Revista Exame

A China está entre o medo e a esperança

Os novos líderes que governarão a China nos próximos dez anos se destacam pela experiência na área econômica. Mas o desequilíbrio na composição da instância máxima de poder embute o risco de acirramento da disputa entre as duas principais facções política

Prédio em construção em Xangai: o ritmo da reforma econômica será ditado pela nova liderança comunista (Getty Images)

Prédio em construção em Xangai: o ritmo da reforma econômica será ditado pela nova liderança comunista (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 3 de dezembro de 2012 às 05h00.

São Paulo - Poucas vezes um congresso do Partido Comunista Chinês atraiu tanta atenção mundial como neste ano. Uma das principais razões desse interesse é que foi a primeira transição de liderança desde que a China emergiu como um gigante da economia — e segunda maior potência do mundo.

Os novos líderes da China são, em geral, pouco conhecidos no Ocidente. Pouco se sabe a respeito de suas posições nas áreas social e econômica, suas visões de mundo e seus valores. Isso acontece porque a China não promove as extensas campanhas eleitorais como em muitas democracias.

Neste ano, a transferência de poder — que ocorre a cada década — foi particularmente obscurecida por escândalos políticos sem precedentes, especialmente a dramática queda de Bo Xilai, chefe do partido na cidade de Chongqing, um político ambicioso e carismático que caiu em desgraça após o envolvimento de sua mulher no assassinato de um empresário britânico.

Esses eventos aumentaram os riscos de instabilidade social e alimentaram as incertezas sobre o futuro político do país — um quadro que pode se agravar com o perfil da nova liderança chinesa. 

Apesar dos episódios problemáticos que antecederam o 18o Congresso, em novembro, essa foi a segunda transição pacífica de poder na história da China — a primeira ocorreu em 2002, quando Jiang Zemin entregou o poder a Hu Jintao. O processo de sucessão seguiu as regras do limite de idade.

Todos os membros do Comitê Central — órgão formado pelos principais líderes nacionais e provinciais — da administração anterior nascidos até 1944 se demitiram. As taxas de renovação em todos os órgãos de liderança foram bastante elevadas. Os novatos são 64% no Comitê Central, 77% na Comissão Central para Inspeção de Disciplina (a principal agência anticorrupção do país), 71% no Comitê Permanente do Politburo e 64% na Comissão Central Militar (organização que administra o Exército).

Acima de tudo, é a composição do Comitê Permanente do Politburo — a cúpula do Partido Comunista Chinês — que determinará a direção e o ritmo da próxima fase da reforma econômica, assim como a extensão das mudanças sociais e políticas. Diferentemente de outras instâncias, em que há mais candidatos do que cargos, não há eleição para as cadeiras do Politburo e de seu Comitê Permanente. Esses líderes ainda são escolhidos à moda antiga.

Acordos são costurados nos bastidores, processo no qual os líderes aposentados ainda têm grande influência. A introdução de eleições intrapartidárias nesse nível configuraria uma nova fonte de legitimidade e aumentaria a coesão da elite. Ao optar por não fazê-lo desta vez, os líderes chineses perderam uma grande oportunidade.


A maior decepção — e com o maior potencial de gerar consequências —, no entanto, é o desequilíbrio entre facções do Comitê Permanente. Embora o Partido Comunista monopolize o poder na China, sua liderança não é monolítica. Atualmente, duas grandes facções brigam por poder, influência e controle das iniciativas políticas.

Uma é liderada pelo ex-presidente Jiang Zemin; a outra é comandada pelo presidente que está de saída, Hu Jintao. Os principais membros do grupo de Jiang são os “príncipes vermelhos” — líderes que fazem parte de famílias de revolucionários veteranos ou de oficiais de alto escalão. Já o grupo de Hu (conhecido como tuanpai) é composto de líderes que avançaram em sua carreira política por meio da Liga da Juventude Comunista.

Essa bifurcação criou uma espécie de mecanismo de peso e contrapeso no processo de tomada de decisão. Os líderes das duas facções têm diferentes conhecimentos, credenciais e experiências. Eles representam diferentes classes socioeconômicas e regiões geográficas, mas, com frequência, cooperam entre si para governar com eficiência.

Se as duas facções não mantiverem o equilíbrio, a facção derrotada pode se tornar menos cooperativa. De modo mais preocupante, também pode usar seus recursos políticos e sua influência para iniciar uma perversa briga pelo poder, com potencial de enfraquecer a legitimidade do sistema político e de ameaçar a estabilidade do país. 

Na mais recente troca de liderança, o equilíbrio no novo Comitê Permanente do Politburo parece ter sido rompido. Apenas um membro é tuanpai (outro, Liu Yunshan, ex-presidente do Departamento de Propaganda, pode ser considerado neutro, pois também é próximo de Jiang).

Os outros cinco integrantes são todos apadrinhados de Jiang. Além disso, o número de “príncipes vermelhos” nos principais órgãos de liderança civis e militares é o mais alto da história, incluindo quatro dos sete membros do Comitê Permanente e quatro dos 11 membros da Comissão Central Militar.

Cabe lembrar que grande parte dos líderes do partido usa seu poder político para converter ativos do Estado em fortuna pessoal. A forte presença de “príncipes vermelhos” na alta liderança deve reforçar a percepção pública dessa convergência de poder e riqueza no país. 

Dito isso, é importante registrar que os quatro “príncipes vermelhos” no Comitê Permanente — entre eles Xi Jinping, o novo secretário-geral do partido, que deve assumir a Presidência do país em março de 2013 — têm décadas de experiência e alto nível de competência em questões econômicas e financeiras.


O novo Comitê Permanente deve enfatizar a reforma econômica, especialmente com a promoção do setor privado e a aceleração da liberalização financeira para agradar à classe média. O problema é que a próxima fase da reforma econômica chinesa exigirá, paralelamente, reformas políticas. E há bons motivos para duvidar que essas reformas políticas aconteçam de fato. A exclusão de dois liberais importantes — Li Yuanchao e Wang Yang — do Comitê Permanente é particularmente preocupante.

Wang ficou de fora porque muitos líderes enxergam nele uma ameaça. Seu principal rival político era Bo Xilai, e os dois se equilibravam em termos de poder, influência e agenda política. Com a exclusão de Bo, os conservadores não queriam a presença de Wang. Mas a não nomeação de Li Yuanchao foi surpreendente. Voz atuante dos intelectuais liberais que exigem o cumprimento das leis, a responsabilidade governamental e a democracia intrapartidária, Li tem muitos apoiadores. 

A nova formação da principal liderança da China, portanto, é um paradoxo de esperança e de medo. Traz esperança porque a presença de líderes capazes, com experiência econômica e financeira, pode acelerar as reformas econômicas e a liberalização financeira. A hegemonia do grupo de Jiang no Comitê Permanente pode evitar os impasses na formulação política causados pelas brigas entre as facções, como ocorreu frequentemente na administração de Hu Jintao.

Mas também traz medo, pois o desequilíbrio entre as facções pode minar a coe­são da elite, tornando a briga de poder mais perversa e aumentando o risco de reveses sociais e políticos. A reforma política da China, extremamente necessária, pode atrasar em consequência dessa liderança politicamente conservadora, dominada por “príncipes vermelhos”. O clamor da opinião pública por um sistema político mais competitivo, mais institucionalizado e mais transparente, no entanto, tende a se tornar cada vez mais forte. 

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