Maior youtuber do mundo, o americano Jimmy Donaldson (MrBeast) furou a bolha da internet em 2020 e lançou a rede de hamburguerias MrBeast Burger (Don Arnold/Wireframe/Getty Images)
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Publicado em 10 de dezembro de 2024 às 06h00.
À primeira vista pode não parecer, mas há um sinal amarelo aceso no mercado de influência. É inegável que, nos últimos anos, o setor cresceu consideravelmente: segundo estimativa do banco de investimento Goldman Sachs, o mercado global movimentou 250 bilhões de dólares em 2023 e deverá chegar a 470 bilhões de dólares em 2027. Aqui no Brasil, onde a população de influencers gira em torno de 13,5 milhões, de acordo com dados de YouPix e Nielsen, a expectativa é de que os negócios em torno dos likes, posts e vídeos alcancem 21 bilhões de dólares neste ano, prevê a consultoria Statista. No entanto, o horizonte de médio e longo prazo mostra um número crescente de fatores que fazem muitos criadores de conteúdo arrancarem os cabelos.
De um lado, os algoritmos das redes sociais, cada vez mais exigentes e voláteis, e uma enorme competitividade pela atenção do público fazem os números de alcance e engajamento de muitos profissionais caírem. Métricas reduzidas, por consequência, fazem os cachês e #publis ficarem exíguos, além de diminuir o número de influenciadores capazes de viver “só de internet”.
Do outro, escândalos frequentes e inúmeros investimentos sem sucesso deixam as marcas cada vez mais criteriosas em suas apostas no setor. Segundo dados da pesquisa ROI & Influência, feita por YouPix e Nielsen, entre 2023 e 2024, caiu de 28% para 19% o total de marcas que investiam acima de 1,5 milhão de reais em campanhas com creators; o levantamento ainda mostra que há redução dos castings de influencers nas ações. Como cereja do bolo, há a popularização da inteligência artificial (IA), que torna ainda mais simples a criação de conteúdos, dinamitando de vez as barreiras de entrada na área.
É uma tempestade perfeita, que faz muita gente questionar qual é o futuro desse mercado. “A bolha estourou, e tem sido cada vez mais difícil competir com tanta informação e feita de maneira hiperprofissional. A internet virou um grande espetáculo e disputamos atenção com todo mundo”, destaca a coolhunter Ly Takai, dona da consultoria 2 Be Cool e mentora de influenciadores no mercado de moda. Conselheiro do Grupo Cimed, que tem se destacado nas redes, e ex-VP de marketing do McDonald’s no Brasil, João Branco não acredita que o setor vive uma crise, “e sim um momento de maturação e evolução”.
Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e um dos pioneiros na criação de conteúdo para internet no Brasil, Edney Souza acredita que o mercado vive uma “crise de atenção”. O primeiro passo para entender essa crise é compreender que, nos últimos anos, as barreiras de entrada para virar um influenciador se tornaram cada vez menores, com a popularização de câmeras, redes sociais e até mesmo de softwares de edição. “Antigamente, precisava de uma boa câmera e um programa parrudo. Hoje, dá para ligar um celular qualquer, apertar um botão e sair falando. Depois, alguns cliques para editar, dá OK e publica”, diz o pesquisador.
Outro ponto importante é entender que as redes sociais viraram uma vitrine para diferentes profissões — especialmente durante a pandemia, em que muita gente deixou de ter uma porta envidraçada de verdade para atender os clientes. “O dermatologista, o personal trainer, o dentista, o cabeleireiro, todos buscaram virar influencers em suas áreas. Há disputa de atenção com todo mundo a todo momento”, explica Ly Takai. “Até mesmo quem nem queria ser influenciador acaba sentindo que precisa ter perfil ativo para vender”, complementa Souza.
O problema é que a quantidade de pessoas consumindo esses conteúdos não aumentou na mesma proporção — dados do NIC.br, por exemplo, mostram que a quantidade de brasileiros conectados à internet saltou de 74% para 84% da população entre 2019 e 2023. “A pandemia terminou de incluir quem ainda não tinha internet, mas o uso da rede não vai mudar mais. Tem gente demais fazendo conteúdo, mas quem é usuário continua tendo as mesmas 24 horas por dia”, pondera o acadêmico da ESPM.
Não precisa ser nenhum gênio da economia para sacar que oferta e demanda ficaram desreguladas nas redes sociais, que, além de tudo, não são exatamente um livre mercado. Aí entra o papel de sua santidade, o algoritmo — responsável por determinar quais conteúdos, entre os muitos produzidos pelos criadores, devem ser exibidos segundo os interesses de cada usuário. “É preciso lembrar que o algoritmo também é ‘funcionário’ das redes, que tem interesses próprios. O algoritmo é uma força que tenta incentivar as pessoas a ficarem mais tempo conectadas e tenta fazer as pessoas comprarem cada vez mais coisas por meio da rede social”, lembra João Branco.
De olho em ter bons números para atrair as marcas, por sua vez, os influenciadores voltam suas reclamações para as redes e pedem por regulamentação governamental. “Não há controle sobre o que a plataforma vai mostrar, e isso influencia no trabalho, porque ninguém sabe como o algoritmo funciona e não há nem avisos das plataformas se as mudanças acontecem. Não há proteção”, diz Taize Odelli, produtora de conteúdo em diferentes plataformas, além de trabalhar nos bastidores das redes de empresas e de outros influenciadores, como a escritora Camila Fremder. “A regulamentação ajudaria o mercado de influência a se tornar mais seguro.”
Por outro lado, há quem tente aparecer intensificando a quantidade de conteúdos produzidos — o que gera efeitos complexos e, até certo ponto, devastadores. “Diminuir alcance faz a presença dos influenciadores se tornar ininterrupta, criando sem parar. É um sistema que tem adoecido inúmeros profissionais”, afirma Ly Takai. “Há avanços que não podem ser ignorados, mas vemos gente esperando 120 dias para receber uma publicidade que vem sempre acompanhada de urgência no pedido.”
Já João Branco entende que o momento é de maturação, em que muitos criadores estão percebendo que o que conta não são as métricas de engajamento. “Sei que é estranho dizer isso, mas anunciantes não precisam de exposição. A moeda mais valiosa que o creator tem não é número de seguidores nem de likes, e sim sua capacidade de mobilização das pessoas”, diz o executivo, que também é escritor, podcaster e palestrante.
Nova disputa
Se o cenário já era complexo, ele se tornou ainda mais difícil de entender com a popularização da inteligência artificial generativa. É uma faca de dois gumes: sistemas como o ChatGPT (da OpenAI), Gemini (Google) e Llama (Meta) não só auxiliam as pessoas a produzirem conteúdo, reduzindo ainda mais a barreira de entrada, como também muitas vezes utilizam criações dos influenciadores dentro de seus bancos de dados como base para novas produções.
Não à toa, a introdução de uma nova regra nos termos de uso do Instagram, que passaria a utilizar as postagens para treinar a inteligência artificial da Meta, provocou polêmica recentemente. “Não quero que meu conteúdo ou as pessoas que trabalham comigo sejam usadas pela IA sem receber nada em troca. Há vários problemas éticos e práticos nessa dinâmica — e um criador de conteúdo recorrer a uma ferramenta que rouba o trabalho de outras pessoas é contribuir para o seu próprio fim”, define Taize. “Muita gente diz que a IA vai facilitar a vida, mas daqui a pouco não vão mais precisar de dubladores, tradutores ou artistas, precarizando o que as pessoas fazem.”
Mas há quem veja a adoção da tecnologia com bons olhos. “Quem souber usar os benefícios da IA para afinar pesquisas, buscar referências, cruzar informações, pode chegar a resultados incríveis, inesperados até”, aposta Ly Takai. “Agora, quem olhar para a ferramenta nesse pensamento de ter menos trabalho vai continuar criando ruído e pasteurização.” Já João Branco vê a possibilidade de um mercado cada vez mais global. “O português é uma língua que pouca gente no mundo fala, mas com IA dá para traduzir com poucos cliques. Imagine o alcance que o Whindersson pode ter em 50 línguas diferentes?”, projeta.
Outras previsões são menos otimistas, como a popularização das figuras de influenciadores digitais, avatares de pessoas que não existem criados pelas marcas para se comunicar diretamente com o público. “A gente já tem um case como a Lu, do Magazine Luiza, mas vai ser muito mais intenso — e com um custo computacional baixo”, projeta Edney Souza. “Para quem lida com humanos, o digital é fichinha: ele não vai reclamar, não tem problema de prazo e não tem caprichos do ser humano real. As próprias big techs, inclusive, poderiam promover seus influenciadores, eliminando os intermediários.”
Para João Branco, é um longo passo — e que não ataca o ponto central do problema. “No fundo, a discussão não é procurar um influenciador mais barato, mas humanizar a relação das marcas com as pessoas”, diz. “Gente gosta de se relacionar com gente: nas redes, as pessoas buscam amigos, não o carro da pamonha anunciando produtos.” Já Ly Takai vê nesse contexto um cenário apocalíptico, mas com poucas chances de vingar. “Não me surpreenderia se as marcas optassem por esse caminho, até porque o processo de desumanização dos criadores já acontece, mas não acredito que isso terá aderência. O público brasileiro tem demandas de diálogo que um influenciador criado por IA não pode fornecer.”
Qual é o caminho? Como qualquer pessoa que se vê numa encruzilhada, há muitas dúvidas sobre qual rumo seguir. Deixar as plataformas e construir novos canais, como newsletters ou podcasts, não parece ser o segredo. “As marcas sempre querem a rede social da vez”, diz Taize Odelli, cujo podcast voltado para o público feminino PPKansada chegou ao fim em março, depois de passar o Mês da Mulher sem receber propostas de publicidade — a despeito de cativar um público de 13.000 ouvintes por episódio. “Além do cansaço do tema, nós percebemos que não ia dar para continuar dessa forma.”
No entanto, aumentar a quantidade de locais de conversa pode ser uma saída para reduzir a dependência da troca entre influência e verbas de publicidade — a despeito de que 50,9% dos influenciadores brasileiros têm no #publi sua principal fonte de receita, segundo YouPix e Nielsen.
“A única saída é olhar para a própria marca pessoal como ativo de valor, ter uma multicanalidade que conduza audiências a uma rede proprietária e construir projetos que permitam transbordar essa marca em outros desenvolvimentos, não restritos a uma rede social”, aposta Ly Takai. Isso significa desenvolver cursos, consultorias, mentorias, infoprodutos, eventos… ou até mesmo produtos físicos, com o creator virando uma marca — e aqui há inúmeros exemplos, seja do youtuber americano Mr. Beast e sua linha de hambúrgueres, seja Camila Coutinho e a GE Beauty, derivada do blog de moda Garotas Estúpidas.
Se durante muitos anos virar influenciador foi a profissão dos sonhos — e muita gente largou CLT e emprego estável para ganhar a vida na internet —, talvez seja a hora de fazer um movimento contrário. “É inteligente pensar na rede social como parte da engrenagem. Quem vai à minha rede social tem grande chance de querer ver minha palestra, comprar meu livro, fazer meu curso ou me chamar para ser conselheiro de uma empresa”, explica João Branco, que tem cerca de 250.000 seguidores em suas contas, tanto no LinkedIn como no Instagram. “É uma roda em que uma peça gira a outra — e talvez a rede social não seja a peça que tem a maior remuneração.”
“Ser influenciador não é uma carreira. É um trabalho que você faz como consequência de ser uma pessoa entendida em um assunto. E é bom haver esse movimento contrário, até porque o mundo da influência parece uma fantasia — ganhar 7.000 reais para fazer um vídeo de 1 minuto é fora da realidade do Brasil”, comenta Taize Odelli. “Além disso, se você pensar nos grandes influenciadores do Brasil, muitos vendem um estilo de vida de luxo, com viagens, compras… e isso não é uma carreira a se almejar, porque a pessoa não entrega nada além da aspiração.” Para ela, porém, é preciso lembrar um ponto: se a influência deixa de ser uma carreira, muita gente que faz essa roda girar nos bastidores, como editores de vídeo, roteiristas e designers, pode acabar ficando sem fonte de renda fixa.
Em meio a tantas discussões, talvez seja propício um momento de reavaliação. “Como humanidade, nós temos muito pouco tempo convivendo com a internet e com dispositivos eletrônicos e não paramos para nos questionar. Acredito que é preciso uma reflexão sobre que tipo de conteúdo queremos produzir e consumir”, diz Edney Souza. Ly Takai concorda — e diz que a reflexão é de todos. “Influencers precisam olhar para si mesmos, enquanto marcas e consumidores devem entender onde depositar sua atenção, com quem e como vão se relacionar e o que faz sentido validar enquanto influência”. E, se o momento é de pensar, talvez seja a hora de parar de rolar a tela, pausar o dedo por um segundo e contemplar bem a encruzilhada antes de dar o próximo passo.