Touca de natação da DaMinhaCor: empresa se especializou em criar produtos inovadores para a comunidade negra (Divulgação/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 4 de agosto de 2022 às 09h33.
“Diversidade” é a palavra do momento, e por motivos bem mais amplos do que a necessidade de uma sociedade justa, inclusiva e igualitária. Políticas afirmativas ou de promoção a grupos específicos, no passado encampadas por governos e ONGs, hoje são uma realidade no mundo corporativo. Além das grandes empresas, forçadas a olhar para demandas específicas da sociedade, pipocam em todos os cantos negócios que já nascem com a inclusão em seu DNA.
Em geral, são pequenas e médias empresas que acharam um nicho a ser explorado, o da diversidade, e a partir dele passaram a oferecer produtos e serviços que, em sua essência, combatem o etarismo, promovem igualdade de gênero e de raça, tornam os ambientes mais acessíveis e inclusivos a todos. Em comum muitas têm sob seu comando empreendedores com experiências pessoais negativas — e que os fizeram olhar para nichos de mercado praticamente invisíveis aos olhos de quem não viveu determinadas realidades.
Foi o caso do Maurício Delfino, fundador da DaMinhaCor, empresa especializada em produtos inovadores e socialmente inteligentes para a comunidade negra. Ainda menino, ele acompanhava, incomodado, as mulheres de sua família transformando a cozinha, aos domingos, em salão de beleza. “Elas esticavam os cabelos, esquentavam o pente de ferro na boca do fogão, e muitas vezes até se queimavam. Tudo em nome de um padrão que não era o delas”, lembra Delfino. Quando perdeu o emprego e decidiu empreender, a cena logo veio à sua cabeça. E serviu de inspiração para a criação do primeiro produto: uma touca de natação que comporta cabelos mais volumosos.
Delfino divulgava o produto em salões de beleza, até que uma cabeleireira passou seu contato para uma mãe que buscava uma touca para a filha competir pela escola. A menina ganhou medalha de ouro, e o case chamou a atenção do mercado, alavancando as vendas. Hoje, os produtos da DaMinhaCor são vendidos tanto no e-commerce próprio da marca como em grandes varejistas, como Centauro, Decathlon e Carrefour. São 40 revendas pelo Brasil e em países como França, Portugal, Espanha e Moçambique. Além das toucas de natação, a empresa oferece uma linha de cosméticos, chapéus de formatura e equipamentos de proteção individual (Coca-Cola, Boticário e Bob’s são alguns dos clientes) pensados para cabelos afro e volumosos. “Pessoas negras podem estar em qualquer espaço, e da forma como são, sem terem de se adaptar a padrões da sociedade branca”, afirma Delfino.
Outro case de sucesso voltado para a comunidade negra nasceu do desejo de deixar a “sevirologia” — ou a arte de se virar com o que tem — e ao mesmo tempo garantir que esse público se apropriasse de parte dos ganhos dos produtos e serviços que consumia. Foram esses os motivadores para a criação da Feira Preta por Adriana Barbosa, CEO também da Casa PretaHub, um espaço para criatividade, inventividade e tendências pretas. “Eu e minha sócia nos virávamos vendendo pastel e roupas em um brechó, mas após um arrastão que nos levou parte dos produtos decidimos deixar a sevirologia de lado e montar algo mais estruturado”, comenta Barbosa. Naquela época, lembra, o bairro da Vila Madalena fervia de casas de black music com jovens negros de regiões periféricas se deslocando para consumir produtos e serviços no local. “No fim da noite, quem colocava a mão no dinheiro eram os homens brancos. A gente produzia e consumia, mas não tinha apropriação. Foi assim que decidimos criar, em 2002, a Feira Preta.”
Hoje, a feira é considerada o maior evento de cultura e empreendedorismo da América Latina, promovendo conteúdos, produtos e serviços da comunidade negra. Em 2021, virou um marketplace e ganhou apoio do banco Santander. O modelo exige que empreendedores interessados tenham participado de pelo menos uma das 19 edições da Feira Preta ou passado por alguma das acelerações da PretaHub. A principal contribuição da feira? “Fazer o dinheiro circular na nossa comunidade e promover conhecimento.”
Durante as edições físicas, ela já reuniu mais de 200.000 participantes. Na última, online, realizada em parceria com a Meta, foram 65 milhões de views em mais de 100 conteúdos produzidos em 20 dias de festival. O evento tem parceria estratégica de negócios e o apoio de empresas como Mercado Livre, Via, C&A, Instituto C&A e British Council.
A ideia de que pessoas após determinada idade entram em uma fase da vida necessariamente menos produtiva e, portanto, são menos interessantes para o mercado caiu em desuso. O chamado etarismo, que pode ser definido como a discriminação, o preconceito e a aversão a pessoas por causa de sua idade, está fora de moda. Mas para a manutenção delas no mercado e nos espaços culturais — ou para a reinserção de quem já está fora — há, contudo, alguns desafios. Um deles é a inclusão tecnológica, uma dor que tem chamado a atenção dos empreendedores.
No Mais Vívida, projeto que tem Viviane Palladino e Filipe Mori como sócios, a proposta é melhorar a vida dos idosos promovendo a intergeracionalidade com a ajuda de “anjos”, como são chamados os jovens que a plataforma conecta para ensinar tecnologia aos idosos. “Na minha família, as pessoas chegavam aos 60, 70 anos sem acesso a serviços e produtos adequados, sem alternativas de trabalho e com poucas opções de lazer, e isso me incomodava”, comenta Palladino, acrescentando outro motivador para criar a Mais Vívida. “Os números do mercado eram claros: com a pirâmide populacional se invertendo e poucos olhando para o problema, havia ali uma oportunidade de negócio.”
A Mais Vívida nasceu com uma proposta mais ampla, que incluía conectar jovens a idosos para atividades de lazer, acompanhamento e ensino de tecnologia. Com a pandemia, a empresa se reposicionou e a prestação de serviços a outras empresas (B2B) ganhou força, assim como a especialização na inserção digital dos idosos. A empresa já recebeu um aporte de capital, em 2021, da Bossa Nova Venture Capital, e está agora na segunda rodada de captação, com outros dois fundos de venture capital. Tem no atendimento B2B, que já representa 50% da operação, clientes como Sky, Danone, Sesc e Grupo Fleury. “Em cada acordo a forma de atuar é diferente, mas no geral as empresas buscam entender a demanda do público de mais idade e ensiná-lo a se comunicar digitalmente por app ou chat e utilizar tecnologias no geral.” O projeto desenhado com a Sky e que inclui vídeos curtos e co-branded, com o “anjo” falando com um cliente Sky, já impactou mais de 90.000 pessoas. “Oferecemos a inclusão dessa camada de clientes com mais idade e dificuldade tecnológica. Ganham os dois lados.”
Permitir o acesso à tecnologia para um público mais velho também é a preocupação da Obabox, outra empresa que ousou olhar para esse nicho. Os telefones com teclas grandes e mais simples, comuns em campanhas publicitárias da marca, são apenas a camada mais superficial de um projeto muito maior. “Quando comecei a Obabox tinha em mente a venda por e-commerce, mas precisava ser algo diferente, que não batesse de frente com quem já estava estabelecido”, explica Carlos Fernandes, cofundador da Obabox, lembrando a escolha do telefone que, na visão dele, seria o carro-chefe da transformação digital que viria. “Para os mais velhos, não conseguir usar a tecnologia, se comunicar, reforçaria a sensação de exclusão, de não pertencimento em um mundo que caminhava para o digital. Era uma dor a resolver, inicialmente com um celular de teclas grandes e simples, mas que foi evoluindo para todo um sistema operacional pensado para os menos aptos com o digital.”
A Obabox desenvolveu soluções para o sistema Android, uma interface própria adaptada às necessidades dos idosos, com o botão SOS, uma tecla no visor para ligar sem dificuldade, entre outras funcionalidades. Hoje, na linha Conecta Obabox, há de telefones simples aos mais sofisticados, sempre com adaptação para facilitar o uso pelos clientes menos digitais. Comprada pela Multilaser no ano passado, a empresa está ampliando o portfólio. “Queremos também lançar uma linha de computadores e de smart TVs, já que hoje existe uma confusão enorme com o uso do controle remoto por parte dos idosos”, diz Fernandes.
Foi a experiência de dois anos morando na Suécia, em que a busca por igualdade de gênero é discutida há muito tempo, que estimulou a criação de uma aceleradora de startups voltada para mulheres. “Depois de morar mais de dez anos na Suécia, onde equidade de gênero é realidade, voltar ao Brasil me mostrou o abismo enorme em que vivemos”, comenta Marcela Fujiy, lembrando como surgiu a ideia de montar a Be.Labs em 2018, em Campina Grande, Paraíba. No primeiro ano, a intenção era ajudar as mulheres a receber capital de investimento, mas a realidade encontrada foi outra e a aceleradora teve de dar um passo atrás ao perceber que as empreendedoras não tinham noções mínimas de como criar e gerir uma startup.
Quatro anos depois, a Be.Labs virou referência pela metodologia desenvolvida, chamada de Efeito Furacão. “Acima de tudo trabalhamos a mudança de mentalidade. Nossa metodologia aborda a parte ferramental do empreendedorismo, mídias digitais, jurídico, financeiro, mas principalmente o que é tão importante para o sucesso: empatia, celeridade e eliminação de vieses inconscientes que atrapalham as mulheres.”
Também relevantes dentro desse contexto, de um olhar mais atento às demandas invisíveis, são as iniciativas voltadas para o público trans ou não binário. Um bom exemplo é a Pantys, empresa que marcou território fabricando calcinhas absorventes. Percebendo a necessidade do público trans, criou a primeira cueca menstrual brasileira.
A calcinha absorvente, produto que deu origem à Pantys, nasceu do incômodo das sócias Maria Eduarda Camargo e Emily Ewell com os absorventes tradicionais, que vazavam ou causavam alergia. “A tecnologia desenvolvida pela Pantys faz com que a calcinha absorvente seja duas vezes mais eficaz. Identificamos dores que eram também nossas e fabricamos o produto, que é mais eficaz e sustentável”, lembra Ewell.
A cueca menstrual segue os mesmos princípios — resolve a dor de um público específico até então ignorada pelo mercado e busca o máximo de conforto e sustentabilidade no processo produtivo. Feita para atender homens trans e pessoas não binárias, a cueca possui na parte interna a mesma tecnologia das calcinhas absorventes da Pantys. “Hoje, os produtos menstruais disponíveis no mercado são feitos para mulheres cis e reforçam a comunicação pensada para um público feminino, porém essa é uma questão séria para os homens que menstruam. Queremos que todos se sintam acolhidos”, diz Camargo.
Hoje, 72% das vendas da Pantys ocorrem via e-commerce, mas a empresa trabalha também com lojas próprias e parceiros. A presença global é um sonho da empresa, afirma Camargo, lembrando que a companhia já deu os primeiros passos. “Estamos indo bem lá fora, principalmente em mercados com padrão de consumo semelhante ao brasileiro, como a França.”
É com esse princípio que muitas empresas apostam em um nicho importante de consumidores que têm algum tipo de limitação, seja física, seja intelectual. Ao mesmo tempo que parte das companhias investe em produtos que deem visibilidade ao tema, outras promovem espaços inclusivos, que possam ser frequentados por todos.
Um exemplo global de sucesso são os bonecos com síndrome de Down produzidos pela espanhola Miniland. Eles fazem parte de uma coleção que nasceu para apoiar a diversidade com bonecos de diferentes raças e que, há dois anos, ganhou a versão com Down (dois bonecos caucasianos e dois africanos). Os bonecos acumulam prêmios voltados para iniciativas de inclusão. O mais recente foi a medalha de ouro na categoria Empowerment das fabricantes europeias de brinquedos, se impondo a concorrentes de peso como a Mattel e a Lego, que participaram com a Barbie contra o racismo e os cubos de construção em braile, respectivamente. O júri resumiu os motivos da escolha dos bonecos da Miniland: “Por promoverem empatia e aceitação de pessoas de qualquer raça, gênero ou condição”.
Na busca por um mundo mais inclusivo é necessário também haver espaços preparados para receber pessoas com alguma limitação. Essa é a aposta dos Hotéis Fazenda Rede dos Sonhos. O proprietário, José Fernandes Franco, tornou a unidade de Socorro, no interior paulista, uma referência em atendimento a pessoas com deficiência. O foco do hotel são o turismo rural e os esportes de aventura, que foram adaptados para que todos possam praticar. “Foi um longo percurso até aqui desde que, em 2004, uma lei federal com foco em acessibilidade criou um manual sobre o que precisava ser feito para tornar os locais o mais adaptados possível”, lembra Franco.
Para pessoas com paraplegia, por exemplo, foi projetada uma cadeira macia, com fibra de vidro, para cavalgadas. Para a tirolesa, uma manta para pessoas com paralisia cerebral. Foi construído também um canil acoplado aos quartos, um pedido de clientes que utilizavam cães-guias, mas que acabou agradando todos os hóspedes. “Na pandemia, muitos clientes sem deficiência se hospedaram com seus cães. Recebemos também idosos e pessoas obesas porque nossas portas já são mais largas; e os boxes, maiores.”
Os números comprovam que um ambiente inclusivo dá retorno. Em 2019, pré-pandemia, os quatro hotéis da rede receberam 7.500 visitantes com deficiência. Em 2021, com a reabertura após um bom período fechado pela pandemia, foram 3.000 visitantes. O empreendedor lembra que cada pessoa com deficiência leva consigo de três a quatro familiares ou amigos. “As adaptações alavancaram muito a ocupação, hoje acima de 80%.” A unidade de Socorro ganhou o WTN, de Londres, como melhor hotel em acessibilidade do mundo. O hotel virou referência e recebe missões técnicas de outros países para conhecerem a unidade.
O ponto comum de iniciativas tão diversas em relação a nichos de mercado, propósito e modelos de atuação é a existência de um empreendedor inquieto. Movidos pelo desejo de participar da transformação que almejam — ou resolver problemas que os incomodavam —, são empresários que ousaram empreender em espaços do mercado praticamente ignorados por todos. A frase que norteia o trabalho de Marcela Fujiy, da Be.Labs, espelha bem o que estimula esse tipo de empreendedor: “Só vai estar bom de verdade quando estiver bom para todo mundo”.