Marcelo Ambrizzi, um recém-chegado a Mato Grosso do Sul: em São Paulo, só usava cartão. Em Campo Grande, redescobriu o que é dinheiro (Alexis Prappas/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 4 de março de 2011 às 17h09.
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Até agosto do ano passado, Marcelo Ambrizzi, o paulista de 27 anos que aparece na foto ao lado, mal usava dinheiro e cheque. Quando ia a um restaurante ou loja em São Paulo, sempre pagava a conta com cartão de crédito. "Eu não sabia o que era dinheiro", diz o químico com especialização em administração de empresas. Quando se mudou para Campo Grande, há nove meses, Ambrizzi encontrou uma nova realidade.
Em vários restaurantes e postos de gasolina da capital sul-mato-grossense nenhum cartão de crédito é aceito. O próprio grupo que o contratou como gerente e motivou sua mudança de estado, o Alvorada, especializado em produtos agropecuários, só passou a aceitar cartões em suas seis lojas em outubro do ano passado. Aos olhos de um consumidor do Sudeste, aquilo pareceu um sinal de atraso econômico. Para empresas como Cielo e Redecard, as duas principais credenciadoras de cartões do país, é um cenário de sonho. Puxada pelo agronegócio, a economia da região cresce acima da média nacional de forma sistemática há 25 anos, uma pujança que só agora começa a se traduzir em negócios para as duas empresas. As "maquininhas" de cartões avançam como nunca nos estados do Centro-Oeste.
Em termos de faturamento, a região ainda representa cerca de um décimo do mercado do Sudeste e metade dos do Nordeste e do Sul. Os números mostram, no entanto, um processo de inserção das credenciadoras em ritmo acelerado. No ano passado, o número de estabelecimentos contratados pela Cielo, a líder, aumentou 26%. No caso da Redecard, a taxa foi de 27,5%. Mais máquinas se traduzem em mais operações: entre 2007 e 2009, o número de transações com cartões de crédito cresceu 41%, a maior taxa do país. "As credenciadoras já tinham feito um grande esforço de interiorização no estado de São Paulo e no Nordeste. Agora chegou a vez do Centro-Oeste", diz Ilnort Rueda Saldivar, diretor da subsidiária brasileira da empresa de consultoria A.T. Kearney.
Um dos casos mais recentes de sucesso do setor no Centro-Oeste é o Agrocard, uma linha de crédito pré-aprovada pelo Banco do Brasil que é acessada por meio de um cartão de débito com bandeira Visa. Lançado há dois anos em todo o país, o cartão encontrou um terreno fértil em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Os três estados foram responsáveis por 20% das vendas totais, de 4,6 bilhões de reais em 2009.
Na loja de máquinas e ferramentas Agroferragens Luizão, de Rondonópolis, em Mato Grosso, os vendedores dão preferência ao Agrocard graças à taxa de administração cobrada - em torno de 1%, ante os mais de 3% dos outros cartões. "A participação do cartão no nosso faturamento ainda é baixa, mas não para de crescer mês a mês", diz Robson Homem Moreira de Carvalho, um dos sócios da empresa. Por se tratar de um cartão voltado para o financiamento agrícola, o Agrocard tem entre suas peculiaridades gerar operações de valores muito altos. No ano passado, um único fazendeiro gastou 9 milhões de reais em uma concessionária de implementos e tratores.
Muito mais que grãos
Visto dos grandes centros urbanos do Sudeste, o Centro-Oeste parece se resumir a uma grande lavoura - e algumas estatísticas podem até reforçar essa impressão. O município de Sorriso, em Mato Grosso, é o maior produtor nacional de milho e soja. Das dez cidades que mais geram riqueza com a agricultura no Brasil, nove estão em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Mas é ilusão achar que tudo na região se resume ao campo. O Centro- Oeste é um dos mercados em que o consumo de iogurte mais cresce no país e tem a maior concentração de celulares para cada grupo de 100 habitantes.
O percentual da população que vive em área rural caiu de 63% em 1960 para 13% nos últimos anos - já é a segunda região mais urbanizada, atrás apenas do Sudeste. Some- se a isso a escolha de Brasília e Cuiabá como cidades-sede da Copa de 2014 e o quadro está dado para as empresas de cartões de crédito. "Do ponto de vista de expansão econômica, essa é a fronteira com maior potencial", diz Roberto Medeiros, presidente da Redecard.
Apesar do entusiasmo das credenciadoras, a marcha para o oeste terá de romper uma barreira cultural. Na loja de defensivos agrícolas Delta, na cidade goiana de Anápolis, que atende pequenos agricultores, um terminal de cartões foi colocado em cima do balcão no ano passado. Desde então, só uma compra foi feita ali. "Mesmo quem tem cartão prefere usar dinheiro ou cheque", diz Simone Lie Sugawara dos Santos, funcionária da loja. Longe dos grandes centros ainda resiste o centenário sistema da caderneta. O caso do hipermercado Hiper Moreira ilustra bem a evolução necessária no varejo para que as maquininhas avancem pelo Centro- Oeste.
Quando a empresa foi criada, em 1970, ainda como Mercearia Moreira, as despesas de muitos clientes eram anotadas num caderninho e pagas somente no início de cada mês. Em 1982, a mercearia virou um supermercado, mas manteve o arcaico sistema de pagamento. Foi somente na década de 90 que os cadernos saíram de cena. Uma das curiosidades dessa história é que o Hiper Moreira é um dos principais estabelecimentos comerciais de Goiânia. "Ainda hoje, nosso desafio é substituir não apenas os pagamentos em dinheiro e cheque mas também a venda fiada", diz Rômulo Dias, presidente da Cielo.
Para Cielo e Redecard, a estratégia de expansão em áreas ricas e pouco exploradas sempre foi crucial, mas se tornou mais urgente com o fim da exclusividade entre Cielo e Visa e Redecard e Mastercard. Nos mercados mais maduros, como o do Sudeste, a mudança deve representar alguma perda nos negócios por causa da desistência dos lojistas que hoje têm vínculo com as duas empresas. Por isso mesmo, crescer em novos mercados tornou-se mandatório.
"Nesse novo cenário, o Centro-Oeste deverá ser uma das principais fontes de crescimento das credenciadoras", diz Francisco Barone, coordenador do programa de acesso a crédito e meios de pagamento da FGV, no Rio de Janeiro. Ao longo das décadas, o desbravamento dos estados da região atraiu uma legião de empreendedores em busca de oportunidades. No rastro dos irmãos Villas-Boas, líderes da expedição Roncador-Xingu, pecuaristas, agricultores e empresários de todos os setores ocuparam o que hoje é Mato Grosso. Como mostra a movimentação recente, as credenciadoras de cartões chegaram à conclusão de que agora é a vez delas.