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O sobrenome Ford (ainda) não ajudou

Quase quatro anos depois de ter comprado a Troller, a Ford ainda tem dificuldades em ganhar mercado com a marca

T4, da Troller: dos três modelos que eram fabricados pela montadora cearense até 2007 só restou ele (Divulgação/EXAME.com)

T4, da Troller: dos três modelos que eram fabricados pela montadora cearense até 2007 só restou ele (Divulgação/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

No diminuto grupo das montadoras 100% brasileiras que alcançaram um grau mínimo de sucesso na indústria automotiva, a cearense Troller aparece com destaque. Nascida em 1994, de um projeto acalentado pelos irmãos Bill e Rogério Farias, a empresa quase quebrou três anos mais tarde, sem nunca ter produzido mais do que dez unidades. Salva pelo empresário cearense Mário Araripe, que pagou cerca de 600 000 reais pela montadora (1,3 milhão de reais em valores atuais), a Troller se tornou sinônimo de aventura - não somente pelo tipo de atividade a que se prestava, com jipes que percorriam morros e dunas na Região Nordeste, mas também pelo caráter "austero" de seus carros. Com esse apelo, a Troller chegou a vender mais de 1 000 unidades por ano entre 2005 e 2006. Nascia ali um nicho de mercado, charmoso o suficiente para atrair a atenção da americana Ford. Em janeiro de 2007, a montadora comprou a marca e a linha de produção da Troller por valores não revelados. Desde então, as vendas da marca cresceram 40%. Seria uma boa notícia se o mercado de carros no Brasil não tivesse crescido quase 70% no mesmo período. Hoje, a participação da Troller em seu segmento é menor do que era antes de ser adquirida pela Ford. Seus jipes vendem menos do que os Mini Cooper importados pela BMW - apenas para ficar num exemplo comparável em termos de preço. "Estamos nos preparando para um salto", diz Wilson Vasconcellos, gerente de operações da Troller na Ford. "Temos hoje 60 engenheiros dedicados apenas à marca. Eram apenas três em 2007."

Para uma empresa do porte da Ford, que no ano passado vendeu 338 000 automóveis no Brasil, revitalizar uma montadora como a Troller não era um grande desafio - ou pelo menos não deveria ter sido. Ainda que a empresa se encontrasse numa situação financeira relativamente saudável quando foi comprada (o único passivo assumido pela Ford foi um financiamento de 15 milhões de reais), sua linha de veículos estava defasada e carecia dos investimentos necessários para garantir as indispensáveis reestilizações dos carros - algo que exigiria quase 50 milhões de reais ao ano, o dobro do que a Troller investia até então. Mas como a literatura de negócios insiste em demonstrar, a prática é diferente da teoria. Na tentativa de revigorar a Troller, a Ford precisou reformar boa parte da estrutura da pequena montadora. Logo de saída, tirou de linha dois dos três modelos que a Troller fabricava - o remanescente foi o T4, carro-chefe das vendas. O primeiro modelo a ter a produção descontinuada foi o jipe T4-M, de uso militar, sob a alegação de que ele ia contra a política mundial da empresa de não participar desse ramo de negócios. O segundo a sair de linha foi a picape Pantanal, lançada em setembro de 2006, apenas quatro meses antes de a Troller ser adquirida. Com o argumento de que o veículo apresentava "falhas estruturais graves" que comprometiam a segurança dos motoristas, a Ford recomprou as 150 unidades que haviam sido vendidas até então, pagando por elas o preço cheio do carro, em torno de 55 000 reais. Coincidência ou não, a Pantanal era concorrente direta da picape Ranger, sucesso de vendas da Ford no país. "O veículo não era ruim", diz Clécio Eloy, ex-diretor de negócios da Troller. "Mas, além da sobreposição óbvia com a Ranger, o custo dos serviços de pós-venda que a Ford teria de manter para as poucas unidades vendidas não compensava."

O passo seguinte foi modernizar a única fábrica da Troller, uma linha de produção quase 100% artesanal localizada na cidade de Horizonte, a 50 quilômetros de Fortaleza. Para isso, a Ford destacou o engenheiro francês Luc de Ferran, responsável, entre outras coisas, pela criação do EcoSport, o utilitário que ajudou a tirar a montadora americana da estagnação em que se encontrava no final da década de 90. Além de trazer novas máquinas e alterar o layout da fábrica de Horizonte, Ferran levou os carros para ser testados na sofisticada pista de provas da Ford em Tatuí, no interior de São Paulo. Até então, qualquer peça nova era testada pelo método da tentativa e erro, em pequenas trilhas e praias do Nordeste. Com isso, a Troller dobrou a produção, chegando a 160 veículos por mês. Ao mesmo tempo, 15% dos fornecedores da empresa foram substituídos. Para lançar a nova versão do jipe T4, em 2008, a Ford trocou ou atualizou cerca de 500 peças, padronizando itens como maçanetas e volante. "O T4 deixou de ser um Frankenstein", diz Vasconcellos, da Ford. "Antes, cada peça vinha de um fornecedor diferente. Precisávamos adequar a Troller aos padrões de uma multinacional."

Por fim, foi necessário colocar a distribuição dos carros da Troller nos moldes da Ford. A montadora substituiu três das 20 revendas da marca no país, e passou a exigir o cumprimento de metas mensais de vendas e qualidade do serviço. Todas as lojas foram reformadas. A série de mudanças, porém, não foi suficiente para estancar uma recente queda na receita. De janeiro a setembro deste ano, as vendas do T4 caíram 15% (se comparadas ao mesmo período de 2009), ao passo que o mercado geral de automóveis cresceu 9%. O fraco desempenho pode ser creditado, em larga medida, ao tímido trabalho de divulgação da marca. Enquanto os antigos donos da Troller faziam malabarismos criando provas de aventura ou cedendo gratuitamente os carros para aparições em novelas, a Ford apenas manteve o campeonato de jipeiros batizado de Copa Troller, acompanhada por um punhado de aficionados. "O produto evoluiu muito com a Ford nesses quatro anos", diz Mário Araripe, ex-dono da Troller. "Mas a marca, não." Num mercado como o automotivo, é preciso mais do que sobrenome para garantir vendas.

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