O jogo das estatais (Marcelo Calenda)
Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2014 às 20h19.
1 - Trabalho numa estatal departamentalizada, estanque e com excesso de disputas internas. Difícil entender como uma empresa tecnologicamente tão avançada pode ser gerenciada de forma tão arcaica. Como mudar um caso como esse? Para onde devemos olhar? Anônimo
Primeiro precisamos entender que essas empresas cresceram sob influência política e, portanto, tendem a ter uma cultura interna marcada por disputas de poder. Isso faz com que as pessoas percam mais tempo arquitetando alianças internas e externas do que melhorando a eficiência.
Ao mesmo tempo, a departamentalização resulta da falta de um sonho grande para a empresa e de metas anuais e de longo prazo bem estabelecidas e desdobradas — para que elas garantam o crescimento da companhia e dos profissionais é preciso que sejam cobradas mensalmente, em reuniões de controle.
Confesso que não vejo uma solução fácil para esse problema. Também tenho visto algumas empresas privadas com o mesmo tipo de questão depois que seus fundadores se afastaram. É diferente quando você lida com um “dono” cheio de poder e inspiração. Nesses casos, tudo anda, tudo acontece. Mas a maioria dos profissionais contratados, com raras exceções, tende a ser bem mais conservadora. Nosso desafio consiste em criar sistemas de gestão e de reconhecimento humano que permitam à empresa renovar-se com vigor o tempo todo.
Existem três fatores que promovem resultados em qualquer organização: liderança (pessoas com foco em resultados), conhecimento do negócio e método. Uma organização pode ter um desempenho razoável só com boa liderança e conhecimento do negócio, focando algumas metas importantes para a empresa (como foi o caso da Petrobras ao se dedicar às águas profundas) e promovendo o treinamento intenso das pessoas em conhecimento de seus processos.
No entanto, hoje conhecemos o poder do método e podemos afirmar que a produtividade de qualquer organização poderá até dobrar com sua aplicação.
Tudo isso costuma ser muito difícil de aplicar em companhias públicas. Entre outras razões, porque em geral elas tendem a se tornar paralisadas por procedimentos regulamentados para absolutamente tudo. Por exemplo, se os executivos dessas empresas desejam contratar consultoria especializada para melhorar seus sistemas gerenciais, sentem receio em fazê-lo sem licitação. Recentemente, deixamos de prestar serviço a uma estatal muito importante por essa razão.
Seu diretor de produção, meu amigo, queria uma consultoria em gerenciamento da rotina (estabilização das práticas operacionais), e depois de muitas idas e vindas o departamento jurídico vetou a contratação sem licitação. (Se a autorização depende do jurídico, sabemos de antemão que a resposta é não, pois ninguém quer assumir a responsabilidade.
O não é mais confortável. Difícil é falar sim.) Sabemos que numa licitação para a aquisição de conhecimento, como seria o caso, pode aparecer todo tipo de aventureiro — em última análise, um despreparado pode vencer a licitação e acabar prestando um grande desserviço à empresa. Nesse sentido, algumas regras são básicas: a) fazer editais precisos; b) classificar os inscritos por sua capacidade e tradição técnica; c) finalmente, entre os remanescentes, adquirir por preço, capacidade de entrega no prazo e outros itens que julgar importantes.
2 - Existe uma tendência clara de os profissionais permanecerem menos tempo nas suas corporações. O senhor considera esse cenário um desafio para as empresas ou a rotatividade pode ser saudável no topo das companhias? Leandro Martins, de São Paulo
Sou totalmente contra a rotatividade em qualquer nível. É pura perda de cultura e conhecimento. Um desastre. Não acredito nesse negócio de “oxigenação” da empresa. A “oxigenação” é feita pela introdução de conhecimento, e não pela troca de pessoas.
Quando você tem um bom programa de trainees, avalia e treina as pessoas o tempo todo e cultiva boa cultura empresarial, sempre terá substitutos à altura para qualquer cargo. Não terá de correr o risco de trazer alguém de fora. Ao dar atenção aos trainees, você consegue perceber logo no início quem gosta do que faz e quem não está se adaptando — nesse caso, o melhor é ajudar essa turma a encontrar seu verdadeiro caminho na vida.
É óbvio que, quando uma empresa está em má situação por anos de descuido com as pessoas, pode ser muito conveniente trazer pessoas de fora como meio de mudar a cultura dominante. Mas essa não deve ser a regra. Assim que puder, ela deve iniciar um bom programa de trainees de tal forma que dentro de aproximadamente sete anos possa ter capacidade de renovação interna para prover seu crescimento.
O objetivo é ter, em cada empresa, uma “fábrica de líderes”. Quem é “cria da casa” tem a tendência de permanecer na empresa se as condições de trabalho forem desafiantes e se for criada uma perspectiva de crescimento, tanto intelectual como material.