Revista Exame

O que há de errado com o ChatGPT?

O GPT-4, da OpenAI, parece ser capaz de fazer muito mais do que temos noção e lança o debate sobre regular seu avanço na substituição do trabalho. Mas quem são as vozes que pedem essa mediação?

Sam Altman, CEO da OpenAI: a empresa entrou no radar dos reguladores das principais economias do mundo (Jovelle Tamayo/forThe Washington Post/Getty Images)

Sam Altman, CEO da OpenAI: a empresa entrou no radar dos reguladores das principais economias do mundo (Jovelle Tamayo/forThe Washington Post/Getty Images)

Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 08h10.

A Microsoft está supostamente encantada com o ­ChatGPT da OpenAI, um programa de inteligência artificial de linguagem natural capaz de gerar texto que se lê como se um ser humano o tivesse escrito. Aproveitando o acesso fácil ao financiamento ao longo da última década, as empresas e os fundos de capital de risco investiram bilhões numa corrida armamentista de IA, resultando numa tecnologia que pode agora ser usada para substituir os seres humanos numa série mais ampla de tarefas. Isso pode ser um desastre não só para os trabalhadores mas também para os consumidores e até para os investidores.

O problema para os trabalhadores é óbvio: haverá menos empregos que exijam capacidades robustas de comunicação e, portanto, menos posições que paguem bem. Limpadores, motoristas e alguns outros trabalhadores manuais manterão seu emprego, mas todos os outros deveriam ter medo. Tome-se o caso do atendimento ao cliente. Em vez de contratar pessoas para interagir com os clientes, as empresas vão confiar cada vez mais em IAs generativas, como o ChatGPT, para aplacar com palavras inteligentes e tranquilizantes os telefonemas irritados. Menos empregos de entrada significarão menos oportunidades para começar uma carreira — continuando uma tendência estabelecida por tecnologias digitais anteriores.

Os consumidores também vão sofrer. Os chat­bots podem ser bons para lidar com questões inteiramente de rotina, mas são as perguntas não rotineiras que geralmente levam as pessoas a ligar para o atendimento ao cliente. Quando há um problema real — como uma companhia aérea que praticamente não sai do chão ou um cano que explode em seu porão —, você quer falar com um profissional bem qualificado e empático, com a capacidade de reunir recursos e organizar soluções imediatas. Você não quer ser colocado em espera por 8 horas, mas também não quer falar imediatamente com um chatbot eloquente, mas em última análise inútil.

É claro que, num mundo ideal, surgiriam novas empresas oferecendo um serviço melhor ao cliente e capturando uma fatia do mercado. No mundo real, contudo, muitas barreiras à entrada dificultam a expansão rápida das novas empresas. Você pode amar sua padaria local, um representante de companhia aérea amigável ou um médico específico, mas pense no que é preciso para criar uma nova cadeia de supermercados, uma nova companhia aérea ou um novo hospital. As empresas existentes têm grandes vantagens, incluindo formas importantes de poder de mercado que lhes permitem escolher as tecnologias disponíveis para adotar e usar como quiserem.

De modo mais fundamental, as empresas novas que oferecem produtos e serviços melhores em geral exigem tecnologias inovadoras, como ferramentas digitais que possam tornar os trabalhadores mais eficazes e que ajudem a criar serviços mais personalizados para a clientela da empresa. Mas, como os investimentos em IA estão pondo a automação em primeiro lugar, esses tipos de ferramentas nem sequer vêm sendo criados.

Investidores em empresas de capital aberto também vão perder na era do ChatGPT. Essas empresas poderiam estar melhorando os serviços que oferecem aos consumidores, investindo em novas tecnologias para tornar sua força de trabalho mais produtiva e capaz de desempenhar novas tarefas, e fornecendo capacitação o bastante para melhorar as competências dos trabalhadores. Mas não estão fazendo isso.

Muitos executivos continuam obcecados por uma estratégia que, em última análise, será lembrada como autodestrutiva: reduzindo empregos e mantendo salários o mais baixo possível. Executivos perseguem esses cortes porque é o que colegas inteligentes (analistas, consultores, professores­ de finanças, outros executivos) dizem que eles devem fazer, e porque Wall Street julga seu desempenho em relação a outras empresas que também estão pressionando os trabalhadores o máximo que podem.

Brad Smith, presidente da Microsoft: a IA se tornou uma aposta de alto risco para as empresas (Betty Laura Zapata/Bloomberg/Getty Images)

A IA também está pronta para amplificar os efeitos sociais perniciosos do capital privado. Já dá para fazer grandes fortunas comprando empresas, enchendo-as de dívidas enquanto se tornam privadas e, em seguida, esvaziando sua força de trabalho — isso tudo pagando dividendos altos aos novos proprietários. Agora o ChatGPT e outras tecnologias de IA vão tornar ainda mais fácil pressionar trabalhadores tanto quanto possível por meio de vigilância do local de trabalho, condições de trabalho mais rigorosas, contratos de zero hora, e assim por diante.

Todas essas tendências têm implicações terríveis para o poder de compra dos americanos — o motor da economia dos Estados Unidos. Mas, como explicamos no próximo livro, Power and Progress: Our Thousand-Year Struggle Over Technology and Prosperity (“Poder e progresso: nossa luta milenar por tecnologia e prosperidade”, numa tradução livre), nosso futuro não precisa de um motor econômico que engasgue. Afinal, a introdução de novas máquinas e avanços tecnológicos teve consequências muito diferentes no passado.

Há mais de um século, Henry Ford revolucionou a produção de automóveis, investindo pesadamente em novas máquinas elétricas e desenvolvendo uma linha de montagem mais eficiente. Sim, essas novas tecnologias trouxeram certa quantidade de automação, à medida que as fontes de eletricidade centralizadas permitiram às máquinas executar mais tarefas de forma mais eficiente. Mas a reorganização da fábrica que acompanhou a eletrificação também criou novas tarefas para os trabalhadores e milhares de novos empregos com salários maiores, reforçando a prosperidade compartilhada. A Ford liderou o caminho ao demonstrar que a criação de tecnologia complementar ao ser humano é um bom negócio.

Hoje, a IA oferece uma oportunidade de fazer o mesmo. As ferramentas digitais alimentadas por IA podem ser usadas para auxiliar enfermeiros, professores e representantes de atendimento ao cliente a entender com o que estão lidando e o que ajudaria a melhorar os resultados para pacientes, estudantes e consumidores. O poder preditivo dos algoritmos poderia ser aproveitado para cooperar com as pessoas, em vez de substituí-las. Se as IAs forem usadas para oferecer recomendações para consideração humana, a capacidade de seguir essas recomendações com sabedoria será reconhecida como uma habilidade humana valiosa. Outras implementações de IA podem facilitar uma melhor alocação dos trabalhadores nas tarefas ou até criar mercados totalmente novos (pense nos apps Airbnb ou de compartilhamento de caronas).

Infelizmente, essas oportunidades estão sendo negligenciadas, porque a maioria dos líderes de tecnologia dos Estados Unidos continua gastando muito para desenvolver softwares capazes de fazer o que os humanos já fazem muito bem. Eles sabem que podem facilmente cair fora com lucro vendendo seus produtos para empresas com visão de cabresto. Todos estão focados em alavancar a IA para reduzir os custos de mão de obra, com pouca preocupação não só com a experiência imediata do cliente mas também com o futuro do poder de compra americano.

A Ford entendeu que não faria sentido produzir carros em massa se as massas não pudessem comprá-los. Os titãs corporativos de hoje, pelo contrário, estão usando as novas tecnologias de maneiras que vão arruinar nosso futuro coletivo.


(Publicidade/Exame)

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