Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro: a Olimpíada é a chance de transformar a cidade (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 15 de fevereiro de 2016 às 10h01.
São Paulo — Em agosto de 2006, o Comitê Olímpico do Brasil decidiu que a cidade do Rio de Janeiro seria a candidata do país à sede dos Jogos Olímpicos de 2016 — essa era a terceira vez que os cariocas brigavam pelo evento esportivo, após as tentativas frustradas de 2004 e de 2012.
Com a candidatura de pé, os organizadores arrecadaram 100 milhões de reais em recursos públicos e privados, traçaram um plano de ação e, nos três anos seguintes, viajaram diversas vezes para a Dinamarca, onde as votações ocorrem.
Entre os argumentos para convencer o Comitê Olímpico Internacional de que o evento deveria ser no Rio estavam a união dos governos federal, estadual e municipal, o crescimento econômico do país — apesar da crise financeira global — e o fato de os Jogos nunca terem sido realizados na América do Sul. Mas um ponto, em particular, teve um apelo maior entre os membros da comissão.
“Nossos adversários falavam que a cidade do Rio de Janeiro era cheia de problemas e que ninguém viria para cá em uma Olimpíada”, diz o prefeito do Rio, Eduardo Paes. “Minha resposta era que, se a Olimpíada é um evento de transformação, então o Rio de Janeiro era a cidade que poderia ser transformada entre aquelas que concorriam.”
Nas primeiras votações, o Rio deixou Tóquio, no Japão, e Chicago, nos Estados Unidos, para trás. Em outubro de 2009, venceu a espanhola Madri. Então, junto com os Jogos de 2016, o Rio recebeu a chance de se mostrar para o mundo e de passar por uma transformação urbana.
A experiência internacional mostra que a realização de uma Olimpíada, se bem aproveitada, pode ser o ponto inicial de uma mudança estrutural em uma cidade. A espanhola Barcelona, sede da edição de 1992, é um bom exemplo de como o evento pode ser vantajoso.
A cidade quase dobrou o número de turistas na década seguinte aos Jogos, tornou-se mais atrativa para novos negócios e movimentou o mercado imobiliário. Já em Atenas, na Grécia, em 2004, o evento não só foi incapaz de catalisar uma evolução da economia local como ainda legou dívidas que minaram o país. Até agora a experiência carioca parece mirar-se no exemplo de Barcelona.
Seguindo a receita espanhola, o Rio está direcionando a maior parte dos investimentos para melhorias urbanas. Dos 10 bilhões de dólares mobilizados, 64% estão sendo investidos na reforma da área portuária — o projeto Porto Maravilha —, na revitalização de outras áreas degradadas e no transporte coletivo.
A oito meses da cerimônia de abertura no estádio do Maracanã, a avaliação é que o Rio tem chance real de brilhar. Esse foi o tom do debate entre os participantes do EXAME Fórum, que aconteceu na cidade no dia 24 de novembro e reuniu uma plateia de 250 executivos, empresários, autoridades e estudiosos.
Aberto com a presença do prefeito Eduardo Paes, o evento contou com a participação do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves; do publicitário Nizan Guanaes, fundador do grupo ABC; do presidente da consultoria Urban Systems, Thomaz Assumpção; do professor adjunto da Universidade Federal Fluminense, Vinicius Netto; e do sócio da consultoria EY, José Carlos Pinto.
Ao que tudo indica, se continuar no ritmo em que está andando, a cidade vai entregar a tempo as instalações esportivas e boa parte das obras de infraestrutura planejadas. Um levantamento da prefeitura mostra que a maioria dos 17 equipamentos esportivos já está com mais de 90% das obras concluídas. Alguns deles ficaram prontos antes do prazo.
O campo de golfe foi entregue em novembro ao comitê olímpico, enquanto a previsão inicial era inaugurá-lo apenas no segundo trimestre de 2016. A Arena do Futuro, onde serão disputadas as competições de handebol e golbol — esporte paraolímpico — e que deveria ficar pronta em dezembro, foi finalizada em setembro. O centro de mountain bike foi entregue em outubro, ante a previsão inicial de março de 2016.
Segundo a prefeitura, existe uma relutância do comitê olímpico em receber os equipamentos antecipadamente — uma vez entregues, eles passam a gerar despesas de manutenção. Em resposta, o comitê diz que ajustes do prazo são combinados de acordo com a necessidade de realização dos eventos de teste, pois não é desejável gerar despesas adicionais.
Parte das estruturas esportivas já tem uma função prevista para o pós-evento. A Arena do Futuro, situada na Barra da Tijuca, será desmontada e, aproveitando sua estrutura, serão erguidas quatro escolas públicas. Outra arena no mesmo bairro passará por adaptações para receber salas de aula e centros de treinamento esportivo.
O objetivo é fugir do exemplo de Londres, sede da Olimpíada de 2012. O estádio olímpico da cidade, que custou 700 milhões de libras, acaba de ser alugado pelo time de futebol londrino West Ham por um valor que não cobrirá todas as despesas. A conta recairá sobre os contribuintes.
Não se espera que um evento esportivo — mesmo da magnitude da Olimpíada — seja responsável por tirar décadas de atraso de uma cidade, mas os Jogos estão ajudando o Rio de Janeiro a começar a superar algumas de suas mazelas históricas em infraestrutura.
No caso da mobilidade, as obras de linhas de ônibus mais rápidas (BRTs), de metrô e de um veículo leve sobre trilhos (VLT) farão a parcela da população atendida por transporte de alta capacidade subir de 18%, em 2009, para 63%, em 2017. A construção de casas populares reduzirá 10% o déficit habitacional, para 126 000 unidades.
No caso do saneamento, houve um aumento de 17% para 49% na proporção de esgoto tratado que é despejado na Baía de Guanabara desde 2009. O fato é que o Rio de Janeiro ainda tem um longo caminho pela frente. A Olimpíada é só o começo da transformação desejável. Após o evento, a cidade contará com 58 quilômetros de linhas de metrô para seus 6,5 milhões de habitantes.
A Cidade do México oferece uma malha de 202 quilômetros para seus 9 milhões de habitantes. “No campo da habitação, resolver 10% do problema do déficit de moradias em quatro anos é um bom avanço”, diz Vinicius Netto, professor adjunto da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.
“No entanto, o Rio ainda tem 1,3 milhão de pessoas morando em favelas e precisa tratar da urbanização desses espaços.” Barcelona destacou-se por não parar de melhorar depois da Olimpíada. Investiu em um novo bairro voltado para negócios do setor de tecnologia e também continuou a aplicar dinheiro em saneamento básico.
“O Rio de Janeiro deve seguir esse exemplo”, diz Thomaz Assumpção, presidente da consultoria Urban Systems, especializada em infraestrutura urbana. Desde 2009, os cariocas contam com um planejamento de longo prazo, fixando metas para a cidade que são revistas a cada três anos.
A versão em curso, que abrange o período de 2013 a 2016, tem orçamento de quase 40 bilhões de reais para uma lista de 56 iniciativas. “A Olimpíada trouxe a discussão sobre um projeto da cidade, e essa discussão não deve se encerrar com o evento em si”, diz Orlando Alves dos Santos, pesquisador do Observatório das Metrópoles, centro de pesquisa com sede na Ilha do Fundão.
A principal preocupação é evitar que a Rio 2016 siga o caminho desastroso da Copa do Mundo no Brasil: sem planejamento, ela custou caro, trouxe empreendimentos sem ganhos econômicos e deixou um parco legado para as cidades participantes. As obras dos estádios de futebol custaram quase três vezes o valor originalmente anunciado.
Além disso, apenas um quarto dos projetos de infraestrutura previstos para subsidiar o evento e melhorar a vida urbana saiu do papel. “Em relação às obras, o que foi imaginado para a Copa não foi realmente entregue”, afirma José Carlos Pinto, da consultoria EY.
Apesar de não ter incorrido em alguns dos erros que prejudicaram a Copa, o Rio de Janeiro também esbarrou em problemas crônicos do Brasil na preparação do evento. De acordo com o Tribunal de Contas do Município, o valor das obras cresceu 1,8 bilhão de reais por causa de mudanças no escopo dos projetos e nos contratos.
A prefeitura só reconhece que houve aditivo de 26,3 milhões de reais na construção do centro de tênis, para dar mais agilidade à obra. O motivo foi um acordo com a construtora que, em vez de montar a estrutura de concreto no local, utilizará concreto pré-moldado. Como resultado, a estrutura ficou 17% mais cara do que o previsto.
Já no que diz respeito às melhorias para a cidade, algumas obras foram deixadas para trás ou correm o risco de não ser entregues. O caso da limpeza da Baía de Guanabara é o mais emblemático. O governo estadual havia prometido que 80% do esgoto jogado na baía passaria a ser tratado em 2016 para uma boa figura nas competições de vela da Olimpíada.
Houve avanço, com o tratamento de metade do esgoto descartado na baía — agora a meta é chegar a 90% em 2019. Outro compromisso que está em risco é a conclusão da Linha 4 do metrô, com 16 quilômetros de via subterrânea e de superfície para ligar Ipanema à Barra da Tijuca. Até agora a execução da Linha 4 alcança 83% do total.
“É plausível deixar tudo pronto em seis meses se houver recursos disponíveis”, diz Cláudio Frischtak, sócio da consultoria econômica Inter.B. “Mas, com a economia em recessão, se houver falta de dinheiro para as empreiteiras, tudo poderá desandar.” Ou seja, não há margem de erro para imprevistos.
A segurança do evento ganhou uma dose extra de preocupação após os atentados terroristas de 13 de novembro, em Paris, em que uma partida de futebol foi um dos alvos.
Uma central de operações que trabalha sete dias por semana, 24 horas por dia, estará de olho no trânsito e na segurança dos visitantes e da população durante a Rio 2016. Serão mobilizados 85 000 agentes de segurança de 30 instituições diferentes, entre elas as Forças Armadas.
A contabilidade dos benefícios do evento para o Rio de Janeiro será feita e refeita ao longo de anos. Certamente, o turismo será um dos setores que mais poderão avançar. A cidade deverá superar a meta que o evento exige de ampliação da capacidade hoteleira para 48 000 quartos — eram 31 700 em 2010. O governo federal está participando da oferta de cursos para preparar profissionais para receber os turistas.
São esperados 500 000 visitantes estrangeiros. “Essa é a hora de promover o turismo”, diz o ministro Henrique Eduardo Alves. O orçamento para a promoção dos destinos turísticos brasileiros no exterior, no entanto, é de apenas 20 milhões de dólares por ano — para comparar, a Colômbia investe 95 milhões; e a Argentina, 58 milhões de dólares.
O Brasil recebe por ano 6 milhões de turistas, número de visitantes da Torre Eiffel no mesmo período. Uma das formas de impulsionar o turismo é tirar os entraves burocráticos.
A presidente Dilma Rousseff sancionou em novembro um projeto que permite que os ministérios do Turismo, da Justiça e das Relações Exteriores concedam a isenção de vistos para turistas vindos de países com tradição olímpica — como Estados Unidos e Japão — e que não oferecem riscos migratórios e ameaça à segurança nacional. A liberação valeria por um período de 90 dias envolvendo a Olimpíada.
A medida pode resultar num incremento de 20% no número de turistas internacionais esperado de janeiro a setembro de 2016, estima o Ministério do Turismo. Outro ponto que ajudaria o Brasil é um trabalho de marketing.
“O mundo precisa ver o que o Rio de Janeiro está fazendo com a Olimpíada, em uma mensagem consistente e insistente”, diz o publicitário Nizan Guanaes, fundador do grupo de Comunicação ABC. “Nós temos o produto, mas não temos o marketing — a parte mais difícil já foi feita.” O Rio e o Brasil não podem perder a chance de brilhar.