Fabio Coelho, CEO do Google no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)
Thiago Lavado
Publicado em 13 de maio de 2021 às 05h45.
A relação das multinacionais de tecnologia com o Brasil é sui generis. Muitas delas, apesar de presentes na vida cotidiana do brasileiro há anos, não mantêm fábricas ou desenvolvimento de tecnologia no país e se limitam à atuação junto com parceiros comerciais — não há como ignorar um mercado de 200 milhões de usuários. Não é o caso do Google, que chegou ao país há 15 anos por um escritório em Belo Horizonte, trabalhando com uma equipe de engenheiros em desenvolvimento de software.
De 2005 para cá muita coisa mudou, tanto em termos de tecnologia quanto em negócios. De navegador e sistema de buscas a empresa mapeou o país com o Google Maps, trouxe conectividade a estações de metrô, desenvolveu o sistema operacional móvel usado por 93% dos smartphones no Brasil e foi central na revolução de aplicativos e internet mobile.
O executivo Fabio Coelho completou recentemente dez anos à frente da operação local. Além de estar dentro do turbilhão das mudanças em tecnologia, Coelho aprendeu algumas lições, como a necessidade de sempre estar buscando a relevância, de nunca firmar grandes certezas e de que é preciso “abraçar o caos”.
Em entrevista à EXAME, o executivo comentou a década de trabalho em uma das maiores empresas do mundo, as mudanças que a tecnologia propiciou ao Brasil e as crises recentes — que levaram outras companhias, de diferentes setores, a repensar a presença no país —, deixando claro o entendimento de que, para operar no Brasil, é preciso entender e superar seus solavancos de curto prazo e focar os resultados de longa duração.
Recentemente, você completou dez anos à frente do Google no Brasil. Como enxerga essa experiência em retrospecto?
Quando eu penso nesses dez anos de Google eu desenho o filme, né? E o filme é espetacular, é uma honra e ao mesmo tempo é uma baita responsabilidade. O papel do Google tem a ver, primeiro, com uma história de ajudar a conectar pessoas, empresas, negócios e cidadãos. Os 15 anos de presença do Google no Brasil só foram possíveis por alguns ingredientes que eu acho importantes.
Primeiro é o entendimento de que estamos aqui para ajudar a sociedade, de que temos de formar um grupo forte, alinhado em relação a esse propósito de ajudar, e todas essas pessoas que trabalham no Google devem entender profundamente como podem utilizar nossas plataformas altamente escaláveis para executar essa missão.
A busca pela relevância fez com que mudássemos nossa plataforma de buscas para ela ficar atualizada, em linha com um usuário cada vez mais exigente. O que eram os links azuis de dez anos atrás nos desktops se transformaram em experiências que você tem em qualquer telefone celular.
Segundo, foi preciso ser muito humilde em relação ao entendimento de que a realidade passada às vezes não funciona mais. E, terceiro, muito focado na busca de relevância. Eu costumo dizer, dentro do Google, que cada um de nós tem a necessidade e a responsabilidade de se manter relevante. Estamos o tempo todo buscando relevância para que possamos continuar presentes na vida das pessoas. Nesses dez anos, as buscas mudaram dramaticamente. O Google também mudou, deixou de ser uma companhia centrada no desktop para ser mobile first e depois mobile only.
E agora é uma companhia de inteligência artificial. Nossas plataformas foram melhorando, o YouTube entendeu o tamanho do seu impacto na sociedade brasileira, sendo um espelho dessa sociedade e remunerando criadores. Temos alguns milhares de criadores com mais de 1 milhão de seguidores, e que transformaram aquilo em um trabalho, em negócio e empresa. É fantástico.
Você já disse que aprendeu que parte desse processo é não ter grandes certezas e abraçar o caos. Continua valendo a lição?
Vai valer, e eu acho que vale sempre. Temos de ter, como empresa e como profissionais, uma base sólida de valores, de integridade, de proposta de engajamento social, de como é que se ajuda. Em cima disso, não se pode ter grandes certezas, porque as construções são colaborativas. Quando o conhecimento é tão distribuído, o resultado de qualquer processo decisório pode até demorar um pouco mais, mas tem de ser uma construção colaborativa. Não pode ser a opinião de um.
Eu gosto daquele chavão que diz que se você quiser ir rápido você vai sozinho, se você quiser ir longe você vai em grupo. É verdade. Cada vez mais os processos decisórios são delicados, são mais demorados, salvo em situações de emergência, em que é preciso ser um pouco mais autocrático para ter uma resposta rápida. Mas na maior parte dos problemas as construções das respostas às grandes necessidades sociais são colaborativas. Nesse ponto, os conceitos de diversidade e inclusão funcionam mais, e são muito mais válidos, porque são necessárias respostas mais ricas.
O Google foi bastante ativo nas transformações digitais dos últimos 15 anos, inclusive no Brasil. Como vocês enxergam essas mudanças na sociedade?
Lá por 2012 tivemos essa discussão e um trabalho muito forte de mostrar dentro do Google, do Google Inc, lá na Califórnia, o potencial do Brasil por causa de algumas características do brasileiro. O Brasil é um país continental, onde as pessoas não têm poder econômico muito alto, mas o brasileiro é extremamente resiliente, criativo. Acreditávamos que, ao democratizar o acesso, teríamos uma oportunidade enorme de uso de nossas plataformas e, consequentemente, depois do uso vem a monetização. Para fazer isso bem-feito, alguns investimentos eram básicos no país.
O Google entrou pelo escritório de engenharia de Belo Horizonte 15 anos atrás. Talento brasileiro, fazendo buscador, indexador de alta qualidade, que o Google usou e usa até hoje. O escritório de São Paulo foi construído exatamente para atender um mercado maior do que o publicitário: todo o mercado de comunicações e comércio, que é brilhante.
Ajudamos o Brasil a fazer um salto de eficiência, com muitas pessoas conectadas, trabalhando, estudando de qualquer lugar. Isso reduz distâncias geográficas para quem está lá em São Félix do Araguaia, para quem está lá no interior do Rio Grande do Sul, para quem está, como eu, que sou capixaba, em Vitória, no Espírito Santo. Foi possível conectar essas pessoas, e isso empodera uma sociedade. Então, a democratização do acesso fez com que as pessoas também mudassem seu comportamento e passassem não apenas a querer consumir informação e conteúdo mas a utilizar isso de várias formas, inclusive podendo fazer comércio à distância, podendo criar seu pequeno negócio.
Como foi essa transformação para as empresas?
A quantidade de brasileiros que são pequenos empreendedores, ou pequenos empresários, é uma grande massa da população. Percebemos isso naquela época, e as soluções de conectividade que funcionaram muito bem para o brasileiro também serviram às empresas. Uma pesquisa que saiu lá por 2015, sobre as empresas dos sonhos, perguntava o seguinte: “Em que empresa você quer trabalhar?” E a gente via três liderando: Google, Petrobras e a própria empresa. Google era para quem queria trabalhar numa indústria de ponta. Petrobras, um perfil diferente, para quem queria trabalhar numa empresa brasileira, de alta estatura, envergadura, mas que buscava um pouco mais de estabilidade. E está tudo certo. E o “meu negócio” significa que eu quero trabalhar para mim, eu quero correr atrás de resolver os problemas da minha comunidade, eu quero me virar sem ter, necessariamente, de fazer parte de uma organização hierárquica.
Percebendo isso, tentamos ajudar, nesses dez anos, o brasileiro a empreender. Eu falei primeiro de democratização do acesso. Agora eu estou falando da democratização da capacidade de empreender, da oportunidade. Para que as pessoas pudessem dizer “aqui na minha favela não entra Uber, eu vou criar o Uber Favela”. Quando falamos em ajudar, a palavra tem vários significados: conectar pessoas, criar oportunidades de negócio, ajudar a empreender e buscar. Por trás disso tudo há decisões eficientes. Eficiência na geração de oportunidades, no comércio e na mídia, ajudar a criar mix de mídia melhores, fazer doações, como nós doamos. Durante a pandemia, destinamos quase 150 milhões de reais para apoiar diferentes iniciativas no combate aos efeitos da covid-19.
Revoluções em como comprar e pagar estão entre as mais palpáveis dos últimos anos. O que mais você destacaria?
A mais importante foi a democratização do acesso, que permite ao brasileiro resolver os problemas de sua comunidade estando em qualquer lugar. Você tocou em dois exemplos, e-commerce e fintechs. O digital, há dez anos, era acessório, passou a ser complementar, depois importante, recentemente, na pandemia, para alguns negócios, tornou-se único. E agora ele vai voltar, depois que reabrir o comércio, a ser central. Vamos continuar usando lojas, pontos físicos de interação, mas porque queremos, não porque precisamos. Mais de 40 milhões de brasileiros já usaram o e-commerce pela primeira vez.
O e-commerce brasileiro deu um salto, se eu não me engano, de 8% para 14% no Brasil, em menos de um ano. Houve uma revolução que permitiu que o comércio digital alcançasse diferentes classes sociais, regiões do país, categorias de consumo que até então não atingia. Quando a gente fala do meio de pagamento, esse é o segundo pedaço da história.
O e-commerce tem a ver com uma boa experiência, disponibilidade de inventário online, uma boa logística e uma capacidade de pagamento segura e rápida. Por trás disso tudo há a revolução dos aplicativos. Eu vejo esses dois exemplos, dentro do conceito de oportunidade, como o empresário e o empreendedor brasileiro, extremamente resilientes e criativos, tendo de sobreviver com um colchão de apoio social pequeno e se virar nos 30. Nós tentamos ajudar esse grupo, tornando o e-commerce e a democratização disponíveis para a grande maioria do país.
Muitos executivos e empresas internacionais têm escolhido deixar o país. Qual é a sua perspectiva sobre isso?
O Brasil é um país continental, com oportunidades de geração de eficiência para a sociedade e empresas, com capacidade de reinvenção, com recursos naturais, com 212 milhões de brasileiros que geram um mercado interno enorme. Todo mundo que pensa no Brasil no médio e no longo prazo entende que o país tem condições de continuar a ser uma potência e sempre vai ter um papel relevante na economia mundial. Logicamente os solavancos de curto prazo não devem ser, no nosso caso, impeditivos para que tenhamos essa visão de longo prazo reforçada.
Acreditamos que conviver com o Brasil é entender a volatilidade do país: ter um olhar de curto prazo para entender todas essas transformações que ocorreram no e-commerce, nas fintechs, no empreendedorismo, e também entender que, no longo prazo, vamos continuar construindo essa sociedade mais conectada. Toda vez que você tem um ecossistema conectado, ele se torna mais eficiente.
Quando você tem um sistema de plataformas como o nosso, só conseguimos evoluir se os nossos parceiros estiverem bem. Precisamos ter um ecossistema digital vibrante, confiável e modernizado. Nosso papel é participar dos diálogos, colocar nossos pontos de vista, tentar que as decisões não prejudiquem qualquer grupo, e aí vamos discutir alguns assuntos como liberdade de expressão, responsabilização de conteúdo. O Google não está no Brasil para ficar mais cinco anos, está aqui para investir no longo prazo do país.
Em um mundo digital em constante transformação, dá para ter alguma previsão dos próximos dez anos?
Não. Lembra das apostas, as bets, da Alphabet? São iniciativas que têm um prazo de amadurecimento de cinco a sete anos. Se você buscar alguma aposta de curtíssimo prazo, provavelmente já tem alguém fazendo. Se você buscar alguma aposta de longuíssimo prazo, talvez ela se perca com o tempo. A tecnologia estruturante para aquela transformação ainda não está lá. Mas há alguns temas que eu vejo acontecendo hoje e que vão nortear os próximos dez anos: melhor capacidade de processamento, para isso não falamos apenas de cloud computing, que para nós já é um business, em que levamos a nossa habilidade de processar, de usar a inteligência artificial, e o machine learning para empresas.
Também há a computação quântica, que vai permitir que a gente resolva problemas usando massas de dados e capacidade de processamento, que podem nos levar a descobrir novos planetas, a curar doenças, entendimento de como um vírus se transmuta. Acredito que haverá mais sensores, mais portas de entrada para a internet, para conteúdos e processamento utilizando voz, que já é uma realidade. São experiências triviais que, com a tecnologia, vão ajudar a tornar determinados grupos ou negócios mais eficientes. O que nós temos de fazer no Google é nos preparar para nos mantermos relevantes nessa busca por maior eficiência, melhores experiências e, com isso, conseguirmos encarar o que vem por aí.