Feira de tecnologia nos Estados Unidos: a convergência nas telecomunicações é inexorável
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2011 às 11h37.
Quando foram definidas as diretrizes da privatização do sistema Telebrás, ninguém imaginaria que a telefonia celular fosse alcançar o formidável número de 100 milhões de assinantes no Brasil nem que os aparelhos de bolso fossem capazes de acessar a internet em alta velocidade, de qualquer lugar.
Tampouco se sabia que em menos de dez anos a evolução tecnológica permitiria que as empresas de telefonia vendessem TV por assinatura -- e vice-versa, com a entrada das operadoras de TV paga no mercado das chamadas de voz. Consumidores dinamarqueses, suecos e americanos já têm fibras ópticas na porta de suas casas, o que cria um novo e potencialmente bilionário mercado de entretenimento digital.
Sul-coreanos e japoneses assistem a seus programas preferidos no metrô, na pequena tela de seus celulares. Em todo o mundo, negócios que nasceram e cresceram separados cada vez mais se misturam. Ou, como se diz no jargão tecnológico, convergem.
Seria natural que o caminho de convergência percorrido até agora pela Telmex no Brasil fosse seguido por mais gente. Afinal, essa é a tendência em todo o mundo. Cada vez mais os consumidores exigem um só fornecedor para todas as suas necessidades de comunicação. Por sua vez, as empresas precisam otimizar os enormes investimentos que realizam em tecnologia e infra-estrutura, pois, do contrário, as contas não fecham.
Essa é a lógica desse mercado. Os grupos que concorrem com os mexicanos, porém, ainda enfrentam uma série de obstáculos para montar uma oferta semelhante. A Oi, novo nome do grupo Telemar, teve a compra da operadora de TV a cabo Way TV, de Minas Gerais, negada pela Anatel, a agência que regula as telecomunicações do país. A empresa recorre da decisão, e a agência deve demorar alguns meses até se manifestar a respeito do recurso.
A espanhola Telefônica, que opera telefonia fixa em São Paulo, firmou um acordo de parceria com a TVA, do Grupo Abril (que edita EXAME). Além de prever a distribuição de novos canais produzidos pela Abril, o acordo prevê a compra de 100% das operações de MMDS da TVA, além de 49% da operação de cabo nas regiões metropolitanas em que a empresa atua.
A exceção é São Paulo, onde a fatia que passará ao grupo espanhol é de 19,9%, respeitando as restrições impostas às concessionárias de telefonia fixa, que impedem o controle de redes de cabo em suas regiões de operação. O negócio ainda está em análise na Anatel, mas a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) entrou com uma ação diretamente no Cade visando impedir a associação.
Segundo a argumentação da ABTA (cujo principal associado é a NET, empresa dominante no negócio de TV a cabo no país), a parceria prejudicaria a concorrência e demonstraria a intenção de a Telefônica dominar todas as redes de telecomunicações.
Mas a ação deixa de mencionar dois pontos importantes. O primeiro é que o grupo Telmex já detém boa parte dessas redes. O segundo é que a própria NET, hoje, é a maior competidora da telefonia fixa e da banda larga em todo o país. Seu serviço NET Fone tinha 171 000 assinantes no fim do ano passado. Deve fechar o ano, segundo estimativas da empresa, com quase 500 000 clientes, especialmente na faixa de maior poder aquisitivo.
"A ABTA fala em prejuízo à concorrência, mas, sem a parceria com a Telefônica, a TVA não tem a menor condição de competir com o gigante do setor", diz Leila Loria, diretora-superintendente da TVA.No Brasil, essa convergência ainda é privilégio de uma única empresa. Trata-se da NET Serviços, que vende um pacote de serviços convergentes chamado Combo e, na prática, exerce um monopólio desse tipo de oferta.
Além da programação televisiva e do acesso à rede Vírtua, o pacote inclui um serviço telefônico batizado de NET Fone, operado em parceria com a Embratel, empresa controlada pelo conglomerado Telmex, do magnata das telecomunicações Carlos Slim Helú, terceiro homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes. O grupo mexicano também detém participação na NET Serviços e em outras empresas, que compõem um portfólio completo de tecnologias de transmissão de dados (veja quadro).
Mundialmente, os dois negócios de Slim -- o grupo Telmex e a América Móvil, dona da Claro -- compõem um dos maiores conglomerados de telecomunicações do mundo, com receitas que beiram 38 bilhões de dólares. No Brasil, Slim detém ou tem participação em todos os principais meios de transmissão de dados. E sua participação ainda pode aumentar de for ma dramática.
Nos últimos dias, foram divulgadas as negociações de Slim para a compra de parte da Telecom Italia. Se concretizado, o negócio somaria a operadora de celulares TIM ao portfólio do conglomerado mexicano. Somadas, TIM e Claro teriam quase metade do mercado de celulares do país -- um dos mais competitivos do mundo -- e deixariam a Vivo em segundo lugar, com pouco mais de 25% dos assinantes.
Por aqui, projetos dessa natureza por parte das concessionárias de telefonia fixa enfrentam dois problemas. O primeiro diz respeito ao tamanho do mercado. Não há consumidores com renda suficiente para justificar investimentos dessa magnitude. O segundo, mais uma vez, diz respeito à regulamentação.
Há opiniões divergentes sobre a possibilidade de as concessionárias fixas (Telefônica, Oi e Brasil Telecom) oferecerem serviços de TV em suas atuais infra-estruturas. "Temos certeza apenas de que podemos fazer serviços de vídeo sob demanda", diz Alain Riviere, diretor de regulamentação e estratégia da Oi.
Dessa maneira, a opção das fixas para oferecer o triple play são justamente as parcerias. Brasil Telecom e Oi se associaram à operadora de TV por satélite Sky para oferecer um pacote integrado a seus clientes. A Telefônica, além da promoção conjunta já em curso com a TVA, também obteve licença para explorar a TV via satélite. Uma vez que a convergência e a consolidação são inevitáveis, o fundamental é garantir que elas ocorram num ambiente de ampla concorrência.
A questão fundamental, dizem os especialistas, é rever a legislação. Ao preocupar-se com as tecnologias de acesso e não com os serviços, a regulamentação acaba prejudicando o usuário final. "É preciso olhar para o usuário", diz Ethevaldo Siqueira, da consultoria Telequest. "Ele quer a convergência. As regras são anacrônicas e obsoletas." A lei que rege as empresas de TV a cabo é de 1995, e a Lei Geral das Telecomunicações, de 1997.
Nos últimos dez anos, a transformação tecnológica foi brutal. As exigências de investimentos nas redes de novíssima geração são tão enormes que só permitem que os maiores grupos participem da convergência. Nos Estados Unidos, a operadora Verizon quer levar cabos de fibra óptica individuais para 18 milhões de residências até o fim da década. O custo da operação: 18 bilhões de dólares.
No Reino Unido, a British Telecom tem um plano semelhante, avaliado em quase 20 bilhões de dólares. Com esses investimentos, elas vão oferecer justamente o que se conhece no mercado como triple play, ou o pacote de três serviços (TV, telefone e internet) com um único provedor e uma única conta.