Mauricio Macri: por enquanto, sua aprovação popular é alta (REUTERS/Mario Valdez)
Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2016 às 09h52.
São Paulo — Num encontro do G-20 em Londres há sete anos, Barack Obama, nos primeiros meses de seu primeiro mandato, encontrou Luiz Inácio Lula da Silva e disse que Lula “era o cara”. Foi uma forma de dar uma força ao líder da região considerado confiável na comparação com o venezuelano Hugo Chávez e a argentina Cristina Kirchner.
Obama chega a Buenos Aires sabendo que Lula virou uma sombra do que foi e que o “cara”, hoje, é seu anfitrião, o presidente argentino de centro-direita, Mauricio Macri. O balanço dos 100 primeiros dias do novo inquilino da Casa Rosada, completados na segunda metade de março, é surpreendentemente positivo. No campo das expectativas, Macri já ganhou. A visita de Obama não deixa dúvidas quanto a isso.
O presidente argentino decidiu não desperdiçar seu capital político e adotou uma terapia de choque logo na largada. Apenas seis dias após a posse, acabou com o teto da cotação do dólar imposto pela então presidente Cristina em 2011. O valor artificialmente baixo da moeda americana tinha feito o mercado negro crescer e, pior, era um desestímulo para os exportadores.
Uma mexida no câmbio é sempre algo delicado. No caso de um país com o histórico argentino, a possibilidade de uma alta descontrolada era ainda mais preocupante. Mas logo após o fim do teto, a cotação do dólar ficou dentro do esperado — saiu de cerca de 9 pesos para 14. Hoje, mesmo sem grandes intervenções do banco central, a moeda americana está estável, cotada em 15 pesos.
Com o dólar valendo mais e a redução dos impostos que incidiam sobre as exportações, os produtores de grãos só falam em aumentar a área plantada. “O clima no meio rural mudou completamente. Nossa maior preocupação agora é ter mais acesso a mercados internacionais”, diz Gustavo Grobocopatel, presidente do Grupo Grobo, um dos maiores do setor agrícola (veja entrevista na pág. 50).
Além da mudança no câmbio, o governo começou a desmontar a política de subsídios que herdou e aumentou 600% o preço da eletricidade. Hoje, a prioridade de Macri é a votação no Senado que poderá colocar um ponto final na novela dos títulos argentinos em poder dos chamados “fundos abutres”, aqueles que compram papéis por uma ninharia e tentam forçar sua valorização.
Na crise econômica de 2001, o país declarou moratória de cerca de 100 bilhões de dólares, deixando milhares de investidores na mão. Disposta a pagar uma pequena parte do dinheiro que devia, a Argentina ofereceu um acordo de reestruturação de dívida nada atraente. Para cada dólar devido, os investidores reaveriam entre 25 e 30 centavos. A maior parte dos credores aceitou.
Os abutres, que compraram os títulos por quase nada, começaram uma batalha judicial nos Estados Unidos para receber o valor cheio e acabaram ganhando. Quando estava no poder, Cristina fazia questão de dizer que não pagaria os abutres. No começo deste ano, Macri entrou em acordo com grandes fundos e tenta agora fazer com que o Congresso argentino dê sua chancela.
A Câmara dos Deputados já deu o sinal verde. A votação no Senado é esperada para os próximos dias. “O acordo é crucial para a Argentina poder finalmente voltar a se financiar no exterior”, diz Juan Barboza, economista do banco Itaú em Buenos Aires.
Caso a aprovação do Senado seja confirmada, como é o esperado, e Macri tenha outra grande conquista para comemorar poucos meses após a posse, não vão faltar comentários elogiosos sobre o sucesso de sua agenda liberal por toda a região. Embora o novo governo venha mostrando uma enorme disposição para pôr a casa em ordem, há boas razões para segurar o grito de “já ganhou”.
O primeiro motivo é que o desafio à frente de Macri é gigantesco. O populismo que infectou a América do Sul nos últimos anos teve várias gradações. Na Argentina, os mais de 12 anos de governos Kirchner — primeiro de Néstor e depois de Cristina — não chegaram ao extremismo do chavismo na Venezuela, mas deixaram um estrago bem maior do que o visto na economia brasileira.
Ainda que o Brasil tenha perdido o grau de investimento, o selo de bom pagador das agências de risco, está longe da situação vivida pela Argentina, há anos em moratória. No Brasil, a inflação acumulada de janeiro e fevereiro é 2%. Na Argentina já está acima de 8%.
Além de manter o calote da dívida e perder o controle da inflação, Cristina acabou com a credibilidade do Indec (o IBGE local), impôs controles de capital, instituiu impostos sobre exportações, criou subsídios insustentáveis, entregou o país quase sem nenhuma reserva em moeda forte e com as contas públicas em situação delicada.
Diante de tantos problemas, Macri não tinha escolha a não ser adotar uma terapia de choque. Mas isso não é garantia de que conseguirá entregar todos os empregos e o crescimento econômico que prometeu. O desafio político é enorme. O presidente não conta com maioria na Câmara dos Deputados nem no Senado.
Outra questão igualmente preocupante é o intervalo de tempo entre a solução dos problemas e seus efeitos positivos na economia. De acordo com a consultoria Eurasia Group, o governo argentino está demasiadamente otimista com os resultados que o acordo com os fundos abutres terá na atração de investimento externo e no crescimento do PIB.
Para vários economistas, não está descartado um cenário para o início de 2017 em que os fluxos de capital externo não tenham crescido como o esperado, a inflação continue em alta, o câmbio tenha uma tendência de depreciação e a economia não responda. Hoje, o grau de confiança no governo é alto.
Caso o quadro se deteriore, os eleitores, empurrados pelo barulho dos sindicatos dominados pela oposição, podem começar a protestar. “Há uma probabilidade razoável de que a lua de mel com Macri termine logo”, diz Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisas econômicas para a América Latina do banco americano Goldman Sachs.
Um eventual insucesso, porém, não quer dizer que Macri tenha escolhido o caminho errado. Pelo menos a Argentina, ao contrário do Brasil, já está tentando limpar a bagunça deixada pelos vários anos de populismo e intervenção na economia.