Danielle Torres, sócia da KPMG no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)
Daniel Salles
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 30 de junho de 2022 às 15h20.
A mudança de diretor para diretora da KPMG no Brasil foi em 2017. Hoje sócia da empresa, Danielle Torres, de 39 anos, lembra com alívio de sua transição social de gênero. “Não tive uma carreira fácil”, afirma. “Percorri 40% dela com identidade masculina e o restante com identidade feminina. Quando percebi que minha carreira guarda muitas semelhanças com a das mulheres, pude me instrumentalizar. Pois descobri quais são as dificuldades que realmente enfrento.”
Ela descobriu-se trans depois de enfrentar um severo transtorno de pânico — com ajuda de terapia, concluiu que as crises estavam ligadas a questões de gênero. Para explicar o desconforto que sentia ao se apresentar como homem no trabalho, traça um paralelo com homossexuais que preferem não se assumir no mesmo contexto. “Não acho natural ou saudável que façam isso, e até acredito que esse caminho prejudica a produtividade”, diz Torres. “Mas é uma escolha possível, porque dá para deixar a vida afetiva de lado na hora do trabalho. Se você é trans, não tem como esconder esse fato.”
Torres virou um símbolo da diversidade no mundo corporativo. Pelas próprias contas, já palestrou sobre o tema para mais de 10.000 pessoas. Ressalta que foi promovida a sócia da KPMG no Brasil, no entanto, onde trabalha desde 2005, graças à sua expertise em contabilidade internacional de seguradoras — também é especialista em auditoria, ciência de dados e inteligência artificial. “Sei que minha carreira inspira muita gente”, reconhece. “Líderes diversos simbolizam
que as portas para a diversidade estão abertas.”
Funcionário do Itaú Unibanco desde 2006, Bruno Crepaldi, de 39 anos, ocultou sua homossexualidade no trabalho até 2017. Deu um basta em uma reunião com o então presidente da instituição, Candido Bracher. Com uns 15 participantes, voluntários, o encontro fora agendado para debater ações em prol da comunidade LGBTI+. Começou a reunião e todos foram instados a dizer o motivo de estarem ali. “Porque eu sou gay”, respondeu Crepaldi, rompendo mais de dez anos de silêncio.
Ele se lembra do episódio como se fosse ontem. “A naturalidade e o respeito com os quais o tema foi tratado me trouxeram alívio e conforto”, recorda o advogado, gerente da área jurídica do banco até 2019. “O medo virou orgulho, principalmente porque minha história motivou outros colegas a se assumirem no trabalho.”
Em 2019, foi promovido a superintendente jurídico. “Foi um passo importante rumo à diversidade”, avalia. “Uma companhia que tem um executivo que se coloca, sem medo, como um homem gay mostra que há um ambiente seguro para todos falarem abertamente sobre sua orientação sexual. E que isso não será empecilho para o crescimento profissional de ninguém.”
Crepaldi virou um dos protagonistas do projeto de diversidade e inclusão do Itaú Unibanco focado na parcela LGBTI+. “Empresas que se preocupam em fornecer o melhor produto ou serviço para seus clientes precisam ter um quadro diverso de colaboradores”, defende. “Do contrário, não vão conseguir atender aos anseios da clientela, composta de pessoas muito diversas.”
A engenheira Michele Robert, de 44 anos, é a primeira mulher a exercer o cargo de CEO da Gerdau Summit (criada em 2017, a joint venture entre a Gerdau e duas companhias japonesas, a Sumitomo Corporation e a Japan Steel Works, produz peças para a construção de parques eólicos e atua em outros setores).
A executiva está no comando desde novembro de 2020. Chefia cerca de 700 pessoas, 90% delas do sexo masculino. “Sou a primeira CEO, mas queremos ter mais mulheres em cargos de alta liderança”, diz. “A meta para 2025 é ocuparmos 30% das posições do tipo.”
Ela lembra que a Gerdau, no ano passado, conseguiu elevar o total de mulheres contratadas como operadoras industriais para 8% — em 120 anos, elas nunca foram mais do que 2%. “Trata-se de um salto expressivo para a indústria do aço, que sempre teve mão de obra majoritariamente masculina”, argumenta Robert. “Seguimos com ações e metas de contratação e recrutamento para aumentar essa porcentagem cada vez mais.” A admissão de mulheres em 2021, vale dizer, correspondeu a um terço das contratações do gigante do aço.
Robert trabalhou por 18 anos na General Electric (GE) e atuou também na Motorola e na Stericycle, da qual era CEO até mudar para a Gerdau Summit. “Nas empresas onde trabalhei, não havia mulheres no C-level”, recorda. “Apesar de o Brasil formar hoje muitas engenheiras, a área ainda é majoritariamente composta de profissionais homens. Os avanços são lentos, embora haja um grande progresso na equidade de gênero.”
Aos 15 anos, Raphael Denadai sofreu um acidente com fogos de artifício que lhe tirou a visão do olho esquerdo. Mas o episódio não o impediu de trilhar uma carreira profissional invejável. Desde fevereiro do ano passado, ele é o presidente da Sky Brasil, na qual entrou, em 2019, como CFO. “Todo ser humano é fruto de suas experiências e acredito que as minhas contribuem para que eu acredite e apoie a agenda ESG e tenha interesse em levá-la a cada vez mais pessoas”, diz Denadai, que também exerceu cargos de liderança no Cinemark, na Telefônica/Vivo e na Embraer.
Em 2020, a Sky Brasil implantou seis comitês para criar ações internas e externas em prol da equidade de gênero, da comunidade LGBTI+, de pessoas com deficiência e outros grupos minorizados — também há equipes que se atêm a diferenças religiosas, interculturais, socioeconômicas e de gerações. “A grande maioria das pessoas passa mais tempo dentro de uma empresa do que na própria casa”, lembra Denadai. “Por isso, é fundamental que possam ser quem realmente são, sem receios. Precisam se sentir 100% à vontade no trabalho. Para a Sky Brasil, isso é uma prioridade.”
O executivo, de 47 anos, é um dos que defendem, com toda razão, que a diversidade é ótima para os negócios. “Uma empresa diversa, em todos os sentidos, gera conversas e ideias plurais”, argumenta.
“É o que nos permite desenvolver produtos e serviços de maneira inclusiva para todas as pessoas. Quando abarcam várias ideias e perspectivas, as companhias elevam seus faturamentos.”
“Eu sempre fui uma exceção”, diz Maurício Rodrigues, de 47 anos, que preside desde o ano passado a Bayer Crop Science na América Latina. No Colégio Bandeirantes, onde estudou, era o único aluno negro. Não foi diferente na escola de inglês, na turma dele na Universidade de São Paulo (USP), onde obteve o diploma de engenheiro civil, ou na pós-graduação. “Um negro no comando de uma empresa como essa traz visibilidade para a importância da representatividade, extremamente necessária, e rompe as barreiras da exclusão”, diz Rodrigues. Em 2020, a companhia deu início, no Brasil, a um programa de trainee exclusivo para pessoas negras. “Isso motivou uma discussão importante sobre reparação histórica e ações afirmativas”, lembra o presidente. No ano seguinte, lançou um programa de estágio que selecionou 500 pessoas — 45% delas autodeclaradas negras, 15% LGBTI+ e 55% mulheres. “Quanto mais diversidade, maior a referência positiva”, afirma Rodrigues. “Todas as empresas deveriam seguir esse caminho.”
Se ele enfrenta preconceito mesmo à frente de uma divisão que soma 5 bilhões de dólares em vendas por ano? “Sim, inúmeras vezes”, responde. “Raramente vi outro negro em vários dos encontros importantes de que precisei participar, e já houve reuniões em que alguém achou que eu não era um líder.” Por tudo isso, diz sentir uma pressão enorme sobre os ombros. “Sinto que nós, negros, já entramos nos ambientes precisando nos defender, pressupondo que vão nos atacar”, revela. “A gente vive em postura de defesa, o que gera estresse e um desgaste emocional muito grande.”
Duas vezes por semana, religiosamente, Benedito Braga joga uma partida de tênis. Aos 74 anos, o diretor-presidente da Sabesp se diz bem mais disposto do que muita gente com a metade de sua idade. “No passado, pessoas da minha faixa etária já estavam bem debilitadas”, diz ele, que comanda a estatal desde 2019. “Hoje é mais fácil chegar aos 70 anos com boa saúde.”
Ele acredita que há poucos pares com idade parecida porque a maioria prefere dar adeus à labuta cedo demais — nos Estados Unidos, segundo levantamento do Wall Street Journal, a idade média dos CEOs do índice S&P 500 é de 58 anos. “Velhos animados como eu, que querem continuar trabalhando, são minoria”, acredita. “O que toda empresa precisa é de alguém com competência e disposição para enfrentar os desafios exigidos. E isso não tem a ver com idade.”
Aposentadoria é algo que não lhe passa pela cabeça. “Trabalhar, no meu caso, é uma alegria enorme”, justifica. “Não sou uma daquelas pessoas que não veem a hora de chegar a sexta-feira. Além disso, me sinto extremamente útil fazendo o que faço.” Para embasar a afirmação, Braga recorre ao atual projeto de despoluição do Rio Pinheiros, tocado pela Sabesp, que está na fase final e começou há três anos. “Conectamos mais de 1,8 milhão de pessoas à rede de água e esgoto”, comemora. Sua permanência no comando da estatal, acredita, serve de incentivo para que outros profissionais da mesma faixa etária sigam na ativa (na iniciativa privada, é verdade, muitos não têm escolha, pois acabam substituídos em razão dos salários elevados). “Na Sabesp, há uma quantidade bem razoável de funcionários com mais de 60 anos, que podem, inclusive, ascender ao comando”, diz o diretor-presidente.
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