Zimbalist: é impossível gerir bem o legado se os equipamentos não são úteis para a população (Steven Senne/AP)
Rafael Kato
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h55.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h18.
Professor de economia no Smith College, em Northampton, no estado de Massachusetts, o americano Andrew Zimbalist estuda desde os anos 90 as relações entre o esporte e a economia. Seus trabalhos mais recentes detalham como as cidades ao redor do globo têm prejuízos ao sediar uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo. Para ele, esses torneios se transformaram em “eventos de construção” que combinam cada vez menos com países democráticos. Pelo telefone, Zimbalist deu a seguinte entrevista.
Por que estourar o orçamento é um mal que os Jogos não conseguem evitar?
As razões pelas quais esses orçamentos são exorbitantes é que temos uma única empresa no ramo, que é o Comitê Olímpico Internacional. O COI vende o direito de sediar os Jogos. Não pertence a nenhum governo. E não está sujeito ao controle de nenhuma agência oficial. É, portanto, um monopólio não regulado que tem muito poder e exige das cidades-sede a construção de arenas de vilas, centros de mídia etc. Isso é o que está por trás da explosão do orçamento.
Se os Jogos fossem sempre numa mesma cidade ou houvesse um rodízio entre as que já sediaram, o custo cairia?
Usar como sede cidades que tiveram os eventos no passado não resolveria a questão. Se o Rio de Janeiro fosse participar de um rodízio, teria de esperar 20 ou 40 anos para sediar o evento novamente. O que a cidade faria com as instalações por todo esse tempo? Qual uso seria dado a toda essa área? Tudo teria de ser mantido de pé e funcionando plenamente. O que faria sentido é a escolha de uma cidade ou uma área e fazer a competição no mesmo lugar a cada quatro anos. Não há razão para mover a Olimpíada ao redor do globo.
Por que esse modelo de mover pelo mundo existe, então?
O modelo atual é de 1896, criado quando não havia comunicações internacionais nem aviões a jato. O único modo de levar os Jogos para todo o mundo era fazendo em lugares diferentes. Não é preciso mais fazer isso. Não faz sentido uma nova cidade gastar 15 bilhões ou 20 bilhões de dólares ou mais e dedicar milhares de metros quadrados de área urbana só para construir uma nova Shangri-Lá olímpica. A Olimpíada era para ser supostamente um evento esportivo, não um evento de construção. Mas virou um evento de construção em que empresas como a Odebrecht assumem as obras e os políticos corruptos se beneficiam.
Qual cidade seria a sede fixa?
Faria sentido escolher uma cidade como Los Angeles, que já tem todas as arenas. Não seria preciso construir nada. A cidade tem pelo menos um ou mais de um time profissional nos principais esportes americanos, além de duas universidades que são forças esportivas. A infraestrutura está pronta. Pegue uma cidade como essa e faça a cada quatro anos, assumindo, claro, que os cidadãos de Los Angeles queiram isso. Não se pode forçá-los.
Após os Jogos, a economia do Rio de Janeiro entrou em colapso. Sobram arenas com custo de manutenção alto. Qual é a melhor solução para elas?
Eu não quero dar conselhos ao Rio. Seria precipitado. O problema que o Rio sofre agora não é incomum. A extensão do problema é maior, mais severa do que em outros lugares, mas o problema básico é fácil de entender. A razão pela qual as cidades não têm essas arenas antes de sediar os Jogos é que não há uma demanda local suficiente para justificar a construção e a manutenção delas. Vá ao passado e veja a Copa do Mundo de 2014. Por que Manaus não tinha um estádio de futebol extravagante com capacidade para 40.000 pessoas? A razão é simples: Manaus tem um time de terceira divisão e 1.000 pessoas, em média, vão a seus jogos. O que ocorreu após a Copa? O estádio é subutilizado e é muito caro mantê-lo, além de pagar os 300 milhões de reais de custo da obra. A mesma coisa se dá com os Jogos. Essa é a razão pela qual não havia um estádio de pentatlo, nem 17.000 leitos na Vila Olímpica, nem um terceiro campo de golfe na Barra da Tijuca. Terminada a Olimpíada, a cidade fica com as arenas de que não precisa. Agora, de vez em quando, é possível identificar uma com potencial de ser usada. Claro, desde que bem gerida. A maioria delas, inevitavelmente, não é justificável.
Quais são os pré-requisitos para uma boa gestão do legado desses torneios?
A resposta é muito clara: não é possível ter uma boa gestão do legado se a cidade recebeu equipamentos que não são de uso da população local. Não importa quão inteligentes ou bem formados forem os gestores ou a forma particular da organização do comitê do legado. O plano por trás da Olimpíada é deficiente. É errado.
Cidadãos de Boston, Berna e Munique rejeitaram a proposta de sua cidade sediar a Olimpíada. Por quê?
Há muita publicidade por aí sobre orçamentos estourados. Há também mais estudos, e as pessoas estão lendo artigos em livros e revistas como EXAME. As pessoas também estão aprendendo sobre corrupção. O gasto com estádios, em vez de empregar o dinheiro em coisas mais úteis, que as pessoas precisam nas cidades, começa a sofrer uma objeção óbvia, sobretudo em países democráticos.
Isso quer dizer que sobrará cada vez mais para países não democráticos a sede dos grandes eventos? A Rússia fará a Copa do Mundo agora. Pequim terá os Jogos de Inverno de 2022.
É isso o que vai ocorrer. Haverá exceções, claro. Teremos Los Angeles em 2028 como sede da Olimpíada. Em 2024, Paris, que já enfrenta problemas com a expansão do metrô. Mas, com poucas exceções, veremos mais regimes totalitários e não democráticos apresentando sua candidatura.