Revista Exame

Hotel Urbano vale R$ 2 bi — mas seus sócios não se entendem

Com cinco anos de vida, o site de turismo Hotel Urbano vale mais do que a gigante CVC. Mas os fundadores e seus investidores não se entendem sobre o futuro

João e Eduardo Mendes, do Hotel Urbano: impasse com os principais investidores  (Germano Luders/Exame)

João e Eduardo Mendes, do Hotel Urbano: impasse com os principais investidores (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 14 de março de 2016 às 10h56.

São Paulo — Em pleno domingo, 29 de novembro de 2015, os 650 funcionários da agência de viagens online Hotel Urbano foram surpreendidos com uma mensagem de João Ricardo e José Eduardo Mendes, os fundadores da empresa.

Eles avisavam, sem muita cerimônia, que haviam vendido o controle da companhia para o fundo de investimento americano Insight (que já era sócio do Hotel Urbano) e que dali em diante atuariam apenas no conselho de administração.

Até então os dois, especialmente João, passavam até 18 horas por dia na sede da empresa, que fica num antigo boliche reformado dentro de um shopping de decoração, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

Desde que o Hotel Urbano foi fundado, em 2010, os dois irmãos foram vendendo fatias do negócio para diferentes fundos de investimento — além do Insight, viraram sócios os também americanos Accel Partners (um dos primeiros investidores do Facebook), Tiger Global (sócio da varejista online Netshoes) e Priceline (dono da maior empresa de turismo online do mundo, o Booking).

Naquele domingo, o destino do Hotel Urbano foi selado com a venda de uma fatia de 5% do negócio — o suficiente para o controle trocar de mãos. O preço pago pelas ações — cerca de 100 milhões de reais — fez com que o Hotel Urbano, com menos de cinco anos de história, fosse avaliado em mais de 2 bilhões de reais.

É, talvez, a mais meteórica ascensão da história da internet brasileira. Mas aquela mensagem mostrava um paradoxo — em meio a tanto sucesso, os sócios não estavam se entendendo. João Ricardo e José Eduardo venderam o controle a contragosto. Pelo acordo de acionistas, o Insight poderia comprar o controle a qualquer momento — e os fundadores não poderiam fazer nada para se proteger.

É o tipo de cláusula imposta por investidores e aceita por empreendedores que nunca, nem em seus mais sombrios pesadelos, cogitam que um dia serão afastados da empresa que fundaram. Em julho, o Priceline havia pagado 60 milhões de dólares por cerca de 10% da empresa — num lance que reduziu a participação dos irmãos para 40%.

Para o Insight assumir o controle, seria preciso se juntar ao Tiger, outro antigo acionista da companhia, e comprar mais 5% dos irmãos — o que foi feito naquele 29 de novembro. Com a transação, o Insight passou a ter 41%. Por força dos contratos, João Mendes passou a presidência para o italiano Maurizio de Franciscis, contratado em junho como diretor de operações.

Além disso, o Insight trabalha para manter os executivos o mais longe possível das decisões do dia a dia. O jornal O Globo noticiou que João e Eduardo estavam proibidos de entrar na sede do Hotel Urbano. “Ninguém foi proibido de entrar. E a estratégia não mudou”, diz o americano Brad Twohig, sócio do Insight e conselheiro do Hotel Urbano. 

Já faz um tempo que os fundadores e o Insight divergem sobre o futuro do negócio. Os americanos, sócios há cinco anos, querem expandir a operação para outros países e abrir o capital nos Estados Unidos para recuperar o investimento. João e Eduardo preferem investir no Brasil e não têm pressa para vender suas ações na bolsa.

Ao longo de 2015, uma série de negócios movimentou o mercado brasileiro de turismo online e acirrou a disputa de visões. Em março, a Expedia, dona de sites de turismo como Hoteis.com e Trivago, investiu 270 milhões de dólares na Decolar.com, principal concorrente do Hotel Urbano. Em maio, a CVC, maior operadora de turismo do país, comprou o Submarino Viagens, que pertencia à varejista online B2W.

Em julho, o Priceline investiu no Hotel Urbano, jogando o valor de mercado da empresa para perto dos 2 bilhões de reais. Com tantos negócios acontecendo, o Insight avaliou que era hora de acelerar a expansão e recuperar logo seu investimento na empresa. Foi a chave para o impasse.

O mercado brasileiro de turismo online atrai tantos investidores pelo desempenho recente e, principalmente, por seu potencial. Entre 2013 e 2016, o mercado de turismo cresceu 6% ao ano no Brasil, mas as agências online avançaram 15%, segundo a empresa de pesquisas Phocuswright. Ainda assim, apenas 20% das viagens são compradas pela internet, ante mais de 40% na Europa e nos Estados Unidos.

“Em alguns anos o Brasil estará lá. O crescimento vai continuar acelerado”, diz Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC. A valorização do dólar ainda ajudou as operadoras brasileiras — mais viajantes abandonaram viagens internacionais para passar férias e fins de semana no Brasil. E aumentou o poder de compra dos investidores internacionais.

“As pessoas mudam o destino, mas não deixam de viajar. E estão comprando cada vez mais passagens e pacotes pelo celular. Mesmo com a crise, nosso faturamento cresceu 30% em 2015”, diz Alipio Camanzano, diretor-geral do Decolar no Brasil. É natural que, em mercados com esse potencial, as avaliações das empresas descolem do mundo real.

Em 2015, o Hotel Urbano faturou 550 milhões de reais e atendeu cerca de 1 milhão de clientes. A CVC transportou 3,8 milhões de brasileiros e faturou cerca de 5,7 bilhões de reais — estimados 700 milhões apenas no site da CVC e no recém-adquirido Submarino Viagens. O Hotel Urbano fechou, como de costume, no vermelho (a nova meta, agora, é sair do prejuízo em 2017).

A CVC, por sua vez, lucrou 170 milhões de reais. Ainda assim, a CVC vale cerca de 1,6 bilhão de reais na bolsa — menos do que a agência online fundada pelos irmãos Mendes. O site de aluguel de quartos Airbnb vale 20 bilhões de dólares — é mais do que qualquer rede hoteleira do planeta. O Priceline, dono do Booking, vale mais de 50 bilhões de dólares.

“O potencial é enorme. Mas o valor das agências online é superestimado. Até porque, nos próximos anos, a competição entre as empresas nacionais e as marcas globais vai ficar cada vez mais intensa no Brasil e no mundo”, diz Carolina Sass de Haro, sócia da consultoria especializada em turismo ­Mapie. Quem vai sobreviver? É a pergunta de alguns bilhões de dólares.

Para onde vai? 

Nesse mercado mais competitivo, os sócios do Hotel Urbano acreditam que têm algumas vantagens em relação à concorrência. A empresa foi fundada pelos irmãos Mendes em 2010 aproveitando o embalo das compras coletivas. O nome foi “livremente inspirado” no site de descontos Peixe Urbano — que até hoje move um processo contra o Hotel Urbano pela apropriação da marca.

Mas, aos poucos, o Hotel Urbano foi mudando sua estratégia. Hoje, o site oferece principalmente hotéis e pacotes em destinos turísticos pouco usuais, que não estão no radar das grandes agências de viagem — como Salinópolis, no Pará, ou Treze Tílias, em Santa Catarina. No total, são 8.000 hotéis.

A ideia era evitar competir com a CVC em pacotes para a Disney ou para Porto Seguro, ou bater de frente com o Decolar em passagens aéreas. Atualmente, a empresa está desenvolvendo um aplicativo com ofertas de última hora para os fins de semana. “Queremos convencer as pessoas a conhecer mais seu ­país. O plano é chegar a Chile e Colômbia ainda em 2016”, diz João Mendes.

E também aumentar a parceria com o Booking, dono de 10% da companhia — uma das ideias é que o Booking utilize a base de hotéis do Hotel Urbano para oferecer aos estrangeiros que queiram viajar para o Brasil. Isso, claro, se a disputa entre os sócios permitir.

Desde o fim do ano, os irmãos Mendes só pensam em como retomar o controle. Isso poderia ser feito comprando ações de algum dos sócios minoritários. Em quatro anos de paz, o Hotel Urbano tornou-se uma empresa de 2 bilhões de reais. A dúvida é o que acontece nessa nova fase — quando os tempos de urbanidade ficaram para trás.

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