Revista Exame

Por que o Brasil não decola?

A confiança está em alta, mas os indicadores econômicos do país não avançam. O descolamento é resultado das grandes incertezas que ainda pairam no ar

Shopping em São Paulo: o ânimo dos empresários voltou no começo do ano passado | Rubens Cavallari/Folhapress

Shopping em São Paulo: o ânimo dos empresários voltou no começo do ano passado | Rubens Cavallari/Folhapress

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Da Redação

Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h54.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 11h15.

Na estimativa mensal do Banco Central, o aumento de renda do trimestre passado não diferiu significativamente do crescimento populacional. Mantida a marcha atual, demoraremos quase uma década para recuperar o nível de produção registrado antes da recessão. Imaginava-se, no início de 2018, que a esta altura do campeonato estaríamos crescendo uns 3% ao ano. O lapso entre expectativa e realidade equivale a cerca de 120 bilhões reais — uma quantia considerável. Para aquilatá-la, basta considerar que o custo anual da corrupção tem a mesma ordem de grandeza.

Nossa nação pode ser criticada de várias maneiras, mas roubar é uma aptidão que temos aprimorado com afinco desde a visita do primeiro português. O desempenho ordinário surpreende porque, em tese, o maior obstáculo à retomada do crescimento foi removido após o impedimento da presidente eleita em 2014. As taxas de juro estão relativamente baixas, o crédito flui satisfatoriamente e o mundo cresce de forma aceitável. Com esse pano de fundo, a economia deveria estar indo melhor. Afinal, por que não decolamos?

As decepções recentes podem, em parte, ser explicadas pelo efeito perverso de perturbações atípicas. A greve dos caminhoneiros, por exemplo, causou prejuízos bilionários no segundo trimestre do ano passado. A economia argentina mergulhou em uma recessão profunda, comprometendo o desempenho da indústria automotiva — os hermanos compram a maioria dos veículos que exportamos. A produtividade costuma cair em Copas do Mundo e por aí vai.

Eventos como esses atrapalham, mas a razão fundamental por trás da lerdeza econômica é a falta de confiança dos agentes. O humor das famílias e dos empresários, em média, apresentou melhora de meados de 2016 ao início do ano passado. Dizia-se que a sociedade havia amadurecido e que um retorno à insensatez seria impensável. O candidato preferido do mercado venceria a eleição com facilidade, e a partir daí seria só alegria. Esse cenário róseo não comemorou a Páscoa. A eleição migrou para os extremos, a cautela e o pessimismo voltaram e a economia entrou novamente em modo de espera, de onde não saiu até agora.

A vitória coube a um candidato polêmico, inovador em vários aspectos, mas que, felizmente, promete dar continuidade às terapias convencionais do ex-presidente Michel Temer em matéria de economia. Como não poderia deixar de ser, o alívio de ter escapado por um triz de um retrocesso à visão de mundo que causou a crise foi acompanhado de recuperação da confiança. De fato, os indicadores disponíveis sugerem que o ânimo voltou a ser o que era no início do ano passado. A pergunta que não quer calar é saber por que a recuperação paulatina da confiança desde o desfecho das eleições não tem sido acompanhada de retomada da economia brasileira?

Talvez seja apenas uma questão de tempo, vai saber? Se não for, uma hipótese alternativa é que, apesar da melhora da confiança apoiada em uma crença de que as coisas se ajeitarão, prevalece ainda um ambiente de grande incerteza. O futuro deve ser bom, mas tudo pode acontecer. O busílis é que confiar diante de grande incerteza equivale a agir como torcedor, não como analista. Se for assim, a melhora do sentimento registrada nas pesquisas com consumidores e empresários pode não se materializar com a mesma força observada em outros ciclos.

A Fundação Getulio Vargas computa mensalmente um indicador que procura medir a incerteza existente na economia. Refiro-me ao Índice de Incerteza Econômica – Brasil, doravante apenas “incerteza”. Nos períodos de calmaria, o barômetro oscila entre 90 e 100, como entre 2004 e meados de 2008. As fases turbulentas são associadas a leituras acima de 100. No rebuliço que antecedeu as eleições de 2002 e no início da crise financeira de 2008, a incerteza chegou a ultrapassar 130. Existe alguma coerência entre os indicadores de confiança e de incerteza, mas ela está muito longe de ser perfeita, sugerindo que os índices medem de fato coisas distintas.

Em particular, é interessante observar que o grande ciclo de retomada da confiança iniciado em 2016 não foi acompanhado de redução proporcional da incerteza. Esta se encontra em patamar relativamente elevado desde 2015 e, atualmente, tem girado um pouco acima de 110. Os detalhes de algumas medidas de confiança revelam agentes otimistas com o futuro e relativamente cautelosos com o presente — na verdade, alguns registros mostram que a distância entre essas percepções nunca esteve tão elevada. Ou seja, transformamo-nos em torcedores confiantes que vivem uma realidade pouco animadora e que enxergam um leque de possibilidades para o futuro que vai do Tártaro ao Elísio.

Bloqueio em rodovia do Rio Grande do Sul: a greve dos caminhoneiros causou prejuízos bilionários no segundo trimestre do ano passado | Flávio Neves/Futura Press

É simples verificar que as medidas de confiança e de incerteza se complementam para explicar estatisticamente o tamanho da última recessão — medindo-a pela distância entre o que o país está produzindo e uma estimativa de quanto poderia produzir em condições normais de temperatura e pressão. A evidência sugere que, de fato, a manutenção da incerteza econômica em patamar relativamente elevado diminui o brilho dos indicadores de confiança como balizadores da atividade econômica contemporânea.

Ressalvando que cálculos desse tipo envolvem hipóteses contestáveis, os dados indicam que as normalizações estimadas da confiança e da incerteza produziriam efeito sobre o crescimento econômico significativamente maior do que no caso de retomada apenas da confiança com manutenção da incerteza em patamar elevado (como está acontecendo). A diferença acumulada em um ano entre os dois cenários pode ser de algo entre 1,5 e 2 pontos percentuais do PIB.

Há times de futebol ganhadores e perdedores. A torcida de todos costuma cantar e vibrar, mas os surtos de confiança do primeiro grupo refletem mais a realidade do que os do segundo. A irracionalidade de um torcedor que aposta no Ibis Sport Club em um eventual confronto com o Real Madrid não pode ir além de uma caixa de cerveja. É possível que esteja ocorrendo algo parecido com a economia: há o desejo de acreditar, mas não dá para sentir firmeza, e quem não sente firmeza não se aventura. Infelizmente, sem gente querendo correr riscos não há crescimento econômico.

Explicar o comportamento dissonante da confiança e da incerteza é a parte menos difícil. A confiança está em alta porque o time que comanda a economia é competente e trabalha com os diagnósticos corretos. A proposta de reforma da Previdência apresentada é um passo importante para reduzir desigualdades e colocar o Brasil novamente nos trilhos. Mas, evidentemente, ela tem de ser aprovada, e aí é que mora o perigo.

Não dá por enquanto para ter segurança sobre o empenho do governo em emplacar as mudanças e, ainda, da convicção de membros importantes da ala política em relação à própria necessidade das reformas. Além disso, ninguém é capaz de responder como será possível encaminhar temas tão polêmicos com tanto amadorismo, improvisos e descoordenação. Tudo pode acontecer e, quando é assim, a economia patina. 


*Celso Toledo é doutor em economia e diretor da LCA Consultores

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