Lincoln Ando, da IDWall: foco na redução das fraudes de identidade | Germano Lüders / (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 05h00.
Última atualização em 17 de janeiro de 2019 às 05h00.
Ver é melhor que ouvir 100 vezes.” Essa expressão popular chinesa, nos últimos tempos, ganhou novos significados graças à tecnologia. Para um morador de metrópoles como Pequim e Xangai, basta deixar o rosto à mostra para receber dicas de maquiagem, comprar comida ou acabar exposto como infrator em algum telão público.
O mercado de reconhecimento facial deverá faturar 882 milhões de dólares em 2024, quase seis vezes a receita de 2015, de acordo com a consultoria de tecnologia Tractica. A identificação de faces é mais conhecida em aplicações feitas por grandes empresas de tecnologia, das sugestões de fotos “marcáveis” na rede social Facebook ao login por selfie no iPhone X. Mas o mercado abre oportunidades também para startups da China, dos Estados Unidos, de Israel — e, por que não?, do Brasil. Uma das histórias de sucesso é a da israelense RealFace, comprada em 2017 pela Apple. “As startups conseguem testar soluções em um ritmo mais rápido do que as grandes empresas. Depois, viram alvos naturais para aquisições”, diz Itali Collini, diretora da aceleradora 500 Startups no Brasil.
Uma das empresas mais promissoras do Brasil nesse campo atacou um problema bem brasileiro: fraudes de identidade, que geram mais de 11 bilhões de reais de prejuízo anual a empresas, segundo dados do Ministério da Justiça e da Universidade de Brasília. Os analistas de sistemas Lincoln Ando, de 27 anos, e Raphael Melo, de 29, perceberam o tamanho do problema quando trabalharam juntos no Banco Original, focado em cadastros digitais. Em julho de 2016, a dupla criou a startup paulistana IDWall.
A tecnologia Face Match, da empresa, compara uma selfie tirada na hora com a foto de um documento da mesma pessoa que está num arquivo. O software faz isso dividindo a imagem facial em centenas de pontos. Do outro lado, há 220 bancos de dados para confirmar se os usuários que se cadastram digitalmente são quem dizer ser. Entre os 100 clientes da IDWall estão empresas de transporte, como 99, Loggi e Rappi, que precisam confirmar a identidade de motoristas e entregadores; a companhia de aluguel de carros Movida; e o próprio Banco Original. A IDWall passou pela 500 Startups e recebeu 9 milhões de reais dos fundos brasileiros Canary e Monashees e de empresas como o varejista Mercado Livre. O negócio se monetiza por mensalidades, que partem de 1 000 reais. A IDWall afirma ter triplicado o faturamento em 2018 e projeta repetir a escalada neste ano.
A paulistana FullFace usa o reconhecimento facial para fidelizar consumidores. Um de seus 30 clientes fixos é a companhia aérea Gol, que faz check-ins com um aplicativo que pede selfies. “No futuro, queremos acompanhar o cliente desde a compra da passagem até o embarque pelo reconhecimento facial”, dizem os fundadores Danny Kabiljo, de 40 anos, e José Guerrero, de 54 anos. O sistema de reconhecimento facial próprio da FullFace analisa 1 024 pontos da face em 0,05 segundo num software que pode ser instalado em celulares, webcams e sistemas com câmeras de segurança. A força comercial e a estrutura enxuta são vantagens competitivas. A empresa cobra alguns centavos por face analisada. O negócio recebeu um aporte de 5 milhões de reais do fundo de investimentos Primatec. Para este ano, a meta da FullFace é conquistar empresas de educação online e varejistas.
Na China, duas startups de reconhecimento facial já valem bilhões: a SenseTime, avaliada em 4,5 bilhões de dólares, e a concorrente Megvii, na casa dos 2 bilhões. Ambas receberam investimentos da varejista Alibaba e apoio do governo chinês, seguindo os planos do presidente Xi Jinping de tornar o país líder em inteligência artificial até 2030. Mas a China é também campo de testes para o lado negro do reconhecimento. O sistema de vigilância social lá implementado, com 170 milhões de câmeras, já identificou erroneamente cidadãos como infratores. Nos Estados Unidos, um sistema de reconhecimento da Amazon usado por policiais apontou congressistas negros erroneamente como criminosos.
A tecnologia, claro, tende a melhorar com o tempo. Mas as discussões sobre seus limites, e vieses, estão em aberto. No Brasil, uma Lei Geral de Proteção de Dados entrará em vigor em 2020. Usuários e governos têm uma preocupação crescente com a privacidade, mas o potencial de negócio em torno das selfies vai continuar crescendo. Para as grandes, e também para as pequenas empresas.