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Lobby pode virar remédio contra o populismo, diz professor

Para Alberto Alemanno, a melhor forma de superar a insatisfação das pessoas com a política é formar uma geração de cidadãos lobistas

Alberto Alemanno: é preciso ir além do ativismo da internet (Divulgação/Exame)

Alberto Alemanno: é preciso ir além do ativismo da internet (Divulgação/Exame)

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Flávia Furlan

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 20 de outubro de 2017 às 10h27.

O advogado italiano Alberto Alemanno, de 42 anos, tem corrido o mundo com um propósito: influenciar os cidadãos a se tornarem lobistas. “Só assim as pessoas aproveitarão todas as vantagens da democracia”, diz. Essa seria a fórmula para reduzir a insatisfação com a política e o crescimento de candidatos populistas. Doutor em direito e economia pela Universidade Bocconi, de Milão, Alemanno leciona direito na Universidade de Nova York e na escola de negócios HEC, na França. Ele foi escolhido um dos jovens líderes globais pelo Fórum Econômico Mundial, entidade que organiza anualmente um encontro em Davos para debater o futuro. Em maio, lançou o livro Lobbying for Change (“Lobby para a mudança”, numa tradução livre).

Por que tem crescido a insatisfação dos cidadãos com a política?

A frustração decorre da falta de participação dos cidadãos nas políticas públicas. As pessoas notaram que sua voz não está sendo ouvida. Já outros atores, como as grandes empresas, têm influência diante dos tomadores de decisão. Os resultados da lacuna do poder dos cidadãos em geral são os comportamentos antiéticos, a corrupção e a captura do poder público por interesses privados.

O que ocorreu com os representantes tradicionais dos cidadãos?

Os atores tradicionais, como os sindicatos e as instituições religiosas, estão perdendo espaço. Eles têm origem numa sociedade assistencialista e com uma divisão de trabalho decorrente da Revolução Industrial, quando havia o dono do capital, o trabalhador e a cadeia de suprimentos. Esse sistema tem sido questionado pela globalização, pela robotização e pela automação. Como exemplo, há trabalhadores que nem sequer se filiam a sindicatos.

Como isso afeta o cenário político?

Existe o risco de os cidadãos buscarem voz em forças populistas ou separatistas. Elas são boas em mobilizar as pessoas, embora não sejam necessariamente o melhor para a sociedade. Vimos no referendo sobre a separação da Catalunha da Espanha imagens de violência policial que não ocorreram naquela data. Foi uma manipulação dos apoiadores da separação, uma máquina muito eficaz.

Qual a saída para essa situação?

As pessoas podem se tornar cidadãos lobistas, agindo em causa própria para traçar políticas públicas. Só assim estarão aproveitando toda a vantagem da democracia. Há instrumentos para isso: a liberdade para pedir dados oficiais, um pré-requisito para uma campanha de lobby; a opção de mover processos administrativos, já que ir à Justiça é caro e demorado; e as consultas públicas, muito usadas pelas empresas, mas não pelos cidadãos.

Como as redes sociais podem ajudar?

A internet deu espaço para o “ativismo de clique”: os cidadãos se sentem engajados por assinar uma petição online, doar dinheiro pela internet, e isso dificilmente traz mudanças reais. É preciso fazer algo mais profundo, como escrever artigos para a mídia, contatar políticos, lançar campanhas ou participar de organizações. Com a plataforma The Good Lobby (“O bom lobby”, numa tradução livre), que lancei em 2016, conectamos profissionais a ONGs — numa pesquisa que fizemos no Brasil com 54 organizações, em parceria com a consultoria Cause, percebemos que a maioria delas não tem habilidade de fazer lobby. Quando as ligamos aos profissionais engajados, vemos potencial para fazer a diferença.

E em quais casos o lobby dos cidadãos fez a diferença?

No México, um cidadão chamado Alejandro Calvillo, preocupado com a saúde pública, lançou uma campanha contra o consumo de refrigerantes. As escolas começaram a banir a venda, o consumo caiu 17% e o governo taxou mais esses produtos. Na Europa, acadêmicos e ativistas pediram aos políticos para proteger os denunciantes de atos de corrupção, e a Comissão Europeia propôs um projeto que prevê a proteção até 2019. Em outro exemplo, eles conseguiram zerar o pagamento de uma tarifa cobrada em viagens internacionais em território europeu.

Como promover o cidadão lobista no Brasil, um país com muita pobreza?

Há no país uma classe média que está procurando um propósito. Ela percebeu que não adianta ser rico num país onde há muita pobreza, porque no final a ­qualida­de de vida de todos é afetada. Essa classe pode influenciar as camadas mais pobres. O chef curitibano David Hertz lançou aqui a Gastromotiva, organização que busca transformar a vida de pessoas em vulnerabilidade social oferecendo a elas cursos de culinária. É um bom exemplo de cidadão lobista. Não se pode esperar de quem tem instabilidade na vida que pense sozinho em grandes mudanças para sua comunidade.

Como incentivar o lobby se a atividade no país não é regulamentada?

O lobby nada mais é do que influenciar os tomadores de decisão, algo que não é essencialmente negativo. Realmente, poucos países regulamentam o lobby, o que na minha visão traria mais transparência à atividade. O que eu sempre digo é: os interesses das grandes empresas estão muito representados, e devem continuar assim. Os cidadãos é que precisam ser bem mais representados.

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