Revista Exame

Endividadas, empresas sofrem com os juros altos e a recessão

As empresas brasileiras entraram na crise mais endividadas do que nunca — e a combinação de recessão com juros em alta e bancos com medo veio em má hora


	Construção em São Paulo: as incorporadoras estão entre as mais afetadas pela restrição de crédito
 (Germano Lüders/EXAME.com)

Construção em São Paulo: as incorporadoras estão entre as mais afetadas pela restrição de crédito (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 10h26.

São Paulo — Assim como as famílias infelizes, cada recessão é triste à sua maneira. Em nossa bipolaridade econômica, vimos de tudo um pouco nas últimas décadas — uma recessão acompanhada de hiperinflação, outra em que faltou luz, uma mais curta, outra que durou quase uma década.

É natural que, vinda após um ciclo longo (para padrões locais, pelo menos) de crescimento, a atual crise econômica brasileira tenha características únicas. Talvez a mais importante delas seja a presença de um ingrediente que faltou nas outras — consumidores e empresas endividados. Até pouco tempo atrás, afinal, endividar-se era coisa de maluco.

Quando havia linhas de crédito disponíveis, elas eram caras e de prazos curtos. Em geral, os empresários se financiavam reinvestindo o lucro ou contratando algum empréstimo subsidiado — de preferência, no bom e velho BNDES. A situação mudou na última década. Com a queda dos juros, as empresas experimentaram como é viver com dívida. É um gosto, como se sabe, doce quando as coisas vão bem, mas azedo quando vão mal. E hoje as coisas não vão nada bem.

As companhias brasileiras entraram na recessão de 2015 mais endividadas do que nunca. Um levantamento do Centro de Estudos de Mercado de Capitais mostra que, hoje, o total de dívida das empresas abertas e fechadas representa, em média, 81% do patrimônio. Em 2005, o percentual estava em 56%. São as mais endividadas entre paí­ses emergentes, segundo o Fundo Monetário Internacional.

Quando a economia estava crescendo, a maioria das empresas conseguia usar uma parcela dos lucros para pagar as dívidas e ainda fechar o balanço no azul — a dívida era a forma de acelerar o crescimento e, com bancos mão- aberta, tudo ficava mais fácil. Mas o dinheiro, que antes era farto, diminuiu muito.

Os bancos estão mais cautelosos, emitir ações na bolsa ficou praticamente inviável e os juros subiram. O efeito é pernicioso. Em média, as despesas com o pagamento de juros consomem um terço da geração de caixa das empresas locais, de acordo com o FMI — no México e na China, o percentual é de apenas 15%.

Os efeitos desse novo cenário têm sido a elevação da inadimplência entre as empresas, que subiu 13% neste ano, e também o aumento do número de recuperações judiciais, que bateram recorde — apenas de janeiro a junho, foram 442 companhias. “O cenário mudou rapidamente e algumas empresas não conseguiram se adequar”, diz Ellen Steter, economista do Bradesco.

Entrar endividado demais numa recessão, sobretudo num país com juros altos, como o Brasil, é um pesadelo. Faturamento e lucro caem, mas o custo da dívida sobe — tanto pela maior cautela dos bancos quanto pela situação macroeconômica do país.

Em dois anos, os juros cobrados das empresas subiram de 15,7% ao ano, em média, para pouco mais de 19%, segundo o Banco Central — mas quem tem dívida atrelada ao CDI, índice que acompanha a variação da taxa Selic, paga hoje o dobro do que pagava há dois anos. O índice mais usado para medir a capacidade de pagamento de uma empresa é a relação entre a dívida e sua geração de caixa.

Quando o lucro cai e o custo da dívida sobe, essa relação começa a atingir patamares perigosos, o que torna os bancos ainda mais reticentes. Na maioria dos contratos de empréstimo, é estabelecida uma relação máxima entre dívida e geração de caixa. Caso essa relação estoure, os bancos podem executar suas garantias, por exemplo.

As empresas, nesse caso, passam a viver para pagar suas dívidas. É a situação em que se encontram centenas de companhias brasileiras hoje. Em agosto, três grandes empresas abertas anunciaram que estão reestruturando suas dívidas, que se provaram impagáveis — as construtoras PDG e Rossi e a distribuidora de energia ­Li­­ght. Mas a lista é muito maior e crescente.

Em maior ou menor gravidade, empresas como a rede de farmácias BR Pharma, a varejista Máquina de Vendas, a elétrica Energisa, as siderúrgicas CSN e Usiminas, a companhia aérea Gol, a empresa de logística ALL, o grupo de saúde Unimed, a concessionária EcoRodovias e o grupo de logística Log-In estão tendo de lidar com dívidas consideradas altas demais.

Isso para não falar no show de horror protagonizado pelas empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato — quatro delas já em recuperação judicial.

A saída é vender

Além de renegociar com os credores, a saída encontrada por muita gente tem sido colocar pedaços da empresa à venda (caso de EcoRodovias, BR Pharma, Log-In e CSN). Há casos em que é preciso encontrar uma solução com urgência. Em um ano, a dívida da rede de livrarias Saraiva dobrou, aumentando para cerca de dez vezes sua geração de caixa.

Para reduzir o endividamento, a empresa vendeu, em junho deste ano, sua unidade de livros para o grupo de ensino Somos Educação (antiga Abril Educação) por 725 milhões de reais. A Saraiva não deu entrevista.

Em nota, afirmou que “diante do atual cenário macroeconômico mais desafiador, implementa ações estratégicas com o objetivo de melhorar o desempenho financeiro, aumentar a liquidez e reduzir a alavancagem”. Há casos de crise aguda até mesmo em setores que estão indo relativamente bem, como o agronegócio.

Em maio deste ano, a Ceagro, empresa que comercializa soja e milho, sur­preen­deu o mercado ao deixar de pagar os juros de parte de seus títulos, no valor de 100 milhões de dólares. O problema da empresa são as dívidas em dólar, que respondem por 90% do endividamento e cujo custo aumentou com a desvalorização do real.

“A Ceagro tem 30 anos de história, mas esta é a pior crise: a restrição de crédito nunca havia sido tão grande”, diz o advogado Pedro Bianchi, do escritório Fels­berg Associados, que assessora a empresa na renegociação da dívida com os credores (que são os bancos ABN Amro, Bank of China, BTG Pactual, Credit Suisse, Indusval, Itaú, Santander e Votorantim).

Se é péssima para as empresas, a crise coloca os bancos numa situação desconfortável. O volume de crédito corporativo no país caiu 5% em 12 meses, número que fica maior considerando que a inflação foi de 9%.

Mas, ao mesmo tempo que cobram mais e restringem o crédito a quem está em crise, os bancos não querem uma onda de recuperações judiciais, já que, nesse caso, são obrigados a reconhecer perdas em seus balanços.

Com bilhões e bilhões de reais em jogo (somente as principais empreiteiras da Lava-Jato têm cerca de 100 bilhões de reais em dívidas bancárias), as instituições têm tido certa boa vontade com quem se mostra disposto a cortar custos e renegociar prazos, empurrando o problema para o futuro. Mas a recessão apenas começou.

O governo, este eterno endividado, resiste a adotar medidas que ajudem a tirar o país do atoleiro atual. As empresas, cedo ou tarde, aprenderão a conviver com as dívidas e, com sacrifício, colocarão a casa em ordem. O governo, por sua vez, deve continuar a atrapalhar. Nesse aspecto, afinal, todas as nossas recessões são iguais.

Acompanhe tudo sobre:BNDESCrise econômicaCrises em empresaseconomia-brasileiraEdição 1096EmpréstimosGoverno

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025