Revista Exame

A USP pode - e deve - sonhar com a elite das universidades

Em dois anos, a Universidade de São Paulo subiu 74 postos no ranking das melhores do mundo — em 158º lugar, é a única brasileira entre as 200. Agora A USP precisa ambicionar mais

Tecnologia naval: o laboratório da Escola Politécnica da USP é de última geração (Cláudio Gatti/EXAME.com)

Tecnologia naval: o laboratório da Escola Politécnica da USP é de última geração (Cláudio Gatti/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2012 às 09h39.

São Paulo - Uma das principais fontes do orgulho nacional americano é o alto padrão de suas universidades. Trata-se de uma devoção antiga. Dezesseis anos após chegar à região de Boston, na Costa Leste dos Estados Unidos, colonos ingleses criaram o embrião da primeira universidade do país.

Com doações, inclusive dos livros da biblioteca pessoal do pastor John Harvard, a instituição começou a funcionar em 1636 — depois adotaria o nome do padrinho. A semente germinou, e hoje nenhum país tem tantas escolas superiores de qualidade quanto os Estados Unidos.

São americanas sete das dez melhores no ranking mundial. Essa proliferação foi fundamental para o sucesso da economia americana, a mais produtiva e inovadora no mundo, mesmo com a crise atual. 

Hoje, o conhecimento produzido em áreas como Boston, onde há mais de 100 instituições de ensino superior — entre elas, além de Harvard, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) —, é ainda mais importante do que há 380 anos. “Ter universidades de excelência é a chave para o sucesso a longo prazo na economia baseada no conhecimento”, diz Philip Altbach, diretor do Centro Internacional de Ensino Superior da Universidade Boston College.

O Brasil somente em 1808 iniciou o ensino de medicina e demorou mais 100 anos para formar a primeira universidade: a atual Federal do Rio de Janeiro, criada em 1920. O resultado do descaso histórico é que hoje o país tem apenas uma universidade entre as 200 melhores do mundo.

Felizmente, essa instituição, a Universidade de São Paulo, parece ter iniciado uma escalada para galgar posições mais elevadas, como mostra seu desempenho nos mais recentes rankings­ globais. Falta ao Brasil que esse exemplo seja multiplicado.

“Embora os rankings não mensurem precisamente as conquistas da educação superior brasileira, eles são importantes porque impulsionam o país­ a assumir mais seriamente um papel nesse campo”, diz Altbach. De acordo com ele, no cenário brasileiro, a Universidade de Campinas é o único outro exemplo de instituição que está buscando um status internacional com maior produtividade acadêmica.

A USP subiu 74 posições nos últimos dois anos e aparece agora em 158o lugar no Times Higher Education (THE), o mais respeitado dos rankings globais. É a única latino-americana entre as 200 da lista. “A USP é uma estrela ascendente na educação superior mundial”, diz Phil Baty, editor do THE. 

“Ela tem núcleos de excelência, em particular na área de biomédicas, na qual sua produção de pesquisa é de classe mundial.” Há quem discuta as metodologias usadas para fazer os rankings, mas o fato é que eles servem de termômetro para a qualidade do ensino. E a USP tem melhorado suas colocações em todos eles. “As posições que alcançamos nos ran­kings mostram que as políticas adotadas recentemente estão dando certo”, diz João Grandino Rodas, reitor da USP há dois anos.


O principal motivo da arrancada é o aumento do investimento em pesquisa, contrariando a tradição limitada do Brasil na produção científica. O desempenho nesse critério levou nota 6,5 do THE, numa escala que vai de zero a 10. O número de trabalhos dobrou em sete anos.

Para reforçar a área, em 2010 a reitoria criou um novo programa de apoio à pesquisa. Desde então, 146 milhões de reais foram investidos em 118 projetos. “Esse reforço, que sai de nosso próprio orçamento, permite um salto na produção científica”, diz Marco Antônio Zago, pró-reitor de pesquisa.

O segundo critério do ranking é o ambiente de ensino. O indicador, com nota 6,3, avalia a reputação dos professores. A USP tem tradição na formação de docentes. É a instituição que mais forma doutores no mundo, uma média de 2 200 por ano, segundo o Centro de Universidades de Classe Mundial de Xangai.

No indicador de capacidade de inovação, a USP ganhou apenas nota 4, mas também progrediu. Em 2011, encaminhou 96 pedidos de registro de patentes, 23 a mais que no ano anterior. Dois movimentos vão ampliar em breve o diálogo entre universidade e mercado — uma carência generalizada no meio acadêmico brasileiro.

O curso de engenharia do petróleo foi transferido para o novo campus em Santos. E a unidade da USP em Ribeirão Preto venceu uma concorrência para receber o polo tecnológico da cidade. A nota mais baixa ocorreu no quesito diversidade internacional, com 2,4 pontos.

O intercâmbio de professores é modesto — e o português acaba sendo uma barreira. O número de estudantes no exterior também é pequeno perto do total de 57 900 matriculados. Há 1 190 alunos de graduação em outros países.

Neste ano, 311 alunos da USP receberam bolsas do programa federal Ciências Sem Fronteiras para estudar fora. Outras 1 000 estão sendo distribuídas por um novo projeto da universidade.

Uma razão para o destaque da USP é o suporte financeiro. A Constituição paulista determina que 10% do valor arrecadado com o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços seja destinado às três universidades estaduais: USP, Unicamp e Unesp. Maior e mais antiga entre elas, a USP fica com metade do repassse.

Com o aumento da arrecadação nos últimos anos, o orçamento encorpou. Em 2011, 3,7 bilhões de reais foram repassados aos cofres da instituição, 30% mais que em 2009. A cifra está longe do orçamento anual de Harvard, na casa dos 25 bilhões de dólares, mas é superior aos 557 milhões de dólares que teve o Instituto de Tecnologia da Califórnia, primeiro colocado no novo ranking do THE. 

É bem verdade que o Caltech, como é chamado o instituto californiano, conta com o benefício de ter um laboratório da Nasa, irrigado com 1,5 bilhão de dólares pela agência espacial americana. É também uma universidade menor do que a USP. Mas as diferenças mais importantes na questão do orçamento não são de valores.


Uma vantagem que as instituições americanas têm é contar com doações de particulares, como os chamados fundos de endowment. As doações representam 26% da verba do Caltech neste ano. Na USP, de um ano para cá surgiram os dois primeiros fundos de endow­ment brasileiros, ambos para ajudar a Escola Politécnica.

Há ainda mais uma diferença significativa. Nas universidades americanas, alunos pagam mensalidades — os carentes estudam com bolsa. No sistema público brasileiro, o ensino é gratuito, mesmo em instituições como a USP, em que predominam estudantes das classes média e alta. No Caltech, 6% da receita provém do que os alunos pagam.

Barreiras à qualidade

Apesar dos avanços, a USP enfrenta situações inimagináveis numa universidade de elite: violência no campus, degradação de prédios, salas de aula lotadas ou sem professores. É comum as divergências entre reitoria, professores, funcionários e alunos culminarem em greves. Nos últimos 12 anos, os docentes ficaram paralisados cerca de 200 dias, o equivalente a um ano letivo. Os servidores, 320 dias.

Outra grande barreira é a gestão morosa. Em novembro de 2010, a reitoria enviou ao governo paulista um pedido de abertura de vagas para docente. Só um ano e sete meses depois, as faculdades foram autorizadas a abrir concurso público. A questão é grave porque 18% dos professores têm entre 60 e 69 anos e podem se aposentar a qualquer momento.

“A USP tem um padrão bom de qualidade, mas sua dinâmica ainda é pesada e lenta para torná-la um polo de atração internacional”, diz Simon Schwartzman, membro da Academia Brasileira de Ciências. Os baixos salários afastam bons profissionais, que optam por uma carreira no mercado.

Um professor novato com regime de dedicação integral ganha 2 750 reais por mês, um terço do que se paga em uma universidade nos Estados Unidos. “Os índices alcançados pela USP nos rankings representam uma média, mas não toda a realidade da universidade”, diz o reitor Rodas. “Temos muito a melhorar.” O caminho para a USP conquistar uma qualidade de ensino semelhante à das melhores instituições superiores do mundo é longo. Para as outras universidades brasileiras, mais ainda.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1026EducaçãoEducação no BrasilEnsino superiorFaculdades e universidadesUSP

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame