Revista Exame

A ALL, uma sensação em logística, perdeu o encanto?

Expulsa da Argentina, em guerra com clientes e sofrendo uma debandada de altos executivos. Após anos de bons resultados, a empresa de logística ALL vive dias conturbados


	Trem da ALL: a empresa perdeu três presidentes em três anos para o fundo 3G, de Jorge Paulo Lemann
 (Divulgação/EXAME.com)

Trem da ALL: a empresa perdeu três presidentes em três anos para o fundo 3G, de Jorge Paulo Lemann (Divulgação/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2013 às 22h36.

São Paulo - A América Latina Logística, ou ALL, sempre foi vista como um oásis de eficiência em meio à tenebrosa logística brasileira. Criada com a aquisição de ferrovias estatais, em 1997, a concessionária seguiu à risca a receita de seus idealizadores, os investidores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

Nos últimos dez anos, a ALL cresceu mais de quatro vezes e multiplicou seu lucro por 23. Os resultados de 2012 fizeram com que sua subsidiária no norte do país fosse eleita a melhor empresa de transporte do anuário MELHORES E MAIORES, de EXAME.­ Mas, após obter resultados financeiros invejáveis, a ALL enfrenta um momento difícil.

Nos últimos meses, trocou duas vezes de comando, passou a enfrentar reclamações de clientes e se viu às voltas com uma ferrenha discussão entre seus acionistas. 

Até a maior fortaleza da ALL, a eficiência, começa agora a ser questionada. No dia 4 de junho, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou a cassação das concessões de ferrovias da ALL no país por falta de investimentos. Segundo o governo argentino, trechos das ferrovias estavam abandonados e malconservados.

A ALL afirma que a operação dava prejuízo e que já estudava sua venda. No Brasil, as queixas vêm de clientes. No início de julho, a Agrovia, operadora logística paulista que usa os trilhos da ALL, levou a companhia a um tribunal de arbitragem. Assim como outros clientes do setor, como a Copersucar e a Rumo, braço de logística da empresa de energia Cosan, a Agrovia acusa a ALL de descumprir contrato.

Essas empresas se queixam de que parte de suas cargas de açúcar não está sendo transportada, apesar de terem feito investimentos em vagões e ferrovias da ALL em troca de contratos de frete de longo prazo. Para compensá-las, a ALL paga multas previstas em contrato. Mas as empresas reclamam que a multa, que serviria para cobrir eventualidades, virou regra desde mea­dos do ano passado.

Com isso, dizem as empresas, fica impossível programar seu transporte, o que leva ao risco de perder clientes. Segundo o processo movido pela Agrovia, a ALL está usando os vagões que deveriam transportar seu açúcar para levar soja e milho — com a safra recorde no Centro-Oeste, os produtores estão pagando duas vezes mais que as empresas de açúcar pelo frete.

Em nota, a ALL afirma que cumpre suas obrigações com os clientes, não prioriza outras cargas e que o volume de açúcar transportado aumentou mais de três vezes em quatro anos.

Como a ALL tem a concessão de um monopólio e faz jogo duro nas negociações, é natural que haja clientes insatisfeitos. O problema é que os dados mais abrangentes indicam que a qualidade dos serviços prestados pela empresa tem realmente caído. Estatísticas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostram que os trens da empresa rodam cada vez mais devagar na maior parte de suas linhas.


No pior caso, a velocidade média caiu de 33 para 10 quilômetros por hora nos últimos cinco anos. Segundo a agência, a causa é a falta de manutenção. Clientes insatisfeitos, que pedem para não ter o nome revelado, acusam a ALL de levar a política de cortes de custos além dos limites saudáveis.

Quando assumiu as ferrovias estatais, a companhia inovou ao importar locomotivas usadas e adaptá-las aos trilhos brasileiros. Pagava um décimo do valor de uma máquina nova. Mas, ao longo dos anos, passou também a usar madeira mais barata nos dormentes dos trilhos, que acabavam estragando mais rápido.

“A falta de investimento tornou o transporte pelas ferrovias da ALL menos confiável. Alguns produtores já preferem usar caminhões”, afirma Nilson Camargo, especialista em logística da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, que no ano passado levou à ANTT um estudo para questionar as tarifas da ALL.

“A qualidade do serviço é insatisfatória, o transporte atrasa e os preços são altos. Mas estamos negociando com a empresa”, diz Renato Araújo, diretor técnico da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga.

A ALL afirma que já investiu 7 bilhões de reais para recuperar ferrovias que estavam sucateadas, que sua velocidade está dentro da média e que a capacidade de transporte quadruplicou desde que assumiu a concessão — enquanto os acidentes nas linhas caíram 80%.

Migração de executivos

As críticas ao serviço prestado chegam enquanto a empresa passa por um curioso entra e sai de presidentes. Nos últimos três anos, a ALL tem servido de celeiro de executivos para o fundo 3G, de Lemann e seus sócios Telles e Sicupira — investidores que não fazem mais parte do bloco de controle da empresa. Três presidentes seguiram esse caminho nos últimos três anos.

Bernardo Hees, em 2010, Paulo Basílio, em 2012, e, em junho, Eduardo Pelleissone, que só havia ficado 11 meses no cargo. Ele se tornou braço direito de Hees no comando da empresa de alimentos Heinz, comprada pelo 3G em fevereiro. Em seu lugar, assumiu o carioca Alexandre Santoro. Segundo a ALL, o movimento de executivos é normal.


Em seu primeiro mês no posto, Santoro se reuniu com os clientes e tem falado semanalmente com os diretores da ANTT, para tratar, entre outros temas, de um cronograma de investimentos. A ALL é recordista de multas na agência, com 80 autuações por falta de manutenção das linhas (a empresa diz ser natural ter o maior número de multas, já que é a maior do setor).

Uma das grandes apostas de Santoro para melhorar o desempenho é a inauguração, em agosto, de um complexo logístico em Rondonópolis, em Mato Grosso, que recebeu 700 milhões de reais de investimento. 

Para tornar a vida de Santoro um pouco mais complicada, os acionistas da ALL não se entendem sobre o futuro da empresa. Em fevereiro de 2012, a Cosan, do empresário Rubens Ometto, fez uma oferta pelas ações dos empresários Wilson de Lara e Riccardo Arduini. Ometto pretende se tornar o maior acionista do bloco de controle e mandar na empresa. Mas sócios como o BNDES e os fundos de pensão Previ e Funcef resistem em aceitá-lo.

O maior motivo: a Cosan controla a empresa de logística Rumo, cliente da ALL e responsável por 5% de sua receita. Como tem 75% da Rumo e teria cerca de 6% da ALL, Ometto poderia prejudicar a segunda em favor da primeira. A Cosan, por sua vez, pressiona com o argumento de que a ALL precisa de um aumento de capital de 2 bilhões de reais para se tornar mais eficiente e que, além dela, ninguém estaria disposto a bancar o aporte.

Desde 2010, as ações da ALL caíram quase 50%. Não há indício de que os acionistas e a Cosan se entenderão em breve sobre o tema, vital para o futuro da ALL. Nesse caso, o trem está parado.

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