Revista Exame

Brasil, o país do bê-á-bá, segundo pesquisa da McKinsey

Pesquisa da McKinsey sobre avanços no sistema de ensino destaca Minas Gerais como exemplo na alfabetização infantil por fazer o que poucos conseguem no Brasil — o básico

Excelência mineira no ensino: a escola Osório de Moraes, em Coromandel, tem nota 8,3 no exame que avalia a educação básica (Roberto Chacur/Exame)

Excelência mineira no ensino: a escola Osório de Moraes, em Coromandel, tem nota 8,3 no exame que avalia a educação básica (Roberto Chacur/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 12h31.

Em 2006, a Secretaria de Educação de Minas Gerais decidiu medir a capacidade de leitura dos alunos da rede pública na faixa de 8 anos, idade considerada adequada para crianças já exibirem habilidades de ler e escrever. O resultado foi um desastre. Apenas metade dos quase 260 000 alunos avaliados demonstrou domínio adequado das letras.

Outros 20% reconheceram frases, sem estabelecer boas ligações entre elas, e 31% identificaram apenas palavras isoladas. A partir dessa constatação constrangedora, o governo mineiro montou o que Vanessa Guimarães Pinto, secretária de Educação do estado, chama de “artilharia de guerra em defesa da alfabetização no tempo certo”.

Foi instituída uma ampla reforma, que afetou a gestão e a forma de lecionar nas escolas públicas dedicadas aos primeiros anos de ensino.

A ofensiva parece estar surtindo efeito. Nos exames deste ano, 86% dos 330 000 estudantes avaliados mostraram desempenho adequado. Para os padrões brasileiros, trata-se de um salto considerável.

Um recente estudo da Unesco, ao avaliar o desempenho de alunos da 3a à 6a séries em 16 países da América Latina, concluiu que um terço dos brasileiros não é capaz de ler além de palavras ou frases soltas. Nesse ambiente, o avanço de Minas Gerais, em tão curto espaço de tempo, impressionou.

“O exemplo de Minas mostra que até sistemas de ensino mais fracos podem evoluir rapidamente quando adotam políticas adequadas”, diz a economista egípcia Mona Mourshed, sócia da consultoria de gestão McKinsey.

A McKinsey incluiu a experiência de Minas Gerais, estado que se destaca na melhoria dos indicadores de educação, no recém-lançado estudo “Como os sistemas escolares mais aperfeiçoados do mundo continuam a melhorar”,coordenado por Mona.

Obtido com exclusividade no Brasil por EXAME, o trabalho relata experiências de 20 sistemas de ensino utilizados em diferentes países. A consultoria identificou como cada sistema está galgando novos estágios de qualidade, numa escala com cinco degraus — fraco, satisfatório, bom, ótimo e excelente.

“Minas Gerais exemplifica a etapa inicial da jornada”, diz Marcos Cruz, sócio da McKinsey responsável pela parte brasileira do estudo. Ou seja, o sistema de educação no estado avança do fraco para se tornar satisfatório, de acordo com a escala da consultoria. A essência da reforma mineira é o Programa de Intervenção Pedagógica (PIP).

Com o PIP, a Secretaria de Educação passou a orientar de perto o ensino nas escolas, até então ministrado a gosto do professor, não raro com pouco ou nenhum planejamento. “Precisávamos recuperar o ofício de ensinar a ler e a escrever”, diz a secretária Vanessa. “Ficou claro que não haveria como avançar se as escolas estivessem isoladas e distantes da secretaria.”


O trabalho demandou mudanças estruturais. A equipe pedagógica que opera na Secretaria de Educação, que tinha apenas oito funcionários, recebeu 52 novos professores com experiência específica em alfabetização. Eles passam 15 dias por mês percorrendo as 46 superintendências regionais com a missão de atuar como treinadores.

Outros 1 200 professores espalhados pelas superintendências acompanham semanalmente o trabalho e ministram cursos nas escolas estaduais e municipais que fazem parte do projeto. O governo mineiro lançou mais de 20 publicações para instruir professores, diretores e bibliotecários sobre novas práticas de alfabetização.

O estado ainda adotou metas de desempenho para os alunos, e exames anuais atestam se elas estão sendo cumpridas. Em caso de avanço, os professores recebem prêmios de produtividade em dinheiro. Por fim, o resultado de todo o esforço é transformado em dados para nortear o rumo do trabalho.

Hoje a Secretaria de Educação de Minas sabe quem são e onde estão os 79 000 alunos que não alcançaram o desempenho esperado nos exames e quais são suas limitações. Cada um deles receberá acompanhamento especial do professor no próximo ano letivo.

“A meta agora é estender o PIP aos anos finais do fundamental e depois implantá-lo no ensino médio”, diz Maria da Graça Bittencourt, coordenadora do programa.

A melhor

O exemplo mais vistoso da reforma é a Escola Estadual de Educação Básica Osório de Moraes, de Coromandel, cidade do Triângulo Mineiro situada a quase 500 quilômetros de Belo Horizonte. Ela é a escola mineira com maior nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007 para medir a qualidade do ensino.

De todas as escolas brasileiras com nota acima de 7 no Ideb, 73% são mineiras. O segundo estado nesse ranking é São Paulo, com apenas 15% das escolas com notas acima de 7. Em 2009, a Osório alcançou a nota 8,3. O resultado foi quase o dobro da média nacional e 2 pontos à frente dos 6,5 alcançados pela própria Osório de Moraes em 2005, quando começou a participar dos exames.

A professora Maria Eleuza Pereira, com 28 anos de magistério, 25 deles na Osório, já passou por várias reformas, mas se impressiona com a proposta e os resultados do PIP.

“Agora temos um plano de aula organizado, sequencial e multidisciplinar”, diz ela. “Passamos a trabalhar com poemas, contos, notícias e a interligar informações para fazer a criança entender que há interpretação num enunciado de matemática e cálculo num texto de geografia.”


Apesar de comemorada pelos educadores que participam da reforma, a escolha de Minas Gerais pela McKinsey causa mais desconcerto do que orgulho entre os especialistas. A consultoria queria entender duas questões com o estudo: como um sistema escolar de baixo desempenho pode evoluir para tornar-se bom, e como um sistema bom pode atingir a excelência.

Minas responde, em parte, a primeira delas. É exemplo de como até os piores podem evoluir. Aparece na mesma categoria — de transição do estágio fraco para o satisfatório — em que está Gana, país africano que melhorou o ensino ao adotar procedimentos como a distribuição de livros didáticos e de água potável para os estudantes.

“É inconcebível que o Brasil ainda se mostre incapaz de promover uma reforma efetiva para avançar na educação”, diz o economista Gustavo Iochpe, especialista na área.

No estudo da McKinsey, um fosso separa o melhor exemplo brasileiro dos líderes em excelência educacional. Foram avaliados casos como os dos estados de Ontário, no Canadá, e da Saxônia, na Alemanha, e, com especial destaque, os sistemas nacionais de Hong Kong, Coreia do Sul e Singapura, países que descolaram do resto do mundo por meio de investimentos contínuos em educação ao longo de décadas.

Enquanto o Brasil preocupa-se em melhorar o bê-á-bá, o trio asiático instiga a criatividade e a capacidade de inovar entre estudantes e docentes. A Coreia tem no currículo aulas com recursos tão distintos quanto karaokê e violino para tornar o ensino atraente nas 8 horas em que os alunos ficam na escola.

Em Singapura, as crianças são reunidas em turmas de acordo com suas habilidades — em humanas, exatas ou biológicas — para aprimorar capacidades natas.

“É preciso valorizar todas as iniciativas que melhorem a educação brasileira, como a de Minas”, diz Ilona Becskeházy, diretora da Fundação Lemann, entidade que promove o desenvolvimento da educação no Brasil. “Mas não podemos nunca nos orgulhar de aparecer num estudo global numa posição dessas.”

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