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O air bag é um perigo

Em crianças, a violência do choque pode ser fatal

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h29.

Vinte e sete de novembro de 1996, em Boise, pequena cidade de Idaho, nos Estados Unidos, Rebecca Blackman manobrava seu carro no estacionamento do shopping, quando bateu na traseira de outro carro. Os pára-choques nem sequer amassaram, mas os air bags foram ativados. O do lado do passageiro decapitou sua filha Alexandra, de 1 ano, que se encontrava em uma cadeirinha de criança no banco dianteiro. Era a 32a criança morta com um choque de air bag, somando-se a outros 20 adultos.

Foi a gota d água para que o governo Clinton decidisse ceder à pressão da população americana, tomando medidas drásticas para amenizar os efeitos indesejáveis do air bag. No final de dezembro, foi regulamentada a obrigatoriedade de afixação de etiquetas de advertência em veículos novos, alertando para que crianças com menos de 12 anos permaneçam no banco traseiro e os adultos sentem-se o mais afastado possível do air bag.

Tudo isso decorre da força explosiva do air bag, que se expande a 320 quilômetros por hora, ferindo quem estiver na sua trajetória. Se a mão estiver na parte superior do aro do volante, será projetada para o alto, contra o pára-brisa. Se o braço estiver cruzado, como quem tenta desviar antes de bater, projeta-se contra o rosto do motorista. Com toda essa violência o air bag provoca, além das mortes, infindáveis casos de fratura nos braços, na mandíbula e em outras partes do rosto.

Lee Iaccoca, o célebre executivo que reergueu a Chrysler, afirmou que o air bag é o típico exemplo em que a solução é pior que o problema. Bill Boehly, chefe de pesquisa do National Highway Traffic Safety Administration, afirmou com todas as letras: "O air bag é um fiasco".

Os defensores do air bag exultam do salvamento de mais de 1 500 vidas desde que o equipamento iniciou carreira nos automóveis americanos, em 1987. Ocorre que a cifra resulta de mera estimativa - e há quem afirme que essas vidas foram salvas pelo aumento de 20% para mais de 80% de utilização do cinto de segurança.

No Brasil, quem primeiro levantou essa discussão do ponto de vista técnico foi o empresário Rafael Ventura, dono da Dynamics, especializada em perícia de acidentes automobilísticos para empresas de seguro. Desde abril do ano passado ele vem acompanhando atentamente cada acontecimento envolvendo o funcionamento do air bag. As conclusões a que ele chegou deixaram-no estarrecido: só o som do dispositivo ao abrir-se equivale a 140 decibéis - algo como ter uma turbina de jato ligada de repente no seu carro. Além de matar crianças, o acionamento indevido do aparelho pode causar lesões auditivas, aborto e queimadura nos olhos.

Disso resultou uma denúncia recebida pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, pela qual sou responsável em São Paulo. Imediatamente instauramos uma apuração. A nossa conclusão: é necessária a urgente implantação de etiquetas de advertência aos usuários e instruções às equipes de salvamento e resgate, para fácil identificação de veículos equipados com air bag, com orientação sobre sua desativação e utilização de métodos adequados para evitar uma detonação acidental nos casos em que, mesmo ocorrendo um acidente, por qualquer motivo o equipamento não tenha sido ativado.

É evidente que todos esses fatos não são desconhecidos pelas montadoras e importadoras de automóveis no Brasil. Mas, além de veicular filmes publicitários que nem de longe fazem o consumidor suspeitar desses perigos, o que essas empresas têm feito no sentido de esclarecê-lo, alertando-o para os riscos intrínsecos ao equipamento?

Não necessitamos passar pelas mesmas experiências negativas de outros países para enxergar que, no caso do air bag, há que se adotar aqui as mesmas medidas drásticas implantadas por lá. Podemos evitar muitas conseqüências indesejáveis se nos anteciparmos a elas, alertando adequadamente o consumidor, até que o air bag seja aprimorado - o que se espera seja conseguido somente no próximo século.

O caso do air bag não deve ser visto isoladamente. É preciso enxergar que, muito mais do que de veículos de Primeiro Mundo, necessitamos de políticas de segurança de Primeiro Mundo. Ou então vamos continuar convivendo com a prática do recall, normalmente feito por iniciativa das montadoras, quando a imagem do produto já está ameaçada ou quando acidentes já ocorreram. As montadoras deveriam, muito antes disso, zelar pela segurança do consumidor. Ao reclamar sistematicamente de um defeito ou do mau funcionamento de um equipamento, o consumidor deve ser visto como um cidadão que, além de pleitear seus direitos, colabora para que a sociedade de consumo se aprimore.

* Paulo Cremonesi, advogado, é responsável pela seção paulista da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça

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