Balneário Camboriú: valor dos imóveis residenciais supera a média nacional. (Catarina Bessell/Exame)
Uma caminhada à beira-mar levou o casal de empreendedores Vitor Luiz e Rose Rambo a apostar no mercado imobiliário de Balneário Camboriú, no litoral norte catarinense. Há 17 anos, os dois curtiram ali alguns dias de férias da Rovitex, negócio têxtil aberto por eles em Luiz Alves, município a 50 quilômetros de distância. Na ocasião, Balneário Camboriú já era um destino turístico por causa da praia de ondas calmas adorada por famílias com crianças e idosos. Ao redor de 80.000 pessoas residiam no balneário — no verão, a população passava de 1 milhão. Já era comum ver mansões e restaurantes da orla serem demolidos para dar espaço a prédios capazes de acomodar tanta gente.
Muitos visitantes do interior do Sul ou de países vizinhos passaram a comprar imóveis em vez de alugar casas de temporada. “Toda a atmosfera de Balneário já indicava a importância dos imóveis para a economia local”, diz Rose. Para aproveitar a oportunidade, o casal comprou terrenos perto da praia com recursos do negócio têxtil. Foi o pontapé inicial da construtora RV (iniciais de Rose e Vitor), um negócio com vendas de 146 milhões de reais só em 2022. Boa parte do apelo comercial está nos ares: alguns dos 11 prédios incorporados pela RV estão entre os mais altos por ali. O maior, chamado Ocean Breeze, tem 147 metros. “Em Balneário, o céu é o limite”, diz.
Nos últimos anos, o mercado imobiliário de Balneário Camboriú operou num ritmo descolado da realidade nacional. De 2015 para cá, as construtoras brasileiras sofreram um baque com a recessão no fim do governo Dilma e, em menor escala, com a pandemia. Enquanto isso, o destino turístico no litoral catarinense assistiu a uma corrida pelo prédio mais alto. Dos dez maiores arranha-céus do Brasil, sete estão em Balneário, hoje uma cidade de 140.000 moradores. Em 2006, na origem da RV, nenhum figurava na lista.
A disputa é tratada com discrição pelas construtoras da cidade, mas virou um “Fla-Flu” acompanhado com entusiasmo por moradores e turistas. Desde 2020, o título estava com o Yachthouse, torres gêmeas de 281 metros erguidas pela construtora Pasqualotto com fachada assinada pelo escritório italiano Pininfarina, famoso pelo design dos carros da Ferrari. Em fase final de obras, o topo das torres tem vista panorâmica de praias a mais de 50 quilômetros de distância, além de um heliponto à disposição dos corajosos — o vento forte só amplia a sensação de vertigem. No fim de 2022, o pódio mudou de dono após a inauguração do One Tower, da concorrente FG.
Embora tenha “só” 70 andares habitáveis (no Yachthouse são 71), o One Tower ostenta uma antena de 30 metros e, assim, tem 290 metros no total. Para ter uma ideia, ambos medem um terço do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo e maior cartão-postal de Dubai. Lá, dos 829 metros do térreo ao topo, 242 vêm de uma antena gigante acima do último andar, o 163o.
A depender dos empreendedores de Balneário Camboriú, a distância para Dubai vai ficar mais curta. Um dos assuntos mais falados na cidade é o projeto Triumph Tower, uma torre de 544 metros a ser erguida pela FG num terreno à beira-mar onde ficava a mansão do bilionário Luciano Hang, fundador da loja de departamentos Havan. Quando ficar pronta, no fim da década, a torre será a maior das Américas, superando até mesmo o One World Trade Center, de 541 metros, erguido em Nova York no lugar das torres gêmeas, alvos do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.
Além do Triumph, pelo menos cinco arranha-céus devem ficar prontos nos próximos anos em Balneário. Tudo para atender uma demanda de gente endinheirada interessada em ver e ser vista na cidade, point de famosos como cantores sertanejos e jogadores de futebol — Neymar é dono de uma cobertura no Yachthouse avaliada em 20 milhões de reais. As cifras extraordinárias valorizaram o metro quadrado: com média de 11.447 reais em 2022, o solo de Balneário Camboriú é o mais caro do Brasil, segundo índice FipeZap+. Até 2019, o valor do metro quadrado ficava aquém do registrado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora, nada indica uma mudança no ranking tão cedo: no ano passado, os imóveis ali valorizaram 21%; a média nacional foi de 6%.
O alvoroço gerado pelo mercado imobiliário da cidade é, talvez, um dos maiores símbolos da força de empresas regionais capazes de prosperar a despeito das turbulências do Brasil. Nas últimas décadas, a pujança do agronegócio criou ilhas de prosperidade nos rincões do país. Entre as dez cidades com maior expansão do PIB de 2010 para cá, seis são fronteiras agrícolas, como Marabá, no Pará, ou Sinop, em Mato Grosso. A riqueza das duas cresceu em média 14% ao ano. A média nacional foi de pífio 0,3%. O agronegócio também explica a expansão acelerada de Itajaí, cidade portuária a 20 quilômetros de Balneário. O PIB local cresceu 12% ao ano na última década, em boa medida por ser um corredor de exportação de carnes e grãos.
Em cidades como essas, não é raro encontrar exemplos de empresas locais que souberam aproveitar o vento favorável para virar negócios sofisticados e referências em seus setores, sem nunca terem colocado os pés em grandes centros. É o caso de negócios como o atacadista maranhense Mateus, líder em polos do agro no Nordeste cuja abertura de capital na B3 levantou 4,6 bilhões de reais em 2020. Ou, então, da varejista Novomundo.com, dona de receita anual de 1,3 bilhão de reais com 150 lojas no Centro-Oeste e previsão de abrir mais 20 na região só em 2023.
A potência do agro explica por que Balneário Camboriú virou o que virou. A multiplicação de milionários pelo interior tornou a praia um destino natural para gastar dinheiro. O estilo de vida em Balneário tem pontos em comum com o dos polos do agronegócio. É comum ver SUVs e picapes rodando por ali. Cantores sertanejos fazem shows na cidade praticamente o ano inteiro. Além disso, a proximidade com o aeroporto de Navegantes, a 30 quilômetros, facilita a vinda de turistas de longe. A riqueza do agro encontrou um mercado imobiliário disposto a colocar a mão na massa e com muita influência.
Nos anos 1950, quando ainda era distrito da vizinha Camboriú, Balneário já tinha prédios na orla. Em 1976, já emancipada, a cidade foi uma das primeiras fora das capitais a ter um sindicato da construção civil. A articulação com a prefeitura motivou sucessivas revisões do Plano Diretor para atender interesses do mercado imobiliário. A última, em 2006, aboliu o limite à altura da edificação. É algo raríssimo no ordenamento urbano brasileiro. Em São Paulo, por exemplo, o máximo é de 48 metros. Acima disso, só com autorização específica e mediante contrapartidas financeiras.
A combinação de interesse dos clientes e de leis favoráveis acabou dando às construtoras de Balneário Camboriú a chance de crescer rapidamente — e de virar um laboratório de tendências. A começar pelo foco no alto padrão, público queridinho de construtoras Brasil afora em tempos de falta de recursos para a habitação popular. Os apartamentos com mais de 100 metros quadrados e com acabamentos de luxo estão no DNA da FG, fundada por Francisco Graciola, um empreendedor que largou a roça no interior catarinense para abrir lanchonetes e barbearias nos arredores de Balneário. O lucro dos negócios era investido em terrenos perto da orla e, no início dos anos 1990, o primeiro prédio ficou de pé. Desde 2012, a FG é tocada pelo filho Jean, um entusiasta do apelido “Dubai brasileira” dado à cidade por causa dos prédios altíssimos. “Em dez anos, fui nove vezes a Dubai para buscar referências”, diz ele.
Boa parte dos arquitetos e engenheiros da FG já trabalhou para clientes do Oriente Médio e está acostumada às escalas superlativas dos projetos. Em razão da demanda elevada, a FG precisou também abrir uma escola para treinar a mão de obra. O curso ensina a lidar com materiais exclusivos dos arranha-céus, como as engrenagens de elevadores ultrarrápidos. No One Tower, por exemplo, a tecnologia de corrediças da alemã TK Elevator permite ir do térreo ao último andar em menos de 1 minuto. (O One World, em Nova York, tem sistema semelhante.) “Antes, era praticamente impossível termos gente capaz e em número suficiente”, diz ele, prevendo muito trabalho pela frente para esses profissionais. “Esse é um legado da empresa para a cidade.” Atualmente uma holding com 60 negócios, entre eles uma importadora de equipamentos, a FG espera vendas de 1,5 bilhão de reais em 2023, alta de 38%.
A corrida pelo prédio mais alto também obrigou as construtoras de Balneário Camboriú a fazer muito mais do que só erguer um edifício e investir em marketing para atrair clientes. A obra de um prédio convencional já exige um arranjo azeitado entre centenas de fornecedores de argamassa, aço, tubos, itens de cerâmica, e por aí vai. Não raro, tudo atrasa por causa de um detalhe. Na obra de um colosso com mais de 100 metros, uma escolha errada dos materiais pode destruir a reputação da empresa inteira.
Para reduzir esse risco, a estratégia da Embraed, construtora aberta em 1984 e uma das pioneiras no modelo “arranha-céu-com-apartamento-de-altíssimo-padrão” celebrado em Balneário, tem sido a de fazer o máximo possível dentro de casa. Na última década, a empresa abriu uma fábrica de portas, maçanetas, lustres e centenas de outros acessórios. Tudo para ter controle sobre o padrão do acabamento de apartamentos e áreas comuns dos prédios erguidos pela construtora — foram 45 até agora.
“Nosso alvo é estabelecer novos padrões de consumo, e há detalhes que colaboram para isso, como fornecedores de qualidade e entregas ágeis”, diz Tatiana Cequinel, filha do fundador e CEO da Embraed desde 2013. “A meta não é apenas ser uma construtora, mas uma marca desejada pelos clientes, como outras empresas de consumo.” Ao que tudo indica, a aspiração está sendo concretizada. Em 2022, as vendas da Embraed cresceram 10%, para 522 milhões de reais. Em setembro, o lançamento do Marena, um conjunto com torres de 197 metros, vendeu 31% dos apartamentos em 30 dias — a um tíquete médio de 5,6 milhões de reais.
Daqui para a frente, um desafio para as construtoras de Balneário Camboriú será criar fontes de receita para além dos canteiros. O estoque de bons terrenos um dia chegará ao fim. A área do município, de 46 quilômetros quadrados, equivale a um bairro grande de São Paulo e já está 100% ocupada pelo perímetro urbano. O aperto tornou comum na cidade a demolição de prédios de dez andares para abrir espaço para torres maiores. Só que tudo isso demanda habilidade na negociação com moradores pouco dispostos a sair de um imóvel com chance de valorizar ainda mais. Uma alternativa para as construtoras tem sido fazer a gestão condominial dos prédios assinados por elas.
“Acaba sendo um atendimento premium para elas”, diz a arquiteta Elisa Rosenthal, presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário, de pesquisas sobre o setor. “Como Balneário replica o que acontece mundo afora, as construtoras dali saíram na frente.” Na Embraed, a frente de serviços vem sendo monitorada de perto pela própria Cequinel — ela cuida de detalhes do dia a dia dos condomínios por 12 meses após a chegada dos primeiros moradores. No período, profissionais de limpeza, portaria e segurança são treinados pela construtora. “O jeito de cuidar de produtos como os nossos é algo fora da curva, não podemos entregar isso na mão de qualquer um”, diz.
Em paralelo, há quem aposte no “tudo sob demanda do cliente”, na tentativa de garantir vendas com tíquetes maiores. Na Pasqualotto, a personalização virou norma até mesmo em espaços compartilhados: os moradores costumam dar pitacos sobre o formato de piscinas e salões de festas. Fundada em 1993 em Itapema, a 13 quilômetros de Balneário Camboriú, a Pasqualotto projeta vendas de 3,6 bilhões de reais até o fim de 2024, incluindo produtos já erguidos e lançamentos. Em comum estão serviços como um concierge à disposição para resolver o dia a dia dos clientes, como a ida ao supermercado. (Nos prédios da Embraed, um serviço similar monta o guarda-sol para os moradores na piscina.) “Luxo de verdade é dar ao morador a facilidade de acesso a todo tipo de recurso sem sair de casa”, diz o sócio Alcino Pasqualotto, segunda geração à frente do negócio. “Afinal, o cliente já fez o investimento da vida dele ao comprar o imóvel.”
Algumas dúvidas costumam pairar nas reuniões de planejamento das construtoras responsáveis pela corrida aos céus de Balneário Camboriú. Elas conseguiriam repetir o sucesso fora dali? Das maiores construtoras, apenas a Embraed realizou obras fora de Santa Catarina. O destino foi Maringá, no norte do Paraná, origem de boa parte dos moradores dos prédios da empresa em Balneário. Em 2021, a FG abriu escritório comercial na capital paulista para captação de clientes para os lançamentos no litoral catarinense. Por ora, os executivos das construtoras veem mais riscos que retornos numa investida nacional.
O modelo de negócios delas depende de leis permissivas aos arranha-céus e de gente engajada no sonho grande de estar numa obra desse porte. Em grandes centros, o zoneamento poderia ser um empecilho. No interior, a falta de demanda por um produto tão caro. Abandonar o altíssimo padrão tiraria o diferencial delas — e, também, a chance de cobrar muito caro por um apartamento. Por fim, muitos executivos das construtoras de Balneário dependem das amizades construídas ali para tomar decisões de negócios. Um dos mentores do casal Rambo, da RV, por exemplo, é Francisco Graciola, da FG.
Sendo assim, há chance de repetir o modelo de negócios em destinos turísticos similares a Balneário Camboriú? A bola da vez das construtoras é Itapema. Desde 2010, a população aumentou 70%, para 76.800 habitantes, num repeteco da expansão vista pela vizinha nas últimas décadas. “Sabemos que Balneário não terá ativos construtivos para sempre, e esse movimento de migração já começou”, diz Rose, da RV. “Mas ali também não há tantos terrenos ainda à disposição.”
Para além das limitações geográficas, a agenda ESG deve impor novos desafios. A obra de um arranha-céu emite toneladas de carbono. Depois de prontos, os prédios gastam muita energia em ar-condicionado. Por isso, as construtoras estão se mexendo em busca de alternativas sustentáveis. Nos prédios da RV, painéis de energia solar já reduzem a despesa de luz em áreas comuns. Além disso, a fachada dos prédios tem ganhado telas de porcelanato a alguns metros da parede de concreto. A ideia da técnica construtiva, importada da Espanha, é criar uma corrente de circulação de ar e, assim, dissipar o bafo quente mais rapidamente. “Nosso diferencial é justamente rodar o mundo em busca de novas tecnologias”, diz ela. Para quem entrou nesse negócio após um simples passeio à beira-mar, tem sido uma jornada e tanto.
Em 60 anos, Balneário Camboriú deixou de ser uma vila de pescadores para virar uma cidade de 140.000 habitantes, sede de construtoras com receitas bilionárias
1920-1930 ⟶ Surgem os primeiros hotéis da região, pequenas casas de veraneio construídas para atender moradores de cidades vizinhas, como Itajaí e Blumenau, que vinham à praia em busca de lazer
1959 ⟶ Lançamento do Eliane, prédio de 24 andares que inaugura a era dos altos residenciais na região
1964 ⟶ Balneário Camboriú é fundada oficialmente ao ser desmembrada do município de Camboriú e ganhar independência
1970 ⟶ Primeiras construções de grande porte passam a tomar conta da Avenida Atlântica, principal endereço da cidade
1971 ⟶ Inauguração de trecho na BR-101 que interliga Balneário Camboriú a municípios vizinhos se torna incentivo à economia local
1984 ⟶ Fundação da Embraed, construtora considerada pioneira na definição de novos padrões de luxo imobiliário na cidade
2001 ⟶ Fundação da FG Empreendimentos, atual construtora com maior número de arranha-céus na cidade: oito
2006 ⟶ É aprovado o atual plano diretor da cidade com leis mais permissivas para construções de alto padrão e com poucas restrições em relação à altura dos prédios
2021 ⟶ Conclusão das obras de alargamento da faixa de areia da praia de Balneário, o que motivou a valorização recente dos imóveis à beira-mar
2022 ⟶ Lançamento do One Tower, o prédio residencial mais alto da América Latina, com 290 metros