Revista Exame

Mais estudo e menos ilegalidade

A parcela dos brasileiros que trabalham sem carteira assinada recuou na última década. O principal motivo para a diminuição do chamado emprego “informal”: o aumento da escolaridade

Trabalhadores em um supermercado: o emprego sem registro legal ficou caro demais e, por isso, perdeu espaço (Alexandre Battibugli/EXAME)

Trabalhadores em um supermercado: o emprego sem registro legal ficou caro demais e, por isso, perdeu espaço (Alexandre Battibugli/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2014 às 12h24.

São Paulo - A quarta-feira 6 de agosto foi um dia cor­rido para Leandro Gonçalves de Jesus, de 26 anos. Logo cedo, ele deu entrada no pedido para receber o se­guro-desemprego a que tem direito por ter sido demitido de uma metalúrgi­ca em Itapevi, na Grande São Paulo.

An­tes das 10 horas, já havia comparecido a uma entrevista de emprego. O objetivo de Jesus é conseguir uma colocação com carteira assinada, mesmo que isso o tire da lista de quem pode receber o seguro-desemprego. Sua vida profissional começou aos 18 anos como empacotador num supermercado.

Sem registro, ele só recebia o salário, sem direito a mais nada. “Desde que perdi o emprego, recusei propostas de trabalho sem carteira assinada”, diz Jesus. “Não quero mais isso.” 

Jesus é um dos muitos brasileiros que, desde 2002, deixaram o chamado mer­ca­do “informal” de trabalho — expressão que é um eufemismo para uma situação ilegal na qual o trabalhador perde os direitos garantidos por lei e dá aos em­pregadores uma vantagem ilegítima sobre os concorrentes que seguem as re­gras.

Nesse período, a parcela de bra­si­leiros na ilegalidade caiu de 44% para 32% da força de trabalho. Até agora, as cau­sas da queda não estavam muito claras, principalmente porque na úl­tima dé­cada os custos trabalhistas para as em­presas não caíram e o salário mínimo te­ve aumento real da ordem de 60%.

Dois estudos recentes chegaram a conclusão semelhante: a diminuição do tra­balho informal se deve, em boa parte, ao aumento da escolaridade da população. 

Segundo uma das pesquisas — feita pelos economistas Rodrigo dos Reis Soares, da Fundação Getulio Vargas, e por Daniel Haanwinckel, pesquisador visitante da Universidade da Califórnia em Berkeley —, desde 2003 a parcela de trabalhadores brasileiros com ensino fundamental completo passou de 66% para 80%. E a fatia com ensino médio concluído cresceu de 46% para 64%.

Jesus é um bom exemplo dessas transformações. De 2006 para cá, ele concluiu um curso técnico de metalurgia e se formou em administração de empresas. Com os diplomas, habilitou-se para deixar a ilegalidade.

Mas como, afinal, a escolaridade influencia na queda da informalidade? Segundo Reis e Haanwinckel, os trabalhadores sem qualificação são mais dispostos a aceitar empregos informais em troca de um salário um pouco maior do que receberiam com carteira assinada — um trato que muitos empregadores propõem para diminuir os custos sobre a folha de pagamentos.

Ocorre que o aumento da escolaridade significa que a oferta de mão de obra mais qualificada torna-se maior, o que reduz as pressões salariais nesse grupo.

Leandro de Jesus: desempregado, ele não quer trabalhar sem carteira assinada (Germano Lüders/EXAME)

Ao mesmo tempo, a força de trabalho que aceita permanecer na ilegalidade diminui e, com isso, passa a cobrar um ganho extra maior das empresas interessadas em burlar a lei — o que torna a ilegalidade menos interessante para os empregadores.

“No período que nós analisamos, os salários aumentaram, em média, 76% no mercado informal, e só 8% entre os empregados com carteira assinada”, diz Haanwinckel. Outro estudo, dos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho e Rodrigo Leandro de Moura, ambos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, mostra que o aumento da escolaridade respondeu por metade da queda na informalidade ocorrida de 2002 a 2012.

Mais anos de estudo, no entanto, não foram suficientes ainda para produzir melhoria correspondente na produtividade do trabalhador no país, indicador que continua distante da média obtida nas economias mais desenvolvidas. São necessários cinco brasileiros para produzir, em média, o mesmo que um único trabalhador americano.

As empresas aqui seguem penando com uma mão de obra que, embora tenha passado mais tempo na escola, tem dificuldade de aprendizagem. O empresário Fabiano Wohlers, sócio da Mr. Beer, rede de lo­jas de cerveja importada com 460 fun­cionários, enfrenta esse problema.

“Fre­quentemente temos de escolher en­tre candidatos com defi­ciên­cias de formação”, diz ele. “É difícil encontrar pessoas­ que consigam aprender a pronunciar as marcas de produtos importa­dos.”

Na torcida

Outro problema é que, apesar do recuo na ilegalidade, um terço dos brasileiros ainda trabalha sem carteira assinada. A economia terá fôlego para continuar sua evolução e também retirá-los da informalidade?

De 2002 a 2012, enquanto o número total de assalariados no Brasil cresceu 31%, alcançando 58 milhões, o de trabalhadores com carteira assinada aumentou 60%, passando de 25 milhões para 40 milhões. Agora, a criação de vagas está desacelerando, o que pode dificultar novos avanços.

No primeiro semestre deste ano, foram abertos no país perto de 500 000 empregos formais — quase 25% menos do que de janeiro a junho do ano passado.

“Tivemos um período de queda da informalidade, mas, agora, para que isso continue, a economia precisa voltar a crescer”, diz Carlos Henrique Corseuil, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Jovens como Leandro Gonçalves de Jesus, que passaram pela escola e pretendem aceitar ofertas apenas de empregadores que obedecem ao rigor da lei, têm de torcer para isso.

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