Revista Exame

O futuro é dos serviços, e o Brasil está muito atrasado

Serviços mais produtivos ajudam na competitividade da indústria, que não depende só do que se faz no chão de fábrica

Terminal de Libra, no Porto de Santos: investimento de 160 milhões de reais para aumentar a produtividade (Germano Lüders/EXAME)

Terminal de Libra, no Porto de Santos: investimento de 160 milhões de reais para aumentar a produtividade (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 11 de agosto de 2014 às 08h17.

São Paulo - De 1886, ano em que o automóvel foi criado pelo alemão Karl Benz, até 1930, entraram e saíram do mercado 250 fabricantes de carros nos Estados Unidos e na Europa.

Eles não conseguiram competir com empresas como a Ford, que em 1913 aperfeiçoou, na fábrica de Detroit, o processo de linha de montagem, logo batizado de Fordismo.

O preço do modelo Fort T, que em 1908 era de 825 dólares, baixou para 360 em 1916 (cerca de 7 000 dólares em valor atual), muito mais barato do que qualquer outro concorrente. Nos anos seguintes, as empresas que sobreviveram foram as que conseguiram produzir a custos similares.

Por décadas, a competitividade de uma empresa foi largamente determinada pelos ganhos de produtividade e eficiência obtidos no chão de fábrica.

Essa luta pela sobrevivência levou a uma busca contínua por novas tecnologias e métodos mais eficientes de manufatura — agora a robotização e a impressão em 3D são frentes de expansão. Mas, hoje, quando se pensa na competitividade da indústria, é preciso olhar para outra parcela da economia: a dos serviços.

Pode soar estranho, mas é isso mesmo. Quanto mais desenvolvidos — e produtivos — forem os serviços num país, mais competitiva será a indústria. A indústria é, hoje, uma grande consumidora de marketing, inovação, logística, serviços financeiros e assistência técnica.

Pode-se dizer que eles são tão ou mais importantes do que a matéria-prima ou a automação da linha de produção. A ponto de especialistas falarem que está havendo, com o perdão do palavrão, uma “servicização” da indústria.

Segundo um estudo recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos países desenvolvidos os serviços participam com 20% do valor bruto da produção industrial. Quando se analisa a relação com o valor adicionado, o número sobe para 65%. Ou seja, os serviços utilizados pela indústria dão a maior contribuição para a riqueza gerada pela própria indústria.

Nos emergentes, a relação é menor: abaixo de 50%. Por que a diferença? É que os países ricos mantêm em suas fronteiras as etapas que agregam mais valor — isto é, mais lucro e riqueza —, como a inovação e o marketing, delegando aos emergentes as etapas menos nobres, como a montagem dos produtos.

“O salto de competitividade das indústrias passa por uma melhora na qualidade e na produtividade dos serviços”, diz Carl Dahlman, diretor de pesquisa global da OCDE.

Da interação entre indústria e serviço de alto valor muitas vezes acaba saindo algo que não é nem um nem outro. Tome-se o caso da GE Transportation, divisão da multinacional americana responsável pela fabricação de locomotivas. Até junho do ano passado, o principal foco da unidade da GE em Contagem, em Minas Gerais, era a manufatura.

Em 51 anos, ali foram fabricadas 1 400 locomotivas. Nos próximos 50 anos, a empresa quer ser uma “fornecedora de serviços ferroviários”.

Nesse sentido, a venda de 107 locomotivas para a operadora logística ALL, há um ano, poderia ser considerada quase uma estratégia de “fidelização” do cliente: junto com os trens foi entregue um contrato de 15 anos no qual a GE garante que eles estejam disponíveis para rodar pelo menos 90% do tempo.

Ou seja, os trens não podem ficar parados no pátio quebrados ou à espera de manutenção — uma óbvia perda de produtividade. Como isso será cumprido? A GE tem 70 engenheiros que acompanham remotamente, por computador, o desempenho das locomotivas. As informações são comparadas em banco de dados com padrões de comportamento.

Por exemplo: quais situações provocam desgaste nas peças. Com isso, os engenheiros podem antecipar os problemas e fazer manutenção preventiva. O trabalho é feito por 20 mecânicos que a empresa mantém no pátio da ALL em Araraquara, no interior paulista. Trata-se de um serviço de alta tecnologia — e alto valor agregado.

Hoje, serviços nesses moldes respondem por 40% dos negócios do braço de transportes da GE no Brasil. A tendência é o número crescer. O contrato, aqui único, existe em 70% da frota ferroviária dos Estados Unidos.

“Nosso objetivo passa a ser não só fazer locomotivas mas dar aos clientes a garantia de que tudo vai funcionar”, diz Rogério Mendonça, presidente da GE Transportation para a América Latina. Outro ponto positivo: o contrato acaba aumentando a produtividade de fornecedor e cliente.

A GE passa a ter o incentivo de fabricar peças melhores, já que não lucra com a troca delas. A ALL leva um serviço melhor. “Em um ano de contrato, ganhamos 10% de produtividade”, diz Marcelo Tappis Dias, diretor de produção da ALL.

O fenômeno não se restringe aos setores intensivos em tecnologia. A Kimberly-Clark está deixando para trás o modelo de fabricar e vender produtos como papel toalha, sabonete líquido e álcool em gel. A empresa trabalha com clientes de forma análoga ao formato GE-ALL: firma contratos de fornecimento. E desenvolveu uma logística própria para garantir que o suprimento não seja interrompido.

Fábrica da GE, em Contagem (MG): construir uma locomotiva é parte de um pacote de serviços aos clientes (Divulgação)

Mas vai além: em abril, criou um sistema que monitora a frequência com que médicos e enfermeiros lavam as mãos nos hospitais. Eles agora andam com um crachá dotado de um chip que anota quantas vezes acionam o dispensador de sabão.

“Se ficarmos na venda de papel toalha ou álcool em gel, logo a concorrência nos alcança”, diz Juan Carlos Lenis, diretor da divisão da Kimberly-Clark que atende empresas.

Estamos atrasados

Exemplos como os da GE e da Kim­berly-Clark podem dar a impressão de que o Brasil está com a vida ganha. Longe disso. Um estudo do economista Jorge Arbache, da Universidade de Brasília, feito para a Confederação Nacional da Indústria, analisa a relação entre os dois setores.

Ele mostra que os serviços participam com 12,5% do valor bruto da produção industrial brasileira e 57% do valor adicionado. O índice brasileiro é alto, próximo ao de países ricos. Mas isso não quer dizer que o Brasil tenha serviços de Primeiro Mundo. Ao contrário.

“O alto valor dos serviços embutidos nos produtos brasileiros reflete o preço elevado pago­ por eles e o baixo valor gerado pela indústria”, diz Arbache. “Na verdade, os serviços no Brasil, de modo geral, são caros, pouco produtivos e de má qualidade, o que puxa para baixo a competitividade industrial.”

Para entender como essa relação funciona, podem-se dividir os serviços em dois grupos, conforme são utilizados pela indústria. O primeiro é do tipo que significa custos: logística, serviços financeiros, aluguéis, manutenção, entre outros. O segundo é o que agrega valor: inovação, design, marketing e serviços de pós-venda são os principais.

“São eles que tornam um produto premium e permitem lucros maiores”, escreveu a norueguesa Hildegunn Nordås, analista de comércio exterior da OCDE, num estudo chamado “O papel dos serviços para a competitividade da manufatura”. Um exemplo simples está na indústria têxtil. Por que um terno chinês custa 50 dólares e um Armani até 50 vezes mais?

Basicamente, porque o estilista italiano diferencia seu produto com uma modelagem mais bem-acabada e por um trabalho de marca. Para isso, contrata melhores profissionais e paga salários mais altos.

“Hoje, para sobreviver, a indústria depende mais de serviços inteligentes do que de processos fabris”, diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI. Estudos mostram que o aumento de 1% na participação dos serviços no produto está associado a um aumento de 6% a 7,5% nos preços das exportações. 

Para multiplicar exemplos como os da GE e da Kimberly-Clark — não por acaso, duas multinacionais — e diminuir a distância dos países desenvolvidos, o Brasil precisa elevar a produtividade nos serviços.

O estudo da OCDE diz que aprimorar a educação é um investimento certeiro para o país se dotar de serviços que gerem riqueza para a indústria — e, por conseguinte, para toda a economia, já que os serviços respondem por 70% do PIB. Mas, no caso brasileiro, o que pode dar mais resultado no curto prazo é melhorar os serviços que representam custos. Entre eles a infraestrutura logística.

Um dos principais gargalos do país são os portos, lentos e caros: receber um contêiner custa em média 2 200 dólares, e a carga demora 17 dias para ser liberada. No Vietnã, a mesma operação sai por um quarto do custo e, na Alemanha, o contêiner é liberado em até sete dias.

“No contexto mundial de ‘servicização’ da indústria, questões como infraestrutura deixam de ser tão relevantes”, diz Jorge Arbache. “Mas, como o Brasil está atrasado nesse ponto, é preciso retirar esse gargalo.” A Mexichem, dona de marcas como a de tubos plásticos Amanco, sofre com a ineficiência.

Para evitar quebras de produção por atrasos na liberação de insumos importados, a empresa mantém estoque de 50 dias de produção, quando o normal seriam oito dias. “O dinheiro parado nos estoques nos impede de investir mais em automação”, diz Maurício Harger, presidente da Mexichem.  

Por isso, investimentos em produtividade, como o feito pelo Terminal de Libra, no porto de Santos, tornam-se urgentes. Graças a esforços de treinamento, melhoria de processos e manutenção de caminhões e guindastes, o terminal saiu de 2011 para cá de uma média de 38 para 73 movimentações de contêi­neres por hora.

Em junho, bateu o recorde sul-americano de 184 contêi­neres movidos em 1 hora. “Mais que bater recordes, queremos aumentar nossa eficiência para que os navios fiquem o menor tempo possível no porto”, diz Marcelo Araújo, presidente do Grupo Libra. “Com isso, toda a economia se beneficia.”

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