mesa de operações do Goldman Sachs: a subsidiária brasileira foi montada do zero (Arquivo/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de dezembro de 2011 às 05h00.
São Paulo - Com quase 1 trilhão de dólares em ativos, o americano Goldman Sachs, o mais invejado banco de Wall Street, vive um momento crucial em sua história. Do ponto de vista da imagem, a coisa anda feia: os protestos contra Wall Street só aumentaram na opinião pública americana a certeza de que bancos como o Goldman fazem parte do problema, e não da solução. Não que isso seja exatamente uma novidade.
O poder do Goldman e de seus sócios sempre criou uma aura de mistério que abriu espaço para teorias conspiratórias — ganhou fama um artigo em que um jornalista chama o banco de “lula-vampiro que suga o sangue da humanidade”. É no lado em que o banco sempre se deu bem (ou seja, a capacidade de ganhar dinheiro) que as notícias são realmente preocupantes.
O Goldman teve um prejuízo de 428 milhões de dólares no terceiro trimestre de 2011. É seu segundo prejuízo desde a abertura de capital, em 1999. O valor de mercado do banco caiu nada menos que 47% no ano. Diante de números como esses, o Goldman anunciou a maior reestruturação de sua história recente. Foram demitidos 1 200 funcionários, e 40 sócios, aposentados meio que na marra.
A vida não está fácil para banco de investimento nenhum mundo afora. Muitos, apostando no crescimento de mercados emergentes como o Brasil, investiram pesado na construção de uma estrutura no país para diversificar suas fontes de receita. No caso do Goldman, esse investimento aconteceu de 2007 para cá.
O banco, que havia tido tentativas frustradas de comprar instituições locais (o Garantia em 1998 e o Pactual em 2005), decidiu que era hora de começar do zero: montou uma corretora, contratou uma equipe local de gestão de fortunas, criou uma gestora de recursos e um grupo próprio para estruturação e financiamento de transações.
Com isso, o número de funcionários passou de 30 para cerca de 300. Diante de um investimento desses, esperava-se que o Goldman repetiria aqui, mesmo que em proporções menores, a máquina de ganhar dinheiro que é, em condições normais, lá fora.
Hoje, porém, é fácil constatar que o Brasil, em vez de ajudar a melhorar a situação do banco, está atrapalhando. O Goldman é o único entre os grandes bancos de investimento do país que acumula prejuízo em 2011, de acordo com o Banco Central: 33 milhões de reais nos nove primeiros meses do ano.
A receita proveniente de comissões nas operações de IPO e de fusões e aquisições também caiu — foram 28 milhões de dólares em 2011, 22% menos que em 2010 e apenas um terço do recebido pelo Credit Suisse, o mais bem pago da lista.
É verdade que a queda foi generalizada, como se vê no quadro na página 156. Mas deixou o Goldman atrás também de concorrentes como BTG Pactual, Itaú BBA, JPMorgan e Deutsche Bank, de acordo com o ranking elaborado pela Dealogic.
Apesar de tanto investimento, a competição é dura para bancos como o Goldman no Brasil. Aqui, ao contrário do que acontece em outros países emergentes, o mercado é dominado por bancos nacionais: o Itaú BBA e o BTG Pactual. Por ser mais ágeis e flexíveis (por exemplo, na concessão de crédito), eles acabam em um patamar diferente dos outros.
Bancos estrangeiros, muitos deles obrigados a aprovar operações em comitês globais, são mais lentos. Entre eles, tornou-se comum tirar BBA e BTG da lista de concorrentes diretos (o importante, dizem, é ser o melhor “entre os gringos”).
Como têm equipes menores, os bancos globais acabam selecionando as transações maiores — e perdem, assim, a chance de cativar clientes pequenos que podem se tornar grandes no futuro. “Quando uma empresa decide abrir seu capital ou fazer uma aquisição, geralmente contrata os serviços daquele banco que esteve com ela desde o começo”, diz um ex-executivo do Goldman.
O problema é o IPO
Claro, o investimento dos últimos anos rendeu alguns frutos. O Goldman ficou em quarto lugar no ranking de bancos que mais assessoraram fusões e aquisições no país em 2011 — atrás dos brasileiros e do concorrente Bank of America Merrill Lynch. Mas em outro segmento extremamente importante — e que fez fortuna de rivais como o Credit Suisse e o Pactual na última década —, a assessoria a emissões de ações, o cenário é bem pior.
Segundo banqueiros de investimento ouvidos por EXAME, o problema, aqui, é de estrutura. Houve casos especialmente desagradáveis. Durante o IPO da BR Properties, em março de 2010. O Goldman Sachs foi um dos contratados para realizar a operação, com BBA, BBI, Santander e Safra, e deveria ser responsável por 20% da distribuição do negócio aos investidores.
Conseguiu vender menos de 5% da operação. Descontente com a atuação do Goldman, a GP Investimentos, então controladora da BR Properties, decidiu excluí-lo do follow on da empresa em junho de 2011 (procurada, a GP não comentou o assunto). Com a Qualicorp, o maior IPO de 2011, aconteceu algo semelhante.
O Goldman Sachs distribuiu menos de 5% dos papéis, deixando boa parte do trabalho nas mãos de Credit Suisse e Merrill Lynch. (Oficialmente, a Qualicorp nega que tenha tido problemas com o Goldman Sachs. O banco, por meio de nota, limitou-se a dizer que “continua comprometido com a expansão de seus negócios no Brasil”).
Além de questões envolvendo sua estrutura, a subsidiária brasileira do Goldman Sachs ainda tem de lidar com uma dinâmica interna um tanto problemática. Pelo sistema do banco, o bônus dos executivos está quase 100% atrelado a seu resultado global, algo que funcionou muito bem até a instituição começar a patinar lá fora.
Hoje os bônus estão em queda. Há, ainda, uma disputa em torno daquilo que já foi comparado a “ganhar na loteria”: tornar-se sócio do banco, promoção que garante um salto na remuneração. O problema é que já há sócios de mais para resultados de menos.
Daniel Wainstein, responsável pela área de investment banking, André Laport, chefe da área de ações do banco, e Alejandro Vollbrechthausen, que preside o Goldman no Brasil desde maio, já são sócios. E há mais gente disposta a brigar pelo posto na próxima eleição de sócios, em novembro de 2012.
Estão no páreo os banqueiros de investimento Fábio Bicudo e Antonio Pereira. “O tamanho da operação local não comporta quatro sócios”, diz um ex-executivo do banco. Ou seja, se a lógica for mesmo essa, alguém deve acabar sobrando. Sobretudo se o Brasil não começar a ajudar.