescer 11%, mas não é normal acontecer. A infraestrutura deve bater 1,9% do PIB. Já é um número razoável, dá para manter nossa infraestrutura. Mas para sair dos 2% para os 5%, que seria o ideal para sermos mais competitivos, o ponto principal é quanto custa o financiamento e se o Brasil vai continuar a crescer 2%, 3% ao ano. O mercado já está prevendo que a Selic vai chegar a 15%. Se chegar a esse patamar, será muito difícil viabilizar um projeto [de infraestrutura].
O Brasil está crescendo, mas a questão fiscal voltou a ser uma grande preocupação. Como o senhor tem avaliado o cenário?
O plano que o governo lançou para redução de gastos tem coisas boas, mas há pontos ruins. E a comunicação foi falha, gerou uma expectativa muito ruim. Com isso, os juros futuros estão muito altos. O mercado funciona pela confiança. E a grande questão agora é se o Brasil vai continuar crescendo de forma sustentável, e se os juros vão ser razoáveis.
A ArcelorMittal acredita que o governo vai atuar, que nós vamos ter crescimento sustentável entre 2% e 3%, que o consumo de aço vai crescer 3%, 4% de forma sustentável. Mas, para que isso aconteça e a infraestrutura prospere, deve haver controle das contas públicas.
O último recorde que tivemos de investimento em infraestrutura foi em 2014. Depois caiu, porque a economia não se sustentou. Corremos o risco de ver uma situação parecida agora se o governo não agir?
Eu acho que sim. Se o governo continuar a não controlar as despesas, uma hora vai estourar e nós vamos pagar a conta. Os juros vão aumentar muito, o mercado vai se contrair, o governo não tem capacidade de investimento e voltaremos ao que foi antes. Hoje, o PIB do Brasil está crescendo 3,2%, o consumo de aço, aumentando 10%, mas todo mundo está preocupado: o governo tem de manter as contas em dia para preservar o crescimento sustentável. O pico de consumo de aço no Brasil aconteceu em 2013. Até hoje não voltou àquele patamar.
A competição com produtos chineses foi um grande tema para a indústria de aço nacional. O governo colocou um imposto de 25% sobre alguns produtos. Isso melhorou o cenário?
Melhorou, mas não resolveu. Fizemos um acordo para diminuir a importação de aço. Só diminuiu o crescimento. De 2022 para 2023, a importação de aço da China aumentou 50%. Neste ano está aumentando 26% — só que em cima dessa base já 50% maior. Tivemos reuniões recentes com o governo e estamos mostrando que precisamos de outra forma de conter essa importação. Até porque Donald Trump já disse que vai colocar 60% de imposto de importação da China. E se a China perder esse mercado, ela vai para onde?
E existe outro ponto: a importação não acontece somente na forma de produto bruto. Ocorre na forma de produtos acabados. As indústrias que são nossos clientes, como de máquinas e equipamentos e automotiva, também estão enfrentando muita competição. A importação de aço da China está somando 5,5 milhões de toneladas por ano. E há mais 5 milhões de aço indireto, contido nas importações. São mais de 10 milhões de toneladas. E o consumo aparente de aço neste ano vai ser de 22 milhões no Brasil. Só no aço direto, dá quase 20% do mercado.
A aquisição da Siderúrgica do Pecém foi transformacional para a ArcelorMittal no Brasil. Qual é a estratégia?
Primeiro, foi comprar uma planta moderna, com capacidade para 3 milhões de toneladas, podendo chegar a 5 milhões com alguns investimentos. Ela está no Nordeste, onde não tínhamos operações e a 10 quilômetros do porto, por onde podemos exportar. A partir dali, vamos exportar para o grupo, que precisa de placas semiacabadas para laminações nos Estados Unidos, na Europa e no Canadá.
A segunda parte é que é uma planta na qual podemos produzir aço verde no futuro. Por lá existe uma base importante de energia elétrica renovável, há estudos na região para desenvolver um hub de hidrogênio verde. No futuro, poderemos instalar laminadores de planos e longos para abastecer o Norte e o Nordeste e também o norte da América do Sul e a América Central. Estamos estudando essa segunda parte dos investimentos. Mas isso vai depender de o Brasil crescer.
Olhando o panorama mundial, por um lado há uma tendência de descarbonização, de maior demanda por produtos com menor conteúdo de carbono, o que em tese é uma vantagem para o Brasil. Por outro, temos visto cada vez mais iniciativas de proteção de mercado. Onde se posiciona o aço brasileiro nesse xadrez?
O Brasil tem potencial gigantesco para ser um país com economia verde. Tem biocombustível, tem energia renovável. Exportar esse potencial verde não é tão trivial, porque vejo que o protecionismo vai ser cada vez mais forte. A globalização ficou para trás. Cada vez mais a Europa vai cuidar do quintal dela, a China vai querer exportar. É uma disputa desleal. Temos números que mostram que a grande maioria das siderúrgicas chinesas opera com Ebitda negativo.
Falamos dos problemas e da ineficiência do Brasil. Mas a unidade brasileira representa cerca de 12% da produção da ArcelorMittal global e 25% do Ebitda. Ou seja, é mais rentável e eficiente que a média. De onde vem essa vantagem?
Primeiro, porque produzimos aço de alto valor agregado, que tem um preço melhor. E trabalhamos muito para reduzir nosso custo e melhorar a performance. Somos o maior recolhedor de sucata [de aço] do Brasil, e conseguimos comprar sucata mais barato.
Em Monlevade, em Minas Gerais, que é a única planta que usa minério de ferro, e não sucata, como matéria-prima, a unidade fica a 10 quilômetros de uma mina que garante 100% do abastecimento. E a sucata e o minério representam de 60% a 70% do nosso custo. Isso nos dá uma vantagem de custo baixo. Além disso, investimos muito em pessoas, tecnologia, inovação. Na ArcelorMittal Brasil, somos benchmark mundial para 76% dos indicadores de performance mais importantes de uma siderúrgica.
Como líder de uma empresa que está investindo muito no Brasil, qual é o recado que você daria para o governo em 2025?
O mais importante: cuide das contas. O fiscal é a base de tudo. Se a gente não tiver o fiscal controlado, todas as outras coisas se complicarão. Segundo, precisamos de estabilidade. Infraestrutura é um investimento de 20, 30 anos. As regras têm de estar claras. Os sustos que levamos são um problema de quem investe no longo prazo. Fatores como economia de mercado, esses planos de concessões e parcerias público-privadas são muito importantes. Mas tudo volta para o fiscal. Se temos as contas controladas, se as regras do jogo são seguidas, o Brasil tem muita oportunidade. O restante é consequência.