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A fraqueza do Estado forte

É melhor ir devagar com o andor nas loas à intervenção estatal, tão em voga com a crise financeira. A mistura de governo com negócios não faz bem ao interesse público

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Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 17h00.

Há muita satisfação, entre quem acha que o grande problema do Brasil é a falta de mais intervenção do Estado na economia, com o rumo tomado pela crise financeira mundial. Estaria aí a prova, mais uma, de que a liberdade econômica é um pecado; a virtude é o controle do governo sobre o que se chama "mercado", um genérico cuja definição continua frouxa, mas que envolve a atividade de ganhar dinheiro e com certeza é coisa do mal. Como esse "mercado" não pode ser extinto por medida provisória, ou mesmo por medida definitiva, é preciso, infelizmente, conviver de algum jeito com ele - desde que os funcionários graduados da administração pública tomem as decisões realmente importantes. Os mais entusiasmados, entre os defensores dessa visão do mundo, acham mesmo que o liberalismo "acabou". O desastre, que começou com a especulação sobre hipotecas americanas, vazou para as bolsas de valores do mundo inteiro e agora começa a contaminar a economia produtiva, mostraria, além de qualquer dúvida, que interesses privados não são capazes de gerir a si próprios e muito menos de respeitar o interesse público. Para os que colocam sua fé nas excelências do "Estado forte", torna-se inevitável, diante disso, que o governo assuma o comando da atividade econômica.

Muito de todo esse sermão é mais desejo do que atividade concreta, e o passar do tempo possivelmente acabará esfriando boa parte dos impulsos de hoje; mas sem dúvida o estatismo, no Brasil e em muitos outros países, está vivendo dias de euforia. Não poderia mesmo ser diferente, diante de tudo o que aconteceu e continua acontecendo - e negar a necessidade de uma ação maior do governo na economia brasileira seria, além de perda de tempo, um erro. Obviamente, um governo responsável tem de colocar controles onde a falta de controles está causando danos efetivos ao país. Não pode ausentar-se como autoridade e permitir, com sua ausência, a livre ação de aventureiros, maus gestores e infratores do Código Penal. Tem de proteger os interesses de acionistas e investidores de boa-fé de decisões ruinosas tomadas na alta direção e no departamento financeiro das empresas privadas. Precisa garantir a solidez do sistema bancário, defender os depósitos e as aplicações dos correntistas e transmitir às pessoas e às empresas a máxima confiança nas instituições financeiras. É sua obrigação utilizar os recursos e instrumentos de que dispõe para permitir que os cidadãos e as áreas produtivas da economia obtenham acesso ao crédito. Faz parte de seus deveres defender o emprego, ajudar as empresas instaladas no Brasil a competir com chances reais de sucesso e possibilitar investimentos na produção.

A razão fundamental para fazer isso tudo não é a obediência a essa ou àquela escola de pensamento econômico; trata-se, simplesmente, de agir em favor do interesse público. A questão, portanto, não é saber se o Estado tem ou não de intervir na economia, ou se tem de intervir mais ou menos; é identificar com clareza onde é preciso agir e onde não deve agir. É saber separar as decisões certas das erradas - e tomar só as primeiras. Todo o resto, na melhor das hipóteses, é sonho de um mundo sem capitalismo. Na pior, é conversa oportunista e pescaria em água turva. A trapaça que muita gente tenta aplicar no momento, aproveitando os desastres causados pela crise, é dizer que existe apenas um tipo correto de decisão: "chamar o governo", pois, em sua opinião, economia livre é economia sem regras. E quem, no universo das empresas e da produção, está propondo que a economia brasileira funcione sem regra alguma? Certamente ninguém que fale a sério.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa de suas reflexões recentes sobre a crise, disse que "houve um tempo em que os políticos andaram de cabeça baixa", abatidos pela idéia de que são um estorvo para o bom funcionamento da economia; teria chegado agora a sua vez, diante da evidência de que o Estado está tendo um papel-chave na gestão dos problemas trazidos pela desordem nos mercados. O presidente não forneceu ao público uma única razão pela qual os políticos do Brasil, nesse tempo todo, teriam direito de andar de cabeça alta. Também não revelou, como ninguém seria capaz de revelar, que fatos comprovariam a eficácia, a competência e o talento do Estado brasileiro no papel de administrador ideal da vida econômica do país. O que se tem, em geral, é a demonstração do contrário - e, sobretudo, a evidência de que a mistura de governo com negócios raramente acaba bem para o interesse público.

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