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Como a loja Kanui saiu do prejuízo no e-commerce brasileiro

Com apenas três anos de vida e um modelo próprio de gestão, a loja de artigos esportivos Kanui conseguiu algo raro no varejo eletrônico no Brasil: sair do prejuízo

Nardon, Barreiro e Henriques (da esquerda para a direita), sócios da Kanui: sem cabelo, sem prejuízo (Alexandre Battibugli / EXAME)

Nardon, Barreiro e Henriques (da esquerda para a direita), sócios da Kanui: sem cabelo, sem prejuízo (Alexandre Battibugli / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 21 de fevereiro de 2015 às 05h00.

São Paulo - Duas dançarinas em trajes provocantes, música alta e bebidas variadas, de uísque a tequila, quebraram a rotina de 130 funcionários da varejista online Kanui no fim do ano passado. A festa começou às 3 da tarde no escritório da companhia, na zona oeste de São Paulo, e só acabou à noite.

No auge da comemoração, os três sócios, Bruno Nardon, Luís Barreiro e Bruno Henriques, cumpriram uma promessa feita meses antes: raspar o cabelo se saíssem do vermelho em 2014. “Todo mundo nesse mercado está debaixo da água”, disse Henriques, presidente da Kanui, durante o encontro. “Somos os primeiros a colocar a cabeça para fora.”

A informalidade da festa não chega a ser incomum em empresas de internet. Difícil mesmo é achar alguma delas com o mesmo motivo para celebrar. Em 2014, as companhias de comércio eletrônico faturaram 35,8 bilhões de reais no país, segundo a consultoria E-bit — 24% mais em relação ao ano anterior.

Todos os líderes, porém, dão prejuízo. A B2W, dona do Submarino e da Americanas.com, soma perdas há anos. A Netshoes, especializada em artigos esportivos e uma das que mais crescem nesse segmento no Brasil, também não consegue entrar no azul.

Por enquanto, a Kanui, com faturamento de 202 milhões de reais em 2014, mal saiu do vermelho. Os números não são publicados — mas os executivos de sua controladora, a alemã Rocket, afirmam que a empresa atingiu o ponto de equilíbrio pela primeira vez em agosto.

O fato de não perder mais dinheiro a torna um exemplo único também no portfólio da Rocket, que levantou 1,3 bilhão de euros em sua estreia na bolsa em outubro. Fundada em 2007 pelos irmãos Marc, Oliver e Alexander Samwer, a Rocket controla 65 empresas em 116 países, que somaram prejuízo de 286 milhões de euros no primeiro semestre de 2014.

Em todas, os alemães repetem uma espécie de empreendedorismo de laboratório, que ainda não provou sua eficiência em larga escala: eles montam um plano de negócios e recrutam sócios para executá-lo — quase sempre engenheiros jovens de grandes consultorias, guiados por metas agressivas. O que eles fazem para cumpri-las, no entanto, é problema deles.

“Não existe manual de gestão”, diz Rodrigo Sampaio, um dos responsáveis pela Rocket no Brasil. Numa alegoria da cultura do faça você mesmo, cada sócio monta a própria mesa e cadeira no primeiro dia de trabalho. Na hora de bolar detalhes da operação, vale a mesma lógica.

No caso da Kanui, criada em 2011 como parte do plano de entrada da ­Rocket no país, essa tarefa coube a um trio. Para vender online artigos de esportes praticados ao ar livre, como surfe e montanhismo, foram contratados os engenheiros Bruno Henriques, de 29 anos, e Bruno Nardon, de 28, ambos com passagem por consultorias.

O veterano, Luís Barreiro, de 36 anos, tem mais de uma década em empresas de esporte de aventura. “A ideia era unir a obsessão por números dos engenheiros com o conhecimento do nicho”, diz Sampaio, da Rocket.

A obsessão por números tornou-se clara desde o início. Todos os meses, eles reúnem os funcionários para revelar os principais números — da primeira à última linha do balanço. Em seguida, apresentam as metas da companhia e distribuem as metas individuais para os próximos 30 dias. É uma cultura que se torna bem concreta para os recém-chegados.

Logo após a contratação, todos os funcionários recebem um curso de planejamento financeiro. Para áreas em que tradicionalmente predominam profissionais de humanas, a empresa contratou engenheiros. Uma delas é a de mar­keting. Responsáveis por investigar o retorno de cada ação, os engenheiros podem ajustar as táticas em tempo ­real.

Com exceção de Barreiro, os sócios não tinham experiência em varejo — e is­so resultou numa organização pouco convencional. Para tentar antecipar tendências de consumo, por exemplo, um time de oito engenheiros analisa centenas de dados todos os dias, desde as palavras mais buscadas no site e no Google até a média de saída de cada item no estoque.

Há outro filtro para garantir que as compras sejam certeiras — os compradores são especialistas nas modalidades esportivas que praticam, e não em categorias de produto, diferentemente do que ocorre em boa parte dos varejistas. O responsável por surfe é surfista e compra de óculos de sol a pranchas. “Assim, corremos menos risco de incluir uma mercadoria que vai encalhar”, diz Nardon, sócio e diretor de marketing da Kanui.

Com isso, o tempo de permanência das mercadorias no estoque caiu 25% nos últimos dois anos. A medida também ajudou a reduzir o peso das sobras de estoque nas liquidações. Hoje, a equipe de compras arremata até seis meses antes lotes só para esse fim, o que permite manter uma margem, mesmo que mínima. “No mercado, as liquidações nunca são vistas como oportunidade de ganhar dinheiro”, diz Alexandre van Beeck, sócio da consultoria de varejo GS&MD.

Nada garante, porém, que os sócios não tropeçarão nas armadilhas do crescimento. A seu favor, eles têm a vantagem de se dedicar a um nicho bem específico, o que tende a manter a operação menos complexa. A varejista de moda online Dafiti, outra companhia da Rocket no Brasil, vende quase três vezes mais itens e registrou perdas de 100 milhões de reais em 2014.

Para crescer cerca de 50% em 2015, os sócios da Kanui pretendem investir mais em marcas próprias — cinco foram lançadas em 2014 e já re­pre­sentam 10% do faturamento — e in­cluir peças fora do portfólio esportivo, como camisetas polo. Tudo isso, claro, se os engenheiros concordarem.

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