Sandoval Martins, do Buscapé: ele criou o Projeto Fênix para tentar injetar ânimo na empresa | Leandro Fonseca /
Gian Kojikovski
Publicado em 21 de setembro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 21 de setembro de 2017 às 12h18.
O site de comparação de preços Buscapé foi, durante anos, símbolo de uma nova geração de empreendedores brasileiros. Fundado em 1999 por quatro estudantes, o site sobreviveu ao estouro da bolha da internet em 2000, captou recursos com investidores, tornou-se lucrativo e acabou sendo comprado pelo grupo sul-africano Naspers em 2009. Na época, foi avaliado em quase 700 milhões de reais.
Pouquíssimas startups brasileiras tiveram uma trajetória tão bem-sucedida. A venda para os sul-africanos, porém, foi o ápice dessa história. Uma sucessão de erros cometidos de lá para cá transformou o Buscapé num exemplo a não ser seguido no setor. Seu faturamento vem caindo, e o valor de mercado, segundo apurou EXAME, está em torno de 150 milhões de reais. Agora seus executivos vêm pondo em prática um plano de transformação da empresa, mas os resultados ainda não apareceram.
Os problemas do Buscapé começaram em 2010. Com o dinheiro injetado pela Naspers, a empresa brasileira comprou 18 startups de diferentes setores, como o clube de compras de vestuário Brandsclub, o site de recomendação de prestadores de serviço Recomind e o e-commerce de roupas ModaIt. Os novos negócios foram reunidos numa holding, a Buscapé Company. O total de funcionários passou de 500 para cerca de 1.200, e o faturamento, segundo estimativas de mercado, saiu de menos de 100 milhões, em 2009, para 550 milhões de reais, em 2013. Nessa fase de expansão, o Buscapé passou a dar prejuízo.
Segundo ex-executivos da empresa, a estrutura era inchada — o site chegou a ter 14 vice-presidentes —, faltava integração entre os negócios e a competição interna passou a ser contraproducente. Em 2014, houve uma mudança na presidência global da Naspers. O novo comando decidiu que lucro seria prioridade e cortou o que dava prejuízo. Negócios que mal tinham começado, como o Brandsclub e o Recomind, foram encerrados. O site de classificados QueBarato! foi separado do Buscapé e incorporado à OLX, empresa do mesmo segmento controlada pela Naspers. A subsidiária de pagamentos BCash! foi integrada à PayU, também da Naspers. Restaram apenas operações menores, como o programa de afiliados Lomadee e o ModaIt, além do site de comparação de preços, que diminuiu de tamanho, prejudicado por uma mudança de comportamento do consumidor e pela chegada de concorrentes como o Google Shopping.
Em 2015, o comparador faturou 260 milhões de reais. Hoje, EXAME apurou que a receita está em cerca de 150 milhões de reais (o Buscapé não divulga balanços, mas diz que o faturamento no último ano foi de 300 milhões de reais). Segundo a empresa de análise de audiência online ComScore, o total de acessos caiu de 16,4 milhões de visitantes únicos, em julho de 2016, para 11,3 milhões, em julho deste ano (oficialmente, o Buscapé diz ter 24 milhões de usuários).
O Buscapé, de fato, voltou ao azul, e a Naspers decidiu colocar a empresa à venda em 2015, mas nenhum interessado quis pagar os 300 milhões de dólares pedidos. Os sul-africanos resolveram, então, fazer uma nova mudança e trocaram o presidente do site. Em março de 2016, promoveram Sandoval Martins, que estava na empresa desde 2013 — antes do Buscapé, ele havia sido diretor de relações com investidores da companhia aérea TAM e diretor financeiro do programa de fidelidade Multiplus.
Martins não é fã da diplomacia corporativa e costuma criticar abertamente o passado da companhia. E, mesmo sem citá-los nominalmente, critica também a gestão de seus antecessores, Rodrigo Borer, que ficou no cargo entre 2015 e 2016, e Romero Rodrigues, que fundou a empresa e foi presidente até 2015, ambos fora do negócio hoje. “Quando assumi, a tecnologia era ultrapassada e o fluxo de acessos era insustentável porque precisávamos fazer muitos anúncios para trazer pessoas interessadas”, diz Martins. “Não é que o passado do Buscapé tenha sido ruim, mas, hoje, precisamos ser mais agressivos.”
Mais concorrência
Assim que assumiu, Martins pôs em prática o Projeto Fênix (numa alusão à lenda grega da ave que renasce das cinzas). Com isso, mudou o modelo de negócios da empresa. O Buscapé continua com o comparador de preços, mas, desde junho, tornou-se também um marketplace, ou seja, um site que vende produtos de diferentes lojas, de roupas e calçados a ele-troele-trônicos. A mudança tornou o Buscapé concorrente de seus principais clientes no comparador de preços, os sites de comércio eletrônico B2W, Magazine Luiza e Via Varejo. Esses sites pagam uma taxa quando usuários do Buscapé são direcionados às suas lojas online e não têm interesse em anunciar num competidor. Sandoval acredita que continuará a ser importante para os clientes. “Nosso custo de aquisição de clientes é menor do que o valor de anúncios no Google e no Facebook”, diz.
Dias após o novo modelo começar a funcionar, a B2W retirou grande parte dos produtos anunciados no comparador de preços do Buscapé. “Eles nos chamaram para conversar, queriam entender o que estava acontecendo, mas depois não só voltaram como colocaram mais produtos do que antes”, diz Martins.
Segundo ele, o plano é transformar o Buscapé numa empresa parecida com o Allegro Group, companhia polonesa adquirida pela Naspers em 2009 e que une o marketplace ao comparador de preços. “A sinergia faz com que os consumidores entrem no site para comparar o preço e comprem ali mesmo. Ou seja, estamos gerando mais vendas para nossos clientes”, diz o executivo. O Allegro Group foi vendido no final de 2016 por 3,25 bilhões de dólares, mas era líder de mercado na Polônia, algo difícil de ser alcançado por aqui, já que os principais sites de comércio eletrônico são bem maiores do que o Buscapé — a B2W, por exemplo, fatura 12 bilhões de reais.
Executivos de varejistas ouvidos por EXAME dizem que continuam parceiros do Buscapé porque o site é um tipo de anúncio barato em relação aos concorrentes. Mas o plano é encerrar a parceria assim que o marketplace ganhar relevância e o site se tornar um concorrente de peso. “É interessante continuar como parceiro do Buscapé no comparador de preços porque ele provê tráfego de maneira barata, mas não faz sentido ser parceiro no marketplace no longo prazo. Somos concorrentes”, diz um executivo de um dos maiores clientes da empresa. Procurados, B2W, Magazine Luiza e Via Varejo não deram entrevista.
O Buscapé continua à venda, mas o próprio Martins acha difícil receber uma proposta agora. “A partir do ano que vem, as perspectivas mudam, já que o modelo de marketplace estará mais consolidado”, diz. Para ele, é “natural” a companhia ter um valor inferior ao de 2009, porque não tem mais as subsidiárias de classificados e pagamentos. A meta de médio prazo é fazer o Buscapé se tornar o primeiro unicórnio brasileiro — como é chamada uma start-up que vale mais de 1 bilhão de dólares. Por enquanto, porém, Martins precisa mostrar que sua fênix consegue voar.