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Onde está a saída?

A Golden Cross está numa encruzilhada: ou supera a crise sozinha ou consegue parceiros

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h31.

O que, afinal, está acontecendo com a Golden Cross? Maior empresa brasileira de prestação de serviços de saúde, com 2,5 milhões de clientes, extensa rede de hospitais e uma das marcas mais fortes do mercado, a Golden Cross, nos últimos meses, vem dando demonstrações de pulso irregular e febre constante. Desde o início do ano, enfrenta dificuldades de caixa que a levaram a atrasar pagamentos e renegociar suas dívidas com médicos e fornecedores de serviços. Em julho, envolveu-se em um cabo-de-guerra com o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, que recomendou aos médicos associados não mais aceitar guias da empresa como pagamento de seus serviços. Para completar, seus dirigentes estão sendo acusados criminalmente por sonegação fiscal, em um processo movido pelo Ministério Público Federal.

A princípio, a Golden Cross teria tudo para estar indo muito bem. Foi a pioneira no Brasil do mercado de medicina de grupo e, de um pequeno escritório no centro do Rio de Janeiro, há 26 anos, transformou-se em um império de cinco empresas, 14 500 funcionários e 1,6 bilhão de dólares de faturamento em 1996. É a maior empresa do país no setor de planos de saúde e, em poucos anos, tornou-se a terceira seguradora do ramo de saúde, um dos que mais crescem no Brasil. (Para os usuários, as duas modalidades são muito parecidas. A diferença entre elas é que, enquanto o seguro-saúde é controlado pela Superintendência de Seguros Privados - Susep, os planos não sofrem nenhum tipo de fiscalização do governo.) Sua rede de vendas e assistência médica está espalhada por todo o país. Vistos por outro prisma, porém, são esses mesmos fatores que estão na origem dos seus problemas atuais. A Golden Cross tornou-se grande demais, tem sido lenta para mudar e não conseguiu se adaptar a uma economia de moeda estável e a um mercado cada vez mais competitivo. Diante do diagnóstico, seus dirigentes tentam, agora, um tratamento intensivo. "Vamos apertar o cinto de uma vez por todas", afirma Alberto Bulus, vice-presidente de marketing da Golden Cross.

Embate - O aperto foi protelado até o ponto em que não houve solução, a não ser tentar parcelar os débitos-em quatros meses ou em até 12 parcelas, no caso de grandes clínicas ou laboratórios. Ou adiá-los até o fim de agosto, pelo que foi oferecido aos médicos. Com a dívida sendo renegociada, o corte de custos tornou-se uma necessidade imperiosa. Como prestadora de serviços, a Golden Cross vive da intermediação entre os clientes, médicos e hospitais. Antes do Plano Real, como tantas empresas que dispunham de prazo a seu favor entre o momento de fazer as receitas e o de fazer pagamentos, seu principal ganho era financeiro. Recebia as mensalidades à vista e pagava os médicos, em média, 45 dias depois.

De acordo com Horácio Cata Preta, diretor de controle e finanças da Golden Cross, até 1994 as aplicações financeiras eram responsáveis por 90% da rentabilidade do grupo. Em 1996, representaram apenas 30%. Sem o tônico da inflação, a Golden Cross passou a ter dificuldades em repassar os aumentos dos custos médicos para as mensalidades cobradas de seus clientes. Quem não se lembra das batalhas, nos últimos anos, entre empresas da área e os órgãos de defesa do consumidor na hora de reajustar o preço dos produtos?

Um dos resultados do embate foi que os aumentos de preço só podem ser cobrados a partir da data de aniversário dos planos, e não mais no momento em que são aprovados. Resultado: a correção de receita da Golden Cross se dilui ao longo do ano. Em 1996, segundo o balanço (não auditado por firma independente) da Golden Cross Assistência Internacional de Saúde (AIS), braço do grupo que cuida dos planos de assistência médica, o faturamento cresceu 15%. As despesas para pagamento dos serviços utilizados pelos associados, por sua vez, aumentaram 62%.

Concorrência - O cenário dos primeiros cinco meses de 1997 não foi mais ameno. Dados da Susep mostram que a sinistralidade - ou seja, a utilização de serviços por parte dos segurados - nas carteiras de seguro-saúde cresceu 53% em relação ao mesmo período de 1996. Não existe razão para que os planos de saúde não tivessem um comportamento semelhante. Afinal, na prática, os consumidores usam os dois produtos da mesma maneira. Hélio Portocarrero, superintendente da Susep, acredita que esse fenômeno possa ser decorrente do uso de serviços mais caros, como exames sofisticados e cirurgias. As carências desse tipo de serviços, que em geral são de um ano e meio, estariam acabando em 1997, para quem comprou seguros após o Real-e os consumidores, então, passaram a utilizá-los pesadamente. Bulus tem outra explicação. "Como os salários não estão subindo, muita gente tem de cortar despesas - e corta o plano médico", diz ele. "Só ficam pagando os planos as pessoas que realmente precisam usar os serviços. São essas, logicamente, as que dão mais despesas."

A Golden Cross está tendo de se haver, também, com uma novidade histórica: o severo aumento da concorrência no setor. Hoje, segundo levantamento da Susep, há 36 empresas atuando no segmento de seguro-saúde. Outras 700 vendem planos de medicina de grupo. Há também as cooperativas médicas. Para angariar novos consumidores, essas empresas abonam as carências dos clientes de outras companhias. A própria Golden Cross adota essa prática, fazendo com que seus desembolsos aumentem. A competição, naturalmente, se reflete na coluna de receitas. "Os preços dos planos de saúde estão caindo", afirma Carlos Monteiro, presidente da Dix, uma nova empresa de saúde criada pela Amil. De 1994 para cá, a receita dos planos empresariais teve queda real de 30%, em média, enquanto os individuais se mantiveram estáveis.

Esse cenário tende a ficar cada vez mais competitivo, com a entrada de seguradoras multinacionais no mercado brasileiro. Embora ainda não atuem na área de seguro-saúde, gigantes como Hartford, Aetna e American Home, entre outras, estão de olho em um mercado que cresceu rapidamente após o Real. Entre 1994 e 1996, os prêmios da área de seguro-saúde aumentaram 66%, atingindo 3 bilhões de dólares. "Esse mercado ainda tem potencial para continuar crescendo", afirma Portocarrero.

A falta de uma concorrência mais agressiva e a inflação alta ajudaram, por muitos anos, a mascarar ineficiências que agora afloram e pesam no desempenho da Golden Cross. Uma delas é o elevado índice de fraudes no uso de seus serviços. Entre 25% e 30% dos desembolsos da empresa se referem a consultas, exames e tratamentos que nunca foram realizados. Em julho, foi descoberta uma quadrilha que a lesou em 900 000 reais. Para tentar reduzir esse sorvedouro de dinheiro, a Golden Cross mantém uma equipe de 200 profissionais, encarregados de verificar a veracidade das faturas apresentadas. É um custo puramente defensivo, injetado direto na veia, e que nada soma à qualidade dos serviços prestados. Junto com outros itens de despesa, isso ajuda a explicar por que os custos administrativos da Golden Cross têm crescido muito além de sua receita. Só no ano passado, as despesas administrativas da AIS cresceram 70%, chegando a 85 milhões de dólares.

Custos perversos - O excesso de fraudes que vitimam a empresa está no centro de um problema estratégico. "A Golden Cross sempre teve como foco a venda de planos, e não o atendimento aos clientes e médicos", afirma um ex-executivo da empresa "Nosso perfil é de vendedor", admite Bulus. A ênfase excessiva na conquista de novos associados fez com que não se tratasse de cativar os dois pilares do negócio: médicos e clientes habituais. Sem estabelecer um vínculo estreito com os dois lados, a Golden Cross tem dificuldade em coibir práticas desonestas por parte de clientes e médicos credenciados. É comum que clientes aceitem que os médicos cobrem mais de uma consulta, por exemplo. Afinal, o médico se queixa que ganha pouco, e o paciente não desembolsa um centavo a mais por conta disso. (Pelo menos, não na hora, já que esse aumento de custos acaba se refletindo no valor das mensalidades.) Bulus admite que a empresa falhou no relacionamento com a classe médica e promete um programa de aproximação.

Outra fonte de custos perversos está no excesso de exames solicitados. Bulus cita uma estatística da Organização Mundial de Saúde segundo a qual, em média, cada consulta gera 0,7 pedido de exame. No mercado brasileiro de assistência médica, esse índice sobe para 3,5 exames por consulta. Na Golden Cross, de cada 10 exames laboratoriais, dois nunca são apanhados, nem pelo paciente nem pelo médico. E 80% dos que têm seu resultado verificado dão negativo. Os gastos com exames e consultas representam 55% dos desembolsos da empresa.

Some-se o aperto no bolso do consumidor a todos esses problemas. A inadimplência cresceu em 1997. Nos planos de saúde, ficou em 5,5% e, nos seguros, em 4%, segundo dados da própria empresa. Nos dois casos, houve um aumento de 0,5% nos primeiros cinco meses do ano. Pode não parecer muito. Mas, quando se pensa em vendas anuais de 1,6 bilhão de dólares, chega-se à nada desprezível cifra de 8 milhões de dólares a menos.

Sem poder aumentar as mensalidades, e premida a cortar custos, a empresa passou a apertar os médicos. A Golden Cross admite que deve 30 milhões de dólares em pagamento de consultas e serviços atrasados. Segundo Abdu Kexfe, conselheiro do Cremerj, a empresa foi dura nas reuniões com a entidade. Mário Amadei, representante da Golden Cross nas negociações, teria dito, em julho, que os médicos deveriam aceitar os valores oferecidos pela Golden. "Senão a empresa não agüenta." Bulus desmente que a intenção fosse de afirmar que a Golden Cross: esteja com problemas mais graves do que os por ele admitidos. "Não podemos mais é continuar tapando buracos causados pelo desperdício", diz o executivo. A empresa propõe que os médicos que reduzirem o volume de pedidos de exames passem a ter uma remuneração maior.

Para pressionar a empresa, o Cremerj decidiu, em 29 de julho, pedir aos associados que deixem de atender os clientes da Golden Cross por intermédio de guias. O cliente paga a consulta, leva o recibo e pede reembolso à companhia. Não se sabe se a determinação será seguida. Afinal, existem 700 000 associados da Golden Cross no Rio de Janeiro, onde a empresa é responsável pela maioria dos atendimentos.

Em junho, enfim, a Golden Cross deu início a mais um plano de reestruturação. Duas empresas (Igase e Amico) foram fundidas, cortando 120 funcionários. Serviços de segurança e limpeza foram terceirizados, dispensando mais 200 pessoas. Bulus também promete reduzir o número de executivos. Benefícios, como bolsas de estudo integrais para os funcionários, foram cortados. Foi cancelado também o seguro-saúde subsidiado para 7 000 familiares de funcionários da seguradora. Segundo Bulus, a partir de julho, a empresa economizaria cerca de 5 milhões de dólares por mês com essas medidas.

Não é a primeira vez que a Golden Cross tenta se tornar mais eficiente. Em 1991, com 18 000 funcionários, a empresa era inchada por conta de sua peculiar administração. A família Afonso, sua controladora, é membro atuante da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Milton Soldani Afonso, o fundador, sempre abriu espaço na companhia para irmãos de fé em dificuldade, embora não existissem entraves à admissão de seguidores de outros credos. Demitir era palavra proibida, até que o patriarca passou o comando, em 1991, para seu filho mais novo, Paulo César, hoje com 34 anos. Desde então, a empresa vem tentando se reestruturar. Por lá já passaram consultores da Price Waterhouse e da Andersen Consulting. Um programa de qualidade total foi iniciado em 1993.

Embora Paulo seja o presidente, foi Bulus, seu cunhado, o encarregado de aplicar os remédios amargos. O patriarca, de 76 anos, afastou-se do dia-a-dia da empresa para se dedicar a projetos filantrópicos. Paulo, segundo ex-colaboradores, não conseguiu reproduzir o estilo carismático de seu pai. Tampouco teria herdado a sua habilidade de negociação, o que dificulta ainda mais o relacionamento da empresa com clientes e médicos. Casado com Neide, a filha do meio de Afonso, que ocupa também o cargo de vice-presidente, Bulus, 34 anos, garante que vai mexer em outro tabu dentro da companhia. Seus planos são de reduzir os gastos filantrópicos (atualmente sendo questionados na Justiça), que no ano passado somaram, segundo um relatório da empresa, 141 milhões de dólares, 7% superiores aos de 1995 e 88% aos de 1995.

Fala-se, no mercado, de uma possível venda da Golden Cross Seguradora, dona de uma receita de 472 milhões de dólares em 1996 e de 15,6% do mercado de seguro-saúde, para a Generali. A empresa italiana está instalada no Brasil há 72 anos, mas agora deseja expandir-se no mercado varejista. (Bulus afirma que a família não está interessada em vender e tampouco deixar o comando da seguradora.) De qualquer forma, a Generali estaria aguardando o fim das negociações da Golden com seus credores para saber, ao certo, qual a posição da empresa. Sozinha ou com parceiros, porém, a Golden Cross terá de trabalhar duro, reformar-se profundamente, resolver seus problemas fiscais e, sobretudo, mostrar os resultados concretos desses esforços.

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