Trem em Nova York: a maior parte do transporte na região metropolitana é responsabilidade de um só órgão (Divulgação/Inepar)
Da Redação
Publicado em 4 de novembro de 2015 às 14h46.
São Paulo — No dia 12 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou três leis. Duas tratavam de assuntos que receberam ampla exposição: o aumento no salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a concessão de pensão vitalícia à ex-ginasta Laís Souza, tetraplégica em decorrência de um acidente sofrido no ano passado.
A terceira, porém, passou despercebida: o Estatuto da Metrópole, justamente a única das três com potencial para mexer com a vida de milhões de pessoas. Dois em cada cinco brasileiros vivem nas 25 principais regiões metropolitanas do país — 16 delas respondem por metade do PIB. Apesar disso, essas áreas permaneciam num limbo jurídico.
Não havia uma legislação para tratar de problemas comuns — transporte, planejamento urbano, coleta de lixo, tratamento de esgoto e atendimento médico, por exemplo — que ficam sob responsabilidade de cada município.
A lei sancionada por Dilma, de autoria do ex-deputado federal Walter Feldman, faz com que essas questões sejam enfrentadas conjuntamente pelos governos estaduais e municipais, obrigados, a partir de agora, a formar conselhos para decidir sobre as questões metropolitanas. Cada órgão terá um corpo técnico próprio e um braço responsável por executar suas decisões.
O efeito potencial é grande, a começar pelo transporte. Um exemplo: caso a Grande São Paulo tivesse um órgão para gerir as linhas de ônibus municipais e intermunicipais, seria possível abrir mão de cerca de 2 000 ônibus, o equivalente a 5% da frota da região, segundo Luiz Pedretti, presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano e um dos formuladores do novo estatuto.
“Isso melhoraria o trânsito e diminuiria a tarifa para os usuários”, diz. O tempo médio que os moradores da Grande São Paulo levam para chegar ao trabalho aumentou 20% nos últimos 20 anos. Uma amostra de como esse tipo de integração funciona na prática vem da Grande Recife.
Ali, desde 2008, um consórcio privado organiza parte do transporte público, o que resultou na redução do custo das passagens entre as capitais brasileiras. E olhe que a integração se limita às linhas de ônibus de Recife e Olinda. O ganho de eficiência e a redução do custo para os usuários tenderá a crescer à medida que outros municípios aderirem.
Jaboatão dos Guararapes, a segunda maior cidade da Grande Recife, está negociando a adesão. Estudos mostram que 30% dos ônibus que só rodam dentro de Jaboatão podem ser substituídos por linhas que atravessam outros municípios.
Um dos avanços trazidos pelo Estatuto da Metrópole é a previsão de enquadrar os prefeitos que se recusarem a participar do planejamento conjunto nas punições previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É uma forma de evitar conflitos políticos. O caso de Salvador é exemplar. Em junho do ano passado, o governo baiano criou um órgão para tratar de questões dos 13 municípios da Grande Salvador.
Entre elas estão um plano de mobilidade e a construção de um hospital. O prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, recusou-se a participar por considerar a medida uma intromissão do estado nos assuntos municipais. ACM Neto é filiado ao Democratas, partido de oposição ao PT do ex-governador Jaques Wagner e do atual, Rui Costa.
“Quando o órgão foi criado, a temperatura política estava alta demais”, diz Carlos Martins, secretário de Desenvolvimento Urbano da Bahia e presidente interino do órgão intergovernamental. A prefeitura de Salvador entrou na Justiça contra o estado.
Eis outra boa notícia: o Supremo Tribunal Federal já tem jurisprudência favorável ao planejamento metropolitano. Em 2013, o STF deu fim a um enrosco jurídico que se estendia desde os anos 90 no Rio de Janeiro, quando o governo estadual cogitou vender a empresa fluminense de água e saneamento.
Na época, partidos de oposição ao então governador, Marcello Alencar, entraram com uma ação pedindo que o serviço ficasse sob a responsabilidade de cada município. Os ministros do Supremo entenderam que governos de estados e prefeituras metropolitanas devem decidir juntos como resolver o saneamento. Outros serviços públicos, como transporte e coleta de lixo, também devem seguir esse padrão.
“A decisão do STF e o Estatuto da Metrópole criam o arcabouço institucional para que as regiões metropolitanas sejam administradas com mais eficiência”, diz Vicente Loureiro, presidente da Câmara de Integração Governamental do Rio de Janeiro. O impasse custou caro ao Rio. Muitos municípios deixaram o saneamento de lado, como São João de Meriti e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Essas cidades tratam menos de 1% do esgoto coletado, depois despejado em rios que deságuam na Baía de Guanabara. O Brasil está atrasado na gestão das metrópoles. Há décadas, cidades como Paris, Londres, Nova York e Seattle têm órgãos para cuidar de assuntos metropolitanos.
Desde os anos 60, a Autoridade de Transportes Metropolitanos de Nova York gere ônibus, trens, metrôs e até pontes que se espalham por 12 municípios. Seattle tem empresas metropolitanas para cuidar até dos parques. Já o Brasil ainda precisará definir o que é exatamente uma região metropolitana. Hoje, a prerrogativa de criar essas regiões é dos governos estaduais, que muitas vezes o fazem sem critérios claros.
O governo de Roraima criou a Grande Boa Vista, formada por apenas dois municípios que somam 325 000 habitantes. Ao todo, há 66 áreas que os estados consideram metrópoles. O motivo da proliferação: elas podem obter vantagens. Pelo programa Minha Casa Minha Vida, uma cidade de 200 000 habitantes em região metropolitana pode financiar imóveis de valor até 26% mais alto do que se estivesse no interior.
O Ministério das Cidades é o responsável por regulamentar o estatuto e definir o que é uma metrópole — mas ainda não há prazo para que isso seja feito. O estatuto recém-aprovado pode inaugurar uma nova era na gestão das grandes cidades. Quanto antes for posto em prática, melhor será para os milhões de brasileiros que moram nessas regiões.