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Opinião: Punição às construtoras envolvidas na Lava-Jato é inútil

Os atos de corrupção têm de ser punidos na pessoa dos acionistas e executivos envolvidos — e só aí

Negócio concreto (Thinkstock)

Negócio concreto (Thinkstock)

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J.R. Guzzo

Publicado em 23 de novembro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 23 de novembro de 2016 às 05h55.

São Paulo — O Brasil está caminhando distraidamente, como num passeio ao acaso, para acrescentar uma tragédia econômica desnecessária, caríssima e perfeitamente estúpida à coleção de desgraças políticas, morais e administrativas que vem acumulando nestes últimos anos como resultado da avalanche de corrupção que soterrou a máquina pública nacional.

Trata-se da destruição gradativa das grandes empresas de construção pesada do país que se envolveram em episódios de roubalheira em massa — enquanto seus donos e diretores vão sendo punidos na Justiça pelos crimes que praticaram, sua sobrevivência vai se tornando cada vez mais improvável. Seu caixa está em petição de miséria. Seus recursos financeiros são consumidos cada vez mais no pagamento de multas, indenizações e custas judiciais.

Têm dificuldade extrema para obter crédito ou mesmo para conseguir a liberação de financiamentos públicos destinados a obras cuja construção já contrataram. O valor de seu patrimônio desabou. Os ativos que têm para vender estão desvalorizados.

Pior que tudo, talvez: não estão conseguindo faturar mais — suas carteiras de encomendas para 2017, em muitos casos, estão zeradas. Essas empresas não recebem novas obras do setor público — e, sem dinheiro entrando no caixa, como vão pagar seus compromissos? A atitude predominante quanto à situação das grandes empreiteiras, até agora, tem sido dizer: “Problema delas”.

Para a maioria das vozes, tanto nas diversas esferas do governo como na opinião pública, o destino natural dessas empresas deve ser a vara das falências. Elas não roubaram? Pois então que quebrem. Para muita gente, sobretudo no setor judiciário, a coisa vai além — acham “justo”, e certamente desejável, que seja assim. Só que não é. Ao contrário: o desaparecimento de qualquer dessas empresas gigantes é um desastre para o país e para a população.

Os atos de corrupção têm de ser punidos na pessoa dos acionistas e executivos envolvidos no pagamento de propinas — e só aí. Como fazer diferente? Empresas não cometem crimes; não são seres orgânicos, não podem ir para a cadeia, não têm propriedades, não têm “dinheiro” para pagar multa nenhuma. Só existem através das pessoas — elas, sim, fisicamente, são as que realmente pagam por tudo, e só elas podem receber punições.

De mais a mais, a lei não exige que empresas cujos donos ou diretores cometeram atos de corrupção tenham de ir à falência; suas penas são destinadas unicamente a seres humanos. A questão se esgota aí: se os responsáveis são castigados pela Justiça, com perda da liberdade e de patrimônio pessoal, não há nenhuma razão para ir adiante e liquidar, também, as empresas que dirigiram.

Nesse caso, tudo o que se conseguirá é prejudicar gravemente os interesses de quem não praticou nenhum erro — e atender a sentimentos de vingança que só atrasam o país. Destruir as empreiteiras é destruir dezenas de milhares de empregos — e não empregos quaisquer, mas posições de engenheiros, técnicos, trabalhadores altamente especializados, um ativo econômico fundamental que levou anos para ser construído.

É jogar no lixo um imenso conjunto de conhecimentos na construção de usinas hidrelétricas, aeroportos, ferrovias e tudo o mais que possa haver em termos de engenharia de alto porte. É transformar equipamentos em sucata — e golpear inutilmente a capacidade brasileira de competir.

Enfim, para não ficar levando adiante os itens dessa lista, é especialmente ruinoso fechar empresas dessa envergadura num momento em que a economia brasileira está necessitando desesperadamente de crescimento, produção e investimento.

Quem, nisso tudo, ganha alguma coisa? Como é possível achar que algo de bom possa resultar da destruição de um patrimônio dessa grandeza? Tudo isso seria corretíssimo, por mais doloroso que fosse, se tivesse de ser feito para a aplicação da justiça. Mas não é. A justiça já está sendo aplicada às pessoas que cometeram crimes — seus únicos sujeitos. Extinguir as empresas é apenas inútil.

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