Fábrica da Souza Cruz: apesar da campanha negativa, uma estrela na bolsa (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 1 de março de 2012 às 09h12.
São Paulo - Poucos produtos são tão marginalizados quanto o cigarro. A propaganda, como se sabe, é proibida. A maioria dos países baniu os fumantes de quase todos os ambientes fechados — nos Estados Unidos, é proibido fumar em parques públicos e, em alguns estados, até dentro do carro.
Mesmo na rua, dar uma baforada pega mal: logo aparece a figura espectral do doutor Drauzio Varella na consciência do fumante lembrando que ele está se matando a cada tragada.
Pois é no mínimo curioso que a maior fabricante de cigarros do Brasil seja uma das maiores estrelas da Bovespa nos últimos dez anos — justamente o período em que o produto se consolidou como uma espécie de belzebu no imaginário popular.
Os papéis da Souza Cruz valorizaram 1 775%, cinco vezes mais que o Índice Bovespa nos últimos dez anos. Foi uma das maiores altas do país, superior à das ações de empresas como Ambev, Gerdau, Itaú Unibanco e até Vale.
No mundo, há milhares de investidores que ganham dinheiro aplicando em ações de empresas “politicamente incorretas” — como as fabricantes de armas, bebidas e jogos. São companhias que têm faturado cada vez mais porque a demanda por seus produtos aumenta ano a ano. Esse não é o caso das empresas de tabaco.
As campanhas de conscientização conseguiram diminuir o número de fumantes, e a concorrência de fabricantes ilegais, que não pagam impostos e, por isso, conseguem vender bem mais barato, só se torna mais agressiva.
A Souza Cruz vendeu 53 bilhões de cigarros em 2011, 10% menos que em 2006 — uma retração num período em que o PIB brasileiro cresceu 28% e a renda média da população teve uma expansão de 17%. A questão é: como uma empresa assim vai tão bem na bolsa?
Aumento de preços
Uma vantagem da Souza Cruz — e da maioria das fabricantes de cigarro — é a facilidade para aumentar preços. “A demanda não costuma cair quando os preços sobem, porque fumar é um vício e o valor de um maço de cigarro é baixo, ou seja, as pessoas geralmente não sentem tanto a alta”, diz Marcelo Varejão, analista da corretora Socopa.
Assim, ainda que as vendas estejam diminuindo, o faturamento e o lucro da Souza Cruz continuam crescendo. De 2007 a 2010, suas receitas aumentaram 14%, e o lucro operacional, 26%. A rentabilidade sobre o patrimônio chegou a 67%, a maior do setor de bens de consumo e a quinta mais elevada da Bovespa.
Além disso, a Souza Cruz paga dividendos elevados. Como não precisa investir pesadamente na expansão de fábricas, costuma distribuir quase todo o lucro aos acionistas, algo raro no mercado.
Se vão bem em períodos tranquilos, as ações das fabricantes de cigarro brilham em épocas de crise. Justamente por não precisar de capital para fazer grandes investimentos e por pagar dividendos, são vistas como uma opção de menor risco na bolsa. Em 2008, no auge do caos do mercado financeiro mundial, os papéis da Souza Cruz caíram apenas 2%.
No ano passado, a alta chegou a 34%, e o Ibovespa perdeu 18%. Lá fora, o cenário é parecido. Os papéis da americana Philip Morris, dona da marca Marlboro, subiram 40% em 2011, enquanto o índice S&P 500, da bolsa de Nova York, ficou no zero a zero.
Com um valor de mercado de 60 bilhões de dólares, o grupo Altria, que controla a Philip Morris, é a 33ª maior empresa do mercado americano — vale mais que Nike e Hewlett-Packard. Mas o desempenho excepcional das empresas de tabaco não convence todos os investidores.
O fundo soberano da Noruega, que administra 450 bilhões de dólares, excluiu a Souza Cruz e outras 16 fabricantes de cigarro de sua carteira de ações em 2010 por “motivos éticos” — no ano anterior, o governo norueguês já havia parado de aplicar em companhias que produzem bombas e armamentos nucleares.
As empresas de tabaco também ficam de fora dos fundos socialmente responsáveis, que administram impressionantes 28 trilhões de dólares. Se a moda pega, é justo imaginar que em algum momento os papéis sofrerão na bolsa.
Outro risco do setor é o regulatório. Em novembro, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei que eleva em 45% os tributos que incidem sobre o cigarro — o texto depende da sanção da presidente Dilma Rousseff.
Em São Paulo, está em tramitação uma proposta que proíbe o marketing de cigarros em bares, padarias e bancas de jornal, alguns dos poucos lugares onde a publicidade do produto é liberada. Para compensar as prováveis perdas, as empresas já planejam aumentar os preços em 20% neste ano e em 55% até 2015. Fumar vai ficar mais caro. Se a história recente se repetir, a ação das fabricantes também.