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Mario Draghi ganhou, mas ainda não levou

Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, derrotou os alemães e anunciou o apoio a países endividados. A medida é positiva, mas não acaba com a crise do euro


	Mario Draghi, do Banco Central Europeu: ele quer tirar o euro do abismo
 (Sean Gallup/Getty Images)

Mario Draghi, do Banco Central Europeu: ele quer tirar o euro do abismo (Sean Gallup/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2012 às 14h31.

São Paulo - A o longo de seus quase três anos de existência, a crise do euro tem batido todos os recordes quando o assunto são metáforas manjadas. O rápido processo de endividamento que se alastra pelos países europeus e seus efeitos já foram comparados à desgastada imagem de peças de dominó que caem uma após a outra, a um trem desgovernado em aceleração e — claro — a uma bola de neve.

Com esse histórico de lugares-comuns, não foi uma surpresa quando parte da imprensa europeia passou a chamar o italiano Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), de Super Mario, uma alusão ao famoso encanador de jogos de videogame. 

Na primeira semana de setembro, Draghi fez jus à fama de super-herói ao declarar que o banco está pronto para comprar títulos públicos de países encrencados. Após vencer a incansável resistência alemã, Draghi deu a entender que o BCE será o emprestador de última instância da zona do euro.

Em 2010, quando o banco anunciou a primeira leva de compras de títulos públicos no mercado, ficou claro tratar-se de uma medida temporária. Desta vez, Draghi não definiu tetos nem prazos e fez surgir a mais recente metáfora da crise do euro. Para a imprensa europeia, Super Mario agora está armado com uma “bazuca”.

A iniciativa, ainda que esperada, foi recebida com alívio em várias partes do mundo. “O BCE disparou seu melhor tiro”, diz Kenneth­ Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard, pegando carona na ideia da bazuca. 

Nos últimos meses, ficou claro que a crise europeia tinha entrado numa fase crítica. Com a contínua percepção de aumento do risco, os títulos públicos de países como Itália, Espanha, Portugal e Grécia vinham atraindo uma demanda cada vez menor. Os investidores que ainda aceitavam comprar esses papéis acabavam exigindo taxas de juro sempre maiores, um processo que estava levando as dívidas para um patamar insustentável.

Ao dizer que vai entrar no mercado comprando títulos públicos, Draghi quis dar um fim nisso. É certo que o BCE ainda não se mexeu e restam muitas dúvidas sobre como a intervenção será efetuada — não está claro, por exemplo, quais serão as condições impostas pelo banco aos países.

Mas o simples anúncio fez as taxas dos papéis espanhóis e italianos caírem no começo de setembro. Se Draghi queria ganhar tempo, a primeira impressão é que conseguiu. Mas a Europa terá de fazer mais.  “Apesar do avanço, a questão de fundo — como o continente voltará a crescer — continua latente”, diz Raghuram Rajan, professor de finanças da Universidade de Chicago.


A partir da recessão iniciada em 2009, vários governos europeus passaram a ter maior dificuldade para rolar suas dívidas. Enquanto os débitos não pararam de aumentar, o PIB, na melhor das hipóteses, estacionou e, em vários casos, caiu. Descontados os efeitos da inflação, o PIB da Espanha — onde um quarto da população está desempregado — ainda deve ficar neste ano quase 5% abaixo dos níveis de 2007.

A economia italiana, na mesma comparação, será 6% menor. Só neste ano, os dois países vão encolher quase 2%. Do ponto de vista das finanças públicas, o resultado não poderia ser pior. A dívida espanhola em relação ao PIB deve bater em 80% em 2012, mais que o dobro dos níveis de 2007.

A italiana, estima-se, chegará a 123% do PIB, o patamar mais alarmante desde a década de 80. Com números como esses, é praticamente impossível convencer empresários a investir em ampliações ou em novos empreendimentos.

Nos últimos cinco anos, o fluxo de investimento estrangeiro direto caiu pela metade na Europa, ficando em apenas 425 bilhões de dólares. No fenômeno conhecido como armadilha da dívida, os países não crescem porque devem muito e têm dívidas altas porque o PIB não avança.  

Os economistas, como sempre, não chegam a um acordo sobre qual é a melhor saída.Há os que defendem a criação de um fundo para investimentos em áreas estratégicas, o que resultaria em empregos e crescimento econômico. Outro grupo acredita que a saída são reformas estruturais, como a flexibilização do mercado de trabalho e a abertura de setores ainda fechados às importações.

Por fim, ainda existem aqueles que falam da necessidade de uma grande reestruturação das dívidas, o que pode ser traduzido como uma nova rodada de perdão por parte dos credores.

Como os brasileiros que viveram os anos 80 bem sabem, crises provocadas por endividamento emperram os investimentos, brecam o crescimento e podem durar uma década — uma década perdida, metáfora que os europeus, com Draghi à frente, precisam evitar a qualquer custo.

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