Revista Exame

O lucro das maiores empresas brasileiras encolheu. E agora?

Num ano em que a economia brasileira não saiu do lugar, as 500 maiores empresas cresceram apenas 2% e reduziram o lucro 34% — o pior resultado desde 2002


	Fábrica da Peugeot Citroën: a montadora francesa aposta na reação das vendas
 (Germano Luders/Exame)

Fábrica da Peugeot Citroën: a montadora francesa aposta na reação das vendas (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 21 de agosto de 2015 às 11h54.

São Paulo — A história recente do Brasil mostra que existem várias maneiras de deixar que os problemas se agravem. Uma delas — talvez a pior de todas — é negar que eles existem, fazendo com que se avolumem a tal ponto que se torna quase impossível encontrar uma saída.

Foi o que fez nos últimos anos o governo ao ignorar os sinais de alerta do esgotamento de sua política de desenvolvimento centrada na forte intervenção estatal na economia e no estímulo ao consumo e que foi acompanhada de certa leniência em relação à inflação, ao descontrole das contas públicas e à falta de regras claras para a atração de investimento privado.

Ao que parece, a presidente Dilma Rousseff finalmente reconheceu que alguns desses problemas, de fato, existem, ainda que, volta e meia, ela insista na ideia de que o maior problema do Brasil são os outros — ou seja, a conjuntura internacional adversa. É uma tese que não se sustenta pela simples constatação de que, nos últimos anos, crescemos bem abaixo da média da maioria dos vizinhos na América Latina. Estamos falando de países como Colômbia, Peru e Paraguai, que até há pouco estavam longe de despertar um sentimento de inveja nos brasileiros.

O resultado da negação da realidade por tanto tempo aparece, justamente, no mundo real, retratado nesta edição de MELHORES E MAIORES. Em 2014, as 500 maiores empresas do Brasil somaram uma receita líquida de 854 bilhões de dólares, com avanço de 2,1% em relação à obtida no ano anterior.

É uma taxa superior à da expansão quase nula do produto interno bruto no ano, mas que representa quase a metade do crescimento (3,9%) alcançado pelas empresas em 2013, ano que já tinha sido fraco. Mas o pior de tudo apareceu em destaque na última linha dos balanços contábeis. Deduzidos os impostos e as despesas, o bloco das 500 maiores empresas obteve lucro líquido de 21,6 bilhões de dólares, com queda de 34% em relação ao alcançado no ano anterior.

Foi o menor lucro desde 2002 — e quase um terço do valor conseguido em 2010, quando o PIB brasileiro cresceu 7,6% e parecia que o país estava no rumo do pódio mundial. “A combinação de economia estagnada com desvalorização do câmbio e falta de perspectiva de volta do crescimento só poderia causar impacto negativo no desempenho das empresas”, diz Carlos Gomes, presidente da subsidiária da montadora francesa PSA Peugeot Citroën.

As dívidas das empresas alcançaram 661 bilhões de dólares, 9,3% mais do que no ano anterior. Seu quadro de pessoal caiu 11,5%, para 2,6 milhões de empregados. E a rentabilidade do patrimônio — um dos principais indicadores de eficiência empresarial — recuou de 5,3%, em 2013, para 3,5%, no ano passado. Em resumo: nem mesmo a elite corporativa, acostumada a exibir desempenho acima da média nacional, teve motivos para comemoração.

Em meio a tantos números desanimadores, um alento: “Excluindo os resultados da Petrobras do levantamento das 500 maiores empresas, em vez de diminuir, o lucro líquido do bloco cresceu 12% no ano passado”, diz Ariovaldo dos Santos, coordenador técnico da Fipecafi, fundação ligada à Universidade de São Paulo que responde pela coleta e análise das informações de MELHORES E MAIORES. “Isso mostra que 2014 não foi um ano tão desastroso para a maioria das empresas.”

Ao mesmo tempo, o dado evidencia o enorme peso da estatal de petróleo na economia brasileira. Juntas, a Petrobras e sua subsidiária BR Distribuidora representam 15% do faturamento das 500 maiores empresas do país. No epicentro do maior escândalo de corrupção já revelado no Brasil, a Petrobras fechou o ano passado com prejuízo de 4,9 bilhões de dólares — no ano anterior, havia lucrado 9,1 bilhões.

Em meio às investigações da Operação Lava-Jato, que apura o esquema de desvio de dinheiro na Petrobras, a estatal paralisou várias obras de grande porte, como a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e de refinarias no Nordeste, causando repercussão em uma extensa cadeia de fornecedores. O efeito em cascata da suspensão dessas e de outras obras, ao lado da desaceleração do mercado imobiliário, levou a indústria da construção a reduzir o faturamento 24% no ano passado — a maior queda entre os setores analisados.

Atingida pelas investigações da Lava-Jato, a Odebrecht, maior construtora do país, obteve no ano passado uma receita líquida de 2,4 bilhões de dólares, valor 32% inferior ao do ano anterior. Por causa da crise no setor, o grupo Odebrecht — que inclui a petroquímica Braskem e diversas outras empresas — pretende demitir 10 000 empregados no Brasil em 2015.

Contratações, só no exterior, onde o plano neste ano é recrutar 5 000 trabalhadores. O grupo se ressente da falta de crédito para financiar seus projetos de longo prazo. Dias antes de ser preso pela Polícia Federal, o presidente do conglomerado, Marcelo Odebrecht, deu uma entrevista a MELHORES E MAIORES em que criticou a decisão do BNDES de cortar os financiamentos em novas concessões.

“É certo que é preciso diminuir o papel do banco, mas este é o momento adequado? O governo vai reduzir o papel do BNDES num momento em que a taxa básica de juro está em 13,75% ao ano?”, disse Ode­brecht. Até o fechamento desta edição, em 26 de junho, o empresário continua­va detido na carceragem da Polícia Fe­de­ral em Curitiba.

De fato, a falta de cré­dito é um problema crítico para mui­tas empresas no momento atual do país. “Os bancos estão evitando dar crédito para a construção civil com medo de que algumas empresas quebrem”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA, de São Paulo. Nas contas de Borges, o PIB do setor de construção deverá cair 8% neste ano.

Um ramo bastante sensível à oferta de crédito é o comércio. Os dados das 55 varejistas que figuram na lista das 500 maiores mostram que não houve retração das vendas em 2014: juntas, essas empresas tiveram receita de 86 bilhões de dólares, crescendo 10% em relação ao ano anterior. Informações mais recentes, no entanto, indicam que a desaceleração do consumo já afeta o comércio.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a receita das lojas caiu 0,8% no primeiro trimestre ante o mesmo período do ano passado. O Magazine Luiza é uma das redes varejistas que tiraram proveito da Copa do Mundo para fazer promoções de televisores e outros aparelhos eletrônicos. A empresa conseguiu elevar as vendas em 13,5% no ano passado, faturando 3,3 bilhões de dólares.

Com isso, subiu cinco posições no ranking e galgou o 47o lugar entre as maiores empresas do país. “Depois da Copa do Mundo, o ritmo de crescimento foi desacelerando”, diz Marcelo Silva, superintendente do Magazine Luiza. Pelo balanço da empresa, no primeiro trimestre de 2015, o lucro caiu 86% em relação ao obtido no mesmo período do ano anterior. Para Silva, esse é um negócio que, cedo ou tarde, sente os efeitos do aumento da inflação, dos juros, do desemprego e da queda de renda do trabalhador. “Tudo isso mexe com o bolso do consumidor e derruba sua confiança”, diz.

Também dependente de crédito para financiar as vendas, as fabricantes de automóveis vêm passando por um de seus piores momentos no Brasil. Em 2014, as empresas do setor de autoindústria que figuram entre as 500 maiores companhias do país tiveram queda de 17,5% nas vendas em relação ao ano anterior.

E, diferentemente das crises anteriores, desta vez as montadoras não poderão contar com a ajuda do governo, que em outros tempos vinha em socorro cortando a alíquota do imposto que incide sobre os carros. Sem o auxílio do governo e com os consumidores endividados, o setor deve encolher.

A previsão é que sejam vendidos 2,8 milhões de veículos em 2015 — se isso se confirmar, será a primeira vez desde 2008 que o volume ficará abaixo de 3 milhões. A PSA Peugeot Citroën não escapou desse cenário e fechou 2014 no vermelho pelo terceiro ano consecutivo, com prejuízo de 700 milhões de reais. A situação complicada obrigou a matriz francesa a socorrer a subsidiária com uma injeção de 2,6 bilhões de reais no ano passado.

Mesmo assim, o comando da empresa está otimista. “Apesar da crise, temos confiança de que as coisas vão melhorar”, diz Carlos Gomes, presidente da PSA. “O crédito vai voltar e estamos nos preparando para isso.” Sua principal aposta está no utilitário compacto Peugeot 2008, lançamento que permitirá à empresa disputar um dos poucos segmentos que vêm ampliando vendas apesar da retração geral.

O Peugeot 2008 começou a ser produzido na fábrica da PSA em Porto Real, no Rio de Janeiro, e deverá chegar às lojas no segundo semestre. Se as fabricantes de automóveis precisam agora se virar sem a mão amiga do governo, o setor elétrico começa a sentir alívio com o afrouxamento da mão forte desse mesmo governo, que fez intervenções desastradas nos últimos anos.

Em 2012, a presidente Dilma baixou uma medida provisória com a promessa de reduzir 20% as tarifas de energia elétrica, em troca da renovação antecipada de contratos de concessão de usinas hidrelétricas. Como se sabe, deu tudo errado. Algumas concessionárias não aderiram ao plano e, para piorar, a falta de chuvas levou ao esvaziamento das represas, obrigando o governo a acionar usinas termelétricas a óleo, mais caras. Sem opção, Brasília depois liberou o reajuste das contas de luz.

A alta no ano passado foi de quase 20% — e poderá subir mais 50% neste ano. Se o aumento de tarifas pressiona a inflação, também ajuda a melhorar o caixa das empresas. No total, as companhias de energia que figuram na lista das 500 maiores elevaram sua receita líquida em 14% no ano passado.

Situação confortável 

Nesse ambiente confuso, uma empresa que conseguiu atravessar o ano com ganhos foi a estatal mineira Cemig. Por atuar de ponta a ponta na cadeia do setor elétrico — geração, transmissão, distribuição e comercialização —, a companhia conseguiu atenuar os efeitos negativos da redução da capacidade de produção de energia causada pela longa estiagem.

Em 2014, só o braço de geração e transmissão do grupo Cemig teve lucro líquido de 716 milhões de dólares — o sétimo melhor resultado entre as 500 maiores empresas. E sua unidade de distribuição contribuiu com mais de 139 milhões de dólares de retorno. Esses números deixam a empresa em uma posição relativamente confortável para enfrentar a baixa da capacidade de geração, que persiste por causa da escassez de chuvas.

A Cemig não esconde o interesse nos ativos de gás e termelétricas que a Petrobras deve colocar à venda para reduzir as dívidas. Além disso, quer ser uma participante ativa nos próximos leilões de linhas de transmissão, que deverão começar no segundo semestre. “Temos caixa para participar de todos os leilões, inclusive os de energia térmica e renovável, como a solar”, afirma Mauro Portela Borges, presidente da Cemig.

Com a recuperação das tarifas, as empresas do setor elétrico, de modo geral, ganharam fôlego para encarar os tempos mais duros. Em situação oposta se encontram as mineradoras. A combinação de excesso de produção com enfraquecimento da demanda derrubou o preço dos minérios, e as vendas do setor caíram 19% no ano passado.

A disputa acirrada entre a brasileira Vale e as anglo-australianas BHP e Rio Tinto gerou excesso de oferta global de minério de ferro de alta qualidade e precipitou a queda dos preços. Para piorar, a desaceleração da economia chinesa derrubou ainda mais as cotações da matéria-prima, que em junho era vendida a 65 dólares a tonelada.

“Na realidade, o preço já vem caindo desde 2011”, diz Murilo Ferreira, presidente da Vale. “De lá para cá, o minério de ferro perdeu 70% do valor.” Como resultado, a mineradora obteve, no ano passado, receita líquida de 17,8 bilhões de dólares, com queda de quase 20% em relação ao ano anterior. E fechou com prejuízo de 476 milhões de dólares.

Foi o segundo ano seguido de vermelho no balanço da Vale — ainda assim, por sua política de dividendos, a empresa foi a que mais distribuiu dinheiro aos acionistas (veja a reportagem na pág. 174). Apesar da previsão de queda no volume das exportações neste ano, a alta do dólar, cotado atual­mente em mais de 3 reais, deverá ajudar a melhorar os números da companhia.

“O dólar alto é prejudicial para a dívida, mas aumenta a receita em real e diminui parte de nossos ­custos”, diz Ferreira. Para cortar ainda mais as despesas, o executivo afirma que a Vale está fazendo “desinvestimentos” — recentemente, vendeu oito navios para a China. “Neste ano, pretendemos gerar 7 bilhões de dólares de caixa com a venda de ativos que não fazem parte de nosso negócio principal”, afirma Ferreira.

Assim como no caso da Vale, a alta do dólar também deve dar um empurrão nos resultados da holandesa Bunge, a maior empresa de agronegócio do país, com faturamento de 9,5 bilhões de dólares no ano passado.

Com dois terços de sua receita provenientes do mercado externo, a Bunge espera que a valorização da moeda americana compense parte da perda com a queda nos preços de grãos como a soja e o milho, dois dos principais produtos de sua carteira. “Os produtos agrícolas brasileiros, em maior ou menor grau, estão competitivos em relação aos de outros países, e o câmbio mais adequado ajudará”, diz Raul Padilha, presidente da Bunge no Brasil.

Mundo à parte

Como vem ocorrendo nos últimos anos, o agronegócio é um capítulo à parte no mundo dos negócios no Brasil, mantendo um desempenho acima da média. As 400 maiores empresas do setor faturaram 198 bilhões de dólares em 2014, um crescimento de 4% em relação ao ano anterior, e lucraram 35 bilhões — alta de 35%.

Diferentemente dos anos anteriores, porém, os bons números do setor nas exportações não foram suficientes para salvar totalmente a balança comercial. O comércio exterior do Brasil fechou o ano com déficit de 3,9 bilhões de dólares, o pior resultado desde 1998. Preparando-se para melhorar o desempenho neste e nos próximos anos, a Bunge, produtora também de açúcar e etanol, investiu no ano passado 700 milhões de reais na montagem do complexo portuário de Miritituba-Barcarena, no Pará, para escoamento de grãos de Mato Grosso e da Região Norte.

Além disso, anunciou um aporte de 500 milhões na construção de um moinho de trigo no Rio de Janeiro para dobrar sua capacidade produtiva no estado. “O trigo está entre as prioridades estratégicas da Bunge no mundo”, diz Padilha. A Bunge manteve os planos de investimento no país, mas muitas empresas estão colocando o pé no freio e adiando projetos para um momento mais oportuno.

De acordo com os dados de MELHORES E MAIORES, as 100 empresas que mais investiram em 2014 destinaram 51 bilhões de dólares em equipamentos, modernização, melhoria de processos e absorção de tecnologia. Esse valor é 4% inferior ao de 2013. A queda foi puxada — de novo ela — pela Petrobras, que, mesmo assim, liderou a lista das empresas que mais investiram, com um total de 20,6 bilhões de dólares, 11% menos do que no ano anterior.

No caso da Vale, a segunda no ranking de investimentos, está havendo uma concentração no que é principal. “A prioridade é a conclusão do maior projeto de nossa história, que deverá ampliar de 109 milhões para 230 milhões de toneladas o volume de minério de ferro produzido em Carajás, no Pará”, diz Murilo Ferreira, presidente da empresa.

A retomada dos investimentos, ao que tudo indica, depende do sucesso das medidas de ajuste fiscal e da política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ninguém, porém, espera resultados rápidos e indolores. Após anos de erros na gestão do país, poucos apostam que a vida vá melhorar já em 2015 — ou mesmo em 2016.

As previsões para este ano indicam o encolhimento do PIB em 1,5% ou mais e uma inflação de 9%. “A vantagem é que a recessão deste ano é corretiva, refletindo o ajuste fiscal e a alta dos preços administrados”, diz Borges, da LCA Consultores. “Pelo menos temos um colchão de 380 bilhões de dólares em reservas, o que sua­viza os ajustes.” Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco, é relativamente otimista. “O Brasil está dando uma resposta correta à crise e não tenho dúvida de que a recuperação virá”, afirma Barros.

“Se o conjunto de medidas proposto pelo governo for aprovado, podemos crescer 2,5% em 2017 e 3% em 2018.” O ministro Levy, timoneiro-mor da missão de conduzir o Brasil nessa direção, disse recentemente que o país passa por uma espécie de “ressaca”, lembrando o mar agitado. Segundo ele, a turbulência é causada pela economia em marcha lenta, pela perda de arrecadação e por choques como o do reajuste de energia. “A boa notícia é que a ressaca uma hora passa”, afirmou Levy. Resta torcer para que a maré não demore tanto para se acalmar.

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