Revista Exame

Hora de fechar as contas nos EUA

A ameaça de rebaixamento dos papéis da dívida americana chama a atenção para o tema central da próxima eleição presidencial: o monstruoso déficit público

Barack Obama faz o discurso anual no Congresso: um abismo político separa as propostas de democratas e republicanos (Alex Wong/AFP)

Barack Obama faz o discurso anual no Congresso: um abismo político separa as propostas de democratas e republicanos (Alex Wong/AFP)

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Da Redação

Publicado em 27 de maio de 2011 às 09h00.

No fim da noite da sexta-feira 8 de abril, a apenas 2 horas do prazo final, o governo do presidente Barack Obama e a oposição selaram um acordo que evitou a paralisação parcial do governo americano.

O entendimento em relação ao ano fiscal de 2011 evitou a interrupção de diversos serviços prestados aos cidadãos, do ressarcimento de impostos ao pagamento de certos benefícios, e garantiu que até 1,9 milhão de funcionários públicos federais pudessem continuar trabalhando normalmente.

A negociação entre democratas e republicanos garantiu um corte de 38 bilhões de dólares nas contas do governo para este ano — mas o problema do déficit ainda está muito longe de ser resolvido. Meros dez dias depois de anunciado o acordo, a agência de análise de risco Standard & Poor’s anunciou que havia uma chance em três de que os títulos do governo americano pudessem perder a nota AAA (a que denota que o país tem grau de investimento). Os mercados soluçaram, e o governo se pronunciou para tentar conter danos imediatos.

A posição da Standard & Poor’s não tem resultado prático. Foi apenas uma indicação de que a dívida pode vir a ser rebaixada nos próximos dois anos — caso isso aconteça, alguns fundos seriam obrigados a se desfazer dos papéis por questões estatutárias. Mas foi a primeira vez em 70 anos de história de cobertura que a Standard & Poor’s indicou a possibilidade de rebaixamento dos Estados Unidos.

Além disso, o aviso foi tomado com todas as ressalvas necessárias, afinal de contas veio da mesma S&P que, nos meses anteriores à derrocada do mercado de crédito, deu boas notas aos papéis podres do setor imobiliário. Só que nem mesmo o maior dos otimistas acredita que o buraco nas contas vá ser resolvido tão cedo: a divisão política no país é profunda e só deve se acirrar com a aproximação da eleição presidencial de 2012.

Se nada for feito, o déficit anual americano vai se manter acima de 1 trilhão de dólares pelo menos até o fim da década. Alguns economistas acreditam que antes de 2020 os Estados Unidos podem ultrapassar uma fronteira perigosa: um déficit superior a 90% do PIB. Num artigo recente, Laurence Kotlikoff, professor da Universidade de Boston e ex-integrante do conselho de assessores econômicos da presidência, comparou as tentativas atuais de balancear o orçamento a “mudar de lugar as cadeiras do Titanic”.


Sobre a origem do problema, não há muitas dúvidas: duas guerras em andamento, a aposentadoria iminente da geração baby boomer e os gastos cada vez mais altos com a saúde pública. Também entram na conta as políticas de estímulo econômico adotadas depois da crise de 2008. O problema é como atacar o rombo.

Obama e os democratas insistem no fim dos cortes de impostos criados por seu antecessor, George W. Bush, para os americanos que têm renda superior a 250 000 dólares anuais. Igualmente, Obama deve insistir na manutenção de programas sociais, inclusive os benefícios para os desempregados.

Apesar dos sinais de recuperação econômica, o índice de desemprego no país continua perto dos 10% e há poucas perspectivas de melhora no curto prazo. “Eles (os republicanos) querem cortar investimentos em educação, em transportes públicos. Não acho que seja uma proposta corajosa, mas, sim, míope”, disse Obama numa conversa com funcionários do Facebook no fim de abril. “Temos de fazer cortes, mas com um bisturi, não com um facão.”

Do lado oposto do plenário, a oposição tem se entrincheirado, especialmente depois do sucesso dos ultraconservadores do movimento Tea Party na eleição legislativa do final do ano passado. Os republicanos já controlam a Câmara dos Deputados, e depois da eleição de 2012 é possível que eles também dominem o Senado — o que certamente representaria a extensão das reduções de impostos para os mais ricos. Às favas o déficit.


Edward Prescott, vencedor do Prêmio Nobel de Economia e membro do Banco Central de Minneapolis, concorda com a tese republicana. “O problema dos Estados Unidos são os gastos excessivos. Gastar é aumentar impostos, agora ou no futuro, e taxar é deprimir a economia”, disse Prescott a EXAME. “Aumento de impostos significa desaceleração econômica. Planos de estímulo, também.”

Remédio amargo

Nada indica que os papéis do governo americano deixarão de ser atraentes para os investidores, pelo menos no curto prazo. Apesar do susto inicial, o mercado rapidamente voltou aos níveis anteriores ao pronunciamento da Standard & Poor’s. Mas o país enfrenta escolhas difíceis e, mais importante, impopulares num período em que o tema será analisado com microscópio durante a campanha eleitoral.

“Conforme os países enriquecem, seus cidadãos tendem a querer mais serviços públicos, sejam eles uma força militar poderosa ou uma rede de proteção social para os aposentados. Este país não é exceção”, escreveu recentemente o articulista David Leonhardt, vencedor do prêmio Pulitzer deste ano por suas análises econômicas no jornal The New York Times.

“Mas nossa cultura política é uma exceção. Ela tornou impensável a maioria dos aumentos de impostos, mesmo aqueles que vão pagar os benefícios desejados pela população.” Obama e seus adversários políticos podem ter vencido um primeiro obstáculo ao evitar a paralisação parcial do governo dos Estados Unidos — mas ainda terão de vender remédios amargos aos eleitores.

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