Revista Exame

Novos caminhos para o agro

Em 2023, o agronegócio representou 30% do crescimento econômico do Brasil. Neste ano, os preços em baixa e a produtividade menor jogaram contra. O desafio: confirmar as boas perspectivas de futuro num mundo mais instável

Fazenda de café do Grupo Cedro, em Minas Gerais: clima incerto e cenário global são desafios para a produtividade do agro brasileiro (Leandro Fonseca/Exame)

Fazenda de café do Grupo Cedro, em Minas Gerais: clima incerto e cenário global são desafios para a produtividade do agro brasileiro (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 18 de setembro de 2024 às 06h00.

A frase “o agro não para” costuma ser um dos principais imperativos para descrever um setor da economia brasileira que cresce de forma robusta e sustentada. Em 2023, a agropecuária foi um dos principais motores do crescimento econômico do país, com uma alta de 15%.

O faturamento de 677,6 bilhões de reais foi o maior já registrado na série histórica, que começou em 1995, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, o agro respondeu por 0,9 ponto percentual dos 2,9% do crescimento do PIB do ano passado, segundo cálculos de Rodrigo Nishida, economista sênior da LCA Consultores. O dado da produção é impressionante. Mas precisa ser lido com cuidado.

Em 2023, a participação do agro no PIB caiu de 25,3% para 24%, nas contas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), que considera o agro “dentro da porteira” e os impactos do setor em serviços e na indústria. Para 2024, a projeção é que esse dado seja de 21,5% — e o mercado estima uma queda de 1,5% na atividade do setor neste ano na relação com 2023.

Por trás dos números estão os preços das commodities e as bases de comparação. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), nas fazendas a queda de 2,3% no segundo trimestre de 2024 acontece por causa da sazonalidade característica do setor, uma vez que grande parte da produção agrícola se concentra no primeiro trimestre do ano. “

Além disso, a comparação com o segundo trimestre de 2023 é desfavorável devido à safra recorde daquele ano, que estabeleceu uma base elevada de comparação”, apontou o boletim econômico da CNA. “Outro fator crucial foi o impacto das condições climáticas adversas, em particular o fenômeno El Niño, que prejudicou a produção agrícola neste início de ano, em particular as culturas de soja e milho, que têm grande representatividade no valor bruto da produção agropecuária.”

Na ponta dos preços, as principais commodities exportadas pelo Brasil, soja, milho e carnes, tiveram quedas expressivas desde 2022. A saca de soja chegou a bater 200 reais em 2022 e caiu seguidamente até fevereiro de 2024, quando atingiu 117 reais, segundo o Cepea. Atualmente, o preço está em 140 reais. No milho, algo semelhante ocorreu: caiu de 96 reais em janeiro de 2022 para 53 reais em agosto do ano passado — hoje, está em 61 reais, segundo o Cepea. No ano passado, por exemplo, o IBGE destaca que as culturas de soja e milho registraram crescimentos notáveis de 27% e 19%, respectivamente. Produziu-se mais. Mas foi vendido a preços menores.

Em que pesem os desafios para os próximos anos, a história até aqui é de avanço — e a perspectiva, promissora. Em 2023, por exemplo, o Brasil ampliou sua presença internacional com 78 novos mercados em 39 países, o maior número desde 2019, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). “Apesar dos recordes anuais, os avanços são fruto de um esforço prolongado, com muitos mercados sendo abertos nos últimos anos”, afirma César Castro Alves, gerente da consultoria Itaú BBA Agro.

“O cenário atual é bastante promissor e demonstra a competitividade do Brasil no setor agropecuário.” Até setembro de 2024, o país já havia ultrapassado a marca de 100 novas aberturas. O crescimento do mercado para as commodities agrícolas brasileiras é impulsionado principalmente pelo aumento da renda e do consumo de alimentos, especialmente proteínas como carne bovina, suína e de frango.

“Nesse contexto, a Ásia se consolida como o maior cliente do Brasil para exportações de alimentos, tendência que deve persistir”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine. Países como China e Índia, cujas populações somam 3 bilhões de pessoas, estão na vanguarda desse crescimento, diz Oliveira.

O agro brasileiro: setor sustenta superávits da balança comercial do país desde 1989 (Leandro Fonseca/Exame)

A parceria entre Brasil e China, que completa 50 anos em 2024, atingiu um novo recorde histórico em 2023, e a corrente comercial — a soma entre exportações e importações — entre os paí-ses alcançou 157,4 bilhões de dólares, aumento de 4,9% em relação a 2022.

As exportações brasileiras para a China somaram 104,3 bilhões de dólares no ano passado, 16,6% mais do que em 2022, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Os produtos do agronegócio representaram mais da metade dessas exportações. A China importa 36% do que o agronegócio brasileiro vende para o mundo.

Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores Associados, avalia que a credibilidade do país no cenário externo impulsiona esse avanço. “O Brasil se destaca como um fornecedor confiável devido à sua ausência de impostos sobre exportações de alimentos e um sistema de vigilância sanitária altamente eficiente e reconhecido globalmente”, afirma Barral, que foi secretário de Comércio Exterior de 2007 a 2011.

Para ele, o Brasil continuará a apresentar superávits significativos na balança comercial neste e nos próximos anos. Em 2023, foi um recorde: 98 bilhões de dólares de saldo positivo — uma marca que deve caminhar para os 80 bilhões em 2024. “Nos últimos anos, o setor agropecuário tem sido fundamental para esses superávits, compensando déficits nas áreas industrial, farmacêutica e química”, diz o consultor.

A afirmação de Barral é respaldada por um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que revela a importância do setor agropecuário brasileiro para os superávits comerciais do país nas últimas três décadas.

Entre 1989 e 2022, as exportações do agro nacional geraram superávit em todos os anos analisados. Desde 2008, durante a crise financeira global, o saldo não agropecuário foi constantemente deficitário, enquanto os superávits comerciais foram impulsionados pelos produtos agropecuários. Em 2022, último dado disponível, esses produtos responderam por 42% das receitas obtidas pelas exportações brasileiras em dólares, em contraste com cerca de 25% em 1989.

No ano passado, o Mapa divulgou sua projeção anual de longo prazo para o setor. Para o ciclo 2032/2033, a previsão é de que a produção de grãos atinja 389,3 milhões de toneladas, um aumento de 24,1% em relação à safra 2022/2023, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Se confirmado, o crescimento será em uma taxa anual de 2,4%, enquanto a projeção da área plantada deve crescer de 77,5 milhões para 92,3 milhões de hectares — uma taxa de 1,7%.

Os dados mostram um crescimento sustentado, impulsionado por ganhos de produtividade, e fazem jus à posição de “celeiro do mundo” que o Brasil ocupa. Roberto Rodrigues, professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, enfatiza que o crescimento do setor agroindustrial brasileiro depende de estratégias abrangentes que integrem todos os envolvidos, desde pequenos e médios produtores até ações governamentais.

Rodrigues defende a implementação de políticas públicas robustas que incentivem a inovação, garantam acesso à tecnologia, melhorem a infraestrutura de armazenamento e logística, promovam a capacitação dos produtores, aumentem o seguro rural e apoiem práticas sustentáveis.

“É essencial que sejamos produtivos e estratégicos em nossas áreas de destaque, como açúcar, café, laranja, soja, frango e algodão”, diz. Ele também sublinha a importância de uma colaboração estreita entre o setor privado e o governo, bem como entre diferentes níveis de governo e instituições, para assegurar que o sistema agroindustrial se mantenha eficiente e competitivo.

Riscos à frente

Para continuar avançando, o agro terá de lidar de frente com grandes desafios. O principal deles é a mudança climática. Desde 2016, as safras de soja, milho e cana-de-açúcar no Brasil têm sido impactadas por fenômenos climáticos atípicos, que fogem ao padrão usual e exigem atenção especializada para garantir o crescimento e a estabilidade das produções.

Rodrigues afirma que o país deve desenhar estratégias claras e assumir um papel de liderança no cenário global, especialmente na segurança alimentar, energia e clima. Segundo ele, a ausência de uma logística eficaz e a falta de investimentos em tecnologia são problemas que não permitem que o Brasil avance em agendas mais complexas, como a orquestração geopolítica da segurança alimentar, por exemplo.

“Apesar de estarmos cientes da necessidade de assumir esse papel, ainda não estamos adequadamente preparados para enfrentar as mudanças climáticas e outros desafios associados a elas”, afirma o professor.

Na pauta global, o aumento dos conflitos internacionais podem impactar diretamente o agronegócio nacional. Em 2022, por exemplo, a Rússia invadiu a Ucrânia e desestabilizou as cadeias de suprimentos globais — o país liderado por Vladimir Putin é um dos principais fornecedores globais de fertilizantes e, em 2023, mais de 8 milhões de toneladas do insumo foram enviadas para o Brasil, o que correspondeu a 25% das exportações russas do produto, segundo dados da Comissão Intergovernamental Russo-Brasileira.

Com a perspectiva de queda do agronegócio em 2024, atentar para o mundo fragmentado é essencial. A Rússia, vale dizer, já foi a maior importadora de carnes brasileiras, mas aplicou diversas barreiras aos produtos nacionais. Hoje, o posto é da China.

“Estamos abrindo vários países, na verdade, para pulverizar a nossa exportação para que não tenhamos essa ‘febre da China’, porque todo mundo quer vender para a China. Hoje é importante, é um grande player, mas precisamos nos preocupar para não termos uma dependência exclusiva no mercado internacional da China”, diz Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).

“É importante termos várias opções de negócio sem desprezar esse grande parceiro comercial.” Em um mundo de mudanças climáticas e onde os movimentos geopolíticos impactam os preços das commodities, diversificar é a palavra-chave — seja o produto, sejam os países, sejam os riscos do agronegócio.


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